O livro sabe o que vai ser antes de nascer. Mas o autor nem sempre desconfia disso.
Quando se pensa em escrever um livro, geralmente se tem em mente uma pré-estrutura do que será o produto final. Imaginamos a ordem dos capítulos, sobre o que cada um deles irá tratar, se a narrativa será divida cronologicamente, se será separada por temas específicos, se vai ir e voltar no tempo, se vai ser fragmentada, contínua, e assim por diante. Não existe uma fórmula. Estou citando aleatoriamente, e, claro, cada um tem o seu método — ou não tem método algum, assumamos.
Mas este não é o ponto central deste meu artigo. Minha experiência ao escrever livros tem demostrado que o resultado vai ser bem diferente do planejado. Quando se começa a fazer entrevistas, pesquisas, quando se começa a refletir em cima de tudo, o livro vai tomando vida própria. E muitas vezes essa consciência se dá no momento da própria escrita, aos 45 minutos do segundo tempo.
Ao darmos seguimento à história, acabamos nos inspirando por um fato correlato ou por um “causo” curioso que merece abrir o texto, que nos leva à outra linha de raciocínio, e a coisa anda — ou desanda. Quando nos damos conta, a história ganhou vida e nos sentimos apenas o instrumento para dar o acabamento. Porque o corpo já está lá, vivinho da silva.
Considerando todas essas variantes que envolvem o levantamento de matéria-prima para esculpir a obra, a entrevista, no meu caso, é o desencadeador das maiores mudanças na estratégia programada, de rumo, de enfoque, às vezes até de humor. Como disse aqui no post “Nem todo mundo sabe que tem uma boa história para contar. Nem eu”, o personagem nem sempre tem consciência de que é dono de uma informação, uma observação, ou descoberta preciosa.
Entre tantos entretantos, quando ele fala de forma descompromissada, como se estivesse fazendo a introdução para o principal, ou observa algo enquanto está nos servindo um café, olhando pela janela, para o teto, ocorre de expor aquela palavra ou aquela frase ou aquela pergunta ou aquela firmação que será a chave do cofre. Daí, a única atitude que nos resta é esquecer o programado e planejar uma nova abordagem, uma nova estrutura, uma nova lógica para o texto. Que, como bem sabemos, pode mudar tudo no momento em que valor colocar tudo na tela ou no papel.
Esta reflexão me veio à cabeça depois que terminei o post para o blog que eu piloto, o Car & Fun (se tiverem curiosidade de conhecê-lo, é só clicar no final deste texto), que terminava com esta frase do poeta espanhol Antônio Machado: “Caminante, no hay camino; se hace camino al andar”.
Eis a aventura da escrita. O que vai sair, só depois de pronto que conheceremos.
Editor da CBNEWS Books e escritor
7 aBela reflexão, Newton. Falamos a mesma língua. Abraços
Escritor, autor de Direção de Arte em Propaganda, Vitamina Fotográfica, Corinthians Eterna Paixão, Um minuto, etc.
7 aCaro Chico, fazer literatura é fazer arte. Eis a razão de sermos dominados pela própria criação. Você tem razão. Por mais que nós, escritores, temos o poder da história em nossas mãos (ou melhor, em nossas teclas), no fim o que nos domina é a arte. Fazer uma pequena comparação não seria de todo mal. É como se o teclado fosse nosso pincel, as palavras, nossa tinta, e o livro, nosso quadro. A personalidade e expressividade do quadro/livro, só serão de fato conhecidas quando o ponto final for colocado. Parabéns pelo artigo.