O LODOSO CENÁRIO POLÍTICO E A PARÁBOLA DO COMPLIANCE COMO FLOR DE LÓTUS
O povo brasileiro assiste, de forma estupefata, a grave crise política instalada em nosso país. Nota-se um descompasso quanto à compreensão do humano entre a razão política do Estado e a razão prática dos seres humanos do nosso país. O cidadão pátrio é cada vez mais submetido à ciência política, experiência de um país que tenta dar certo às custas dos dilemas e paradoxos da vida moderna.
No campo das práticas morais e das formulações éticas correspondentes, vive-se o domínio e o incentivo à exclusividade da individualidade. Esta muito tem fascinado as pessoas, conduzindo-as prioritariamente à busca de soluções de seus problemas. Não é de causar espanto se, na corrida desenfreada atrás de eficiência, do lucro e da produtividade, as pessoas acabarem confundindo valores, prioridades e necessidades vitais, exilando a própria ética das discussões sobre o viver.
Nesse sentido, algumas pessoas, sobretudo aquelas detentoras de certo poder, seja no âmbito público ou privado, podem se questionar: como ser ético se a necessidade e a concorrência são desleais? Como ser ético com toda esta crise aflorando? Não podemos nos esquecer que a crise que vivemos hoje é, antes de tudo, uma crise ética. Esta consciência é premente em todos os setores da sociedade.
O processo de modernização em nossa sociedade acaba causando grandes impactos nas instâncias organizacionais da vida social, transformando o seu modo de ser, relegando valores seculares e, em outra instância, elegendo novas prioridades e invadindo áreas ante invioláveis. A ruptura desses valores é a ruptura do “ethos”, culturalmente transmitido. O homem tropeça numa hipertrofia de valores materiais e numa atrofia de valores humanos e espirituais, o que está provocando uma sensação de vazio existencial.
Não é raro observar a atual situação identificada como um “vazio moral e ético”, a exemplo da grave crise política que estamos assistindo hoje, que envergonha a todos os cidadãos pátrios. Não se encontram adjetivos para tanta obscuridade. Talvez o termo obscuridade seja uma forma amena de camuflar todo o constrangimento, a infâmia, a indignação, a desmoralização sentida pelo nosso povo. A perceptível mudança nos padrões de comportamento e nos referenciais para o viver da sociedade está gerando uma sensação de insegurança ante o caminho a seguir.
A prática reiterada de atos escusos, em desconformidade e antiéticos estão sendo utilizados por meio de artifícios cada vez mais comuns e, o pior, sendo conclamado como normais. É nítida a impressão de que o cidadão brasileiro está perdendo a sua capacidade de indignação, “tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo.”[1]. É justamente essa capacidade de indignação que não podemos perder.
Amiúde ao cenário político, é dentro desse mesmo contexto que percebemos o crescente desprestígio e total descrença em torno da atividade das empresas e grandes corporações, pois são essas que muitas vezes fomentam os atos de corrupção e desvios de condutas no setor público. Esse fato é de fácil comprovação, pois quanto mais envolvida em atividades que possuam conexões pessoais e comerciais, a empresa ou corporação se torna mais complexa. É o caso, por exemplo, da atuação das empresas do setor de agronegócios, de infraestrutura e de bancos, todos com conexões com o setor público.
A predominância da percepção negativa acima corrói e reduz os fundamentos que subjazem a própria existência dessas empresas, fruto de um arquétipo negativo em torno da relação perniciosa com os agentes públicos, originário de acontecimentos reais que desaguam nos tribunais e mancham a história e reputação dessas empresas.
A ética aplicada ao quotidiano das empresas e grandes corporações, inclusive em entidades do terceiro setor, visa equacionar muitos problemas que têm origem na própria estrutura da sociedade, motivo pelo qual um arcabouço teórico para a discussão destes problemas é de fundamental importância para o desenvolvimento das empresas. O problema da ética, ou sua falta, é de todos!
Com base nas premissas acima, pode-se inferir que a responsabilidade das empresas deve assumir, em sua essência, um compromisso moral com a sociedade para a qual destina seus produtos e serviços. Não adianta vender um bom produto se a atuação dos gestores da empresa despreza a boa conduta e os aspectos éticos mais comezinhos no desenvolvimento de suas atividades.
É nessa heterogênea complexidade que o compliance emerge como vital para as empresas, objetivando regular os vários interesses na eterna dialética entre indivíduo e coletividade, utilitarismos e valores. A relação ética e atividade empresarial é sempre uma relação de paradoxos, onde há sempre questionamentos que surgem e respostas que muitas vezes não são dadas. Nesse cenário, o compliance surge como vetor de desenvolvimento das empresas e na mudança de cultura moral das pessoas.
Fazendo uma breve analogia, poder-se-ia compreender o fenômeno do compliance e sua delicada mediação e síntese por meio da parábola da flor de lótus. Como é cediço, a flor de lótus, nativa da Ásia e considerada sagrada em algumas culturas orientais, nasce no lodo e seu caule é desenvolvido na lama até alcançar o seu tamanho normal. À noite, as pétalas de flor se fecham e ela mergulha debaixo d’água. Antes de amanhecer, ela volta à superfície e se abre. As pétalas possuem propriedades autolimpantes e que conseguem repelir micro-organismos e o próprio lodo. Amiúde aos diversos simbolismos, a flor de lótus é exemplo de determinação, perseverança e superação, sobretudo porque surge no meio do lodo e da lama.
Utilizando a parábola acima, podemos entender o compliance como a mensagem da flor de lótus, que é uma prova natural da busca do aprimoramento moral (limpeza) e que, independentemente da lodosa situação onde se encontre, é possível crescer e florescer de maneira robusta e bela. Trata-se de um ensinamento que transmite confiança em nós mesmos e na nossa própria capacidade de superar obstáculos. As empresas que adotam o compliance também podem passar incólume nesse cenário político lodoso em que vivemos. Pensemos nisso para que possamos crescer de forma resiliente e segura. Adote o compliance em sua entidade!
[1]. BERMAM, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar – A aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pág. 17.
Advogada Direito Imobiliário, Família e Empresarial Especialista em Direito Civil e Processual Civil
7 aParabéns. Excelente!