O machismo não é tão ruim

Dia desses eu tive uma daquelas discussões de casal que desgastam pra caramba. Pura falta de leitura da situação da minha parte. Moramos no mesmo prédio que os pais da minha esposa. Estávamos na casa deles e a minha companheira pediu que eu descesse para pegar alguma coisa. Desci, e quando voltei, como ia dar uma saída, achei que não precisava ficar com as duas chaves (a minha e a dela). Pois bem. Deixei-a com a nossa filha Maria Lídia, de três anos, que estava doentinha dormindo e saí. Pouco tempo depois, recebi uma ligação da minha esposa, super brava, dizendo que já havia mandado duas mensagens no Whatzapp. Disse que a febre da Madi (apelido da nossa filha) havia voltado e pediu que eu voltasse pra casa pra irmos ao médico. Estava realmente muito brava!

Eu não entendi. Será que tudo isso era só porque eu não levei a chave?! Pra ajudar, quando cheguei no apartamento a nossa filha ainda estava dormido no colo e ela teve que vir com ela nos braços para abrir a porta. Algo nada fácil se considerarmos que a nossa filha tem dezesseis quilos e quase um metro de altura. Falei com ela cheio de ironia: tudo isso por causa de uma chave? Ela me olhou com um olhar fulminante: não, não é. E vê se fala mais baixo. Quanta burrice a minha!

Eu e ela temos um jeito peculiar de brigar. Não sei se é assim com outros casais. Nossas brigas as vezes vão para a gaveta e voltam mais tarde. Ficamos juntos por horas e parece que não aconteceu nada. Mas, ao chegarmos em casa, basta um olhar ou uma resposta atravessada (que geralmente vem de mim) para a briga sair da gaveta e voltar com toda a força. E na volta do hospital, a coisa “pegou” novamente. Ela estava muito chateada e até chorou antes de ir dormir. Fico péssimo quando isso acontece. Um misto de impotência e incapacidade de conseguir compreende-la.

No dia seguinte, ainda no maior “climão”, voltei à carga e, no alto da minha estupidez, perguntei mais uma vez o que havia acontecido, pois na minha cabeça de “homem bacana”, estava tudo certo. Esse é o problema. Enquanto o nosso comportamento é de defesa, a tendência é piorar as coisas e não conseguir estabelecer uma comunicação não-violenta.

Pois é. Dei essa volta toda para dizer o quanto para nós homens é confortável ser machista. Ela estava chateada porque no dia anterior havia perdido a sua sessão de terapia para que eu mantivesse o meu compromisso. Afinal de contas, como nossa filha está doente, quem é que assume a carga maior de cuidados com a cria? A mãe. Mas não deveria ser assim! Ela estava chateada porque as sessões de análise têm feito muito bem e eu bem que poderia ter ficada com a nossa filha pra ela sair. Por que ela pode abrir mão do seu compromisso e eu não? Respondo: porque é bom ser machista.

O bacana seria se eu “sacasse” as suas necessidades e a tranquilizasse dizendo que eu poderia ficar com a cria para que ela tivesse algumas poucas horas de “tranquilidade”. Mas é mais fácil “seguir a ordem natural das coisas” e deixar por conta da mãe. Puro machismo. E todas as vezes que isso acontece, nós homens, de certa forma, justificamos os nossos vieses inconscientes para nos mantermos em nossa zona de conforto. Afinal de contas, o machismo não é tão ruim assim, não é verdade? Basta justificar que fomos criados assim, que aprendemos com os nossos pais, avos, amigos da escola e manter as coisas como estão.

Mas e para as mulheres, será que as coisas também funcionam assim? Obviamente, não. Fato é que os homens sempre estão prontos para justificar os seus comportamentos, para se defender. Eu sou assim, e preciso sempre refletir e ter o feedback da minha companheira para subverter essa tal “ordem natural das coisas”. Precisamos ouvir com disponibilidade, desarmados e com o coração cheio de empatia. As nossas companheiras (esposas, namoradas, ficantes…) não são as nossas mães.

Sim. Já parou para pensar o por que das nossas mães, na grande maioria das vezes, estarem quase sempre descabeladas, cansadas e com o aspecto de exaustão? Porque as responsabilidades da casa e dos filhos sempre recaem sobre os ombros delas. E sabe o que isso significa? Não desligar nunca! Não relaxar nunca. Ter que marcar médico, cuidar da alimentação de todos, da limpeza e ainda por cima doar toda a sua doçura, carinho e cuidado aos filhos e a nós, marmanjões.

Ah! Vamos combinar, né manos!? Ser machista não é tão ruim assim.

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