O Mapa da Estratégia #6: Como construir marcas significativas com as quais as pessoas se importem
Bem-vindo ao O Mapa da Estratégia, uma newsletter semanal sobre estratégia de negócios e marcas. De insights até análises, meu intuito é explicar o que importa e porque importa nesse tema fascinante, complexo e que nunca para de mudar.
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Uma das coisas mais interessantes para quem trabalha com marketing é que nós tendemos a nos encantar com o que fazemos e começamos a viver numa realidade um pouco diferente do resto do mundo. Que todas aqueles meses construindo a estratégia, depois o livro da marca e colocando uma campanha na rua irão resultar em pessoas clamando para comprarem o produto e irão amar a nossa marca.
Spoiler: as pessoas não se importam tanto assim.
Mais especificamente, 77% das marcas poderiam sumir e as pessoas não se importariam, segundo o estudo Meaningful Brands Survey, realizado pelo grupo de comunicação Havas.
Um índice tão alto de pessoas que falam "se isso evaporasse eu não poderia me importar menos" diz duas coisas:
1) O trabalho feito por grande parte das marcas não está sendo tão eficiente e eficaz;
2) Produtos e serviços serão sempre substituíveis, independente de quanto de tempo e dinheiro forem investidos construindo as marcas, afinal, é uma relação de consumo e essas possuem uma duração específica.
No final do dia, com tantas opções disponíveis e tanto ruído tudo se torna um borrão e você não sabe mais a diferença entre aquele logo laranja e do outro que também parece meio laranja. Marcas se tornam vasos de decoração, invisíveis aos olhos.
E claro, nunca existiram tantas opções diferentes para serem escolhidas com tanta facilidade, seja de roupa até seguro para o carro. O custo de troca para a maioria dos produtos e serviços é hoje muito pequeno para o cliente, ao contrário de quando você realmente não tinha muito o que fazer a não se conformar entre o ruim e o pior. Então é normal, especialmente em certos segmentos, existir pouquíssima fidelidade de marca ou mesmo algum tipo de preferência.
Nada disso que estou falando é novo, mas ainda levanta questões importantes: e como construir marcas significativas, que ajudem a construir negócios sólidos? Como fazer marcas com as quais pessoas se importem a ponto de realmente sentirem falta caso sumam?
O que é uma marca
A minha definição de marca preferida é uma dada pelo Seth Godin:
Uma marca é o conjunto de expectativas, memórias, histórias e relacionamentos que, em conjunto, explicam a decisão do consumidor de escolher um produto ou serviço em detrimento de outro. ”
Ou seja, marca é algo subjetivo para cada pessoa e ainda por cima, intangível. Não é logo, não é produto, não é anuncio, não é site, não é nada disso.
É o resultado de muitos elementos que, trabalhando em conjunto, constroem na cabeça da pessoas, de forma individual, essas expectativas, memórias, histórias e relacionamentos. E isso vai desde a palavra usada no anúncio, que resulta num certo tom de voz, até o grau de receptividade que o atendente de SAC te atendeu passando pelo uso do produto em si e muito mais.
Ou seja, o bicho é complexo, multi-facetado e não é estático. Fica a pergunta: no final do dia, o que é marca?
Tudo.
E justamente por ser "tudo" que muitas erram, pois focam somente em um ou dois aspectos (geralmente voltados à comunicação, que são muito importantes sim, como irei falar) e esquecem dos outros.
A marca dessa forma pode ser até lembrada, mas existe uma quebra de expectativa muito grande entre promessa e realidade, ao ponto que se ela sumisse as pessoas iriam na verdade é soltar fogos de artifício (pense em bancos ou operadoras de telefonia, que gastam milhões em filmes institucionais feitos para emocionar e são líderes de queixas no Reclame Aqui).
Construindo marcas significativas
Nenhuma marca com as quais as pessoas se importem nasce do dia para a noite.
É um processo longo, que exige muita consistência e coerência para conseguir solidificar uma relação que opera tanto no lado de benefícios funcionais como pessoais. Ao mesmo tempo, toda marca está inserido num contexto mercadológico, cultural e sócio-econômico, o que irá torná-las únicas. Fora do contexto pelas quais foram projetadas, não terão sentido.
Dito isso, para mim existem algumas premissas do processo de construção de marcas que permeiam todas aquelas que você pensa "se isso não existisse mais, eu ficaria triste":
1) O propósito é o centro e tudo deriva dele
Eu escrevi um artigo inteiro falando sobre como propósito de marca, quando bem usado, é o seu maior ativo estratégico. E sempre irei retornar para esse tópico, pois de fato é. Se a marca não tem um motivo para existir que seja direcionado a construir um futuro melhor, não tem como ela sequer começar a pensar em ser algo significativo . A Disney, talvez o melhor exemplo de todos no tópico, tem no seu propósito "Fazer a magia acontecer". Tudo, de como o parque funciona até que filme será lançado e como as coisas dentro da empresa funcionam, partem dessa premissa. Dá clareza, direção e principalmente, um motivo maior para aquilo existir. O como será tangibilizado é apenas consequência e acaba sendo um processo muito mais fácil de ser realizado.
2) Pessoas se conectam com valores, bandeiras e opiniões, não produtos
Você sentiria falta se a Dell sumisse amanhã? Eu não. Apesar dela fazer bons monitores (estou usando um nesse momento), poderia ser qualquer marca no lugar que eu não me importaria, desde que tivesse a mesma qualidade. Não tem nada aqui que crie conexão emocional, pois a Dell apenas fabrica e vende eletrônicos. Eu não sei qual a visão de mundo da Dell, o que ela defende, com o que ela luta contra e que transformação maior ela irá causar na minha vida.
Porém, se a Apple desaparecesse, eu sentiria falta? Definitivamente. E não é apenas porque ela produz celulares e computadores excelentes, mas sim porque toda sua proposta conversa diretamente comigo num nível muito mais profundo.
3) A marca não é a heroína da história, e sim a mentora
Poucas marcam trabalham tão bem o conceito da marca ser uma mentora, não a protagonista, como a Nike. É sempre sobre como você pode superar seus próprios limites e alcançar a sua melhor versão com a ajuda da Nike, mas não por causa dela.
Outro exemplo ótimo é a Sallve, marca de cosméticos brasileira que desde o início sempre colocou as pessoas, a sua comunidade, como centro das atenções, não ela, evidenciando as histórias, desejos e particularidades das pessoas.
Essa diferença, que pode parecer sútil, é o que faz as pessoas criarem identificação, pois se enxergam como os heróis, ou sentirem que a marca quer apenas conquistar o dinheiro delas.
4) Marca não é apenas sobre o mundo externo
Boa parte desses pilares são voltados para fora e como disse, um dos maiores erros é justamente focar muito na mensagem e esquecer de todo resto. Parece bem óbvio isso, mas é algo que é continuamente deixado de lado nas empresas, pois há uma crença que marca realmente é apenas o logo e o anúncio na TV. Tudo que a empresa faz e como ela faz cria um "efeito borboleta", que irá impactar o cliente na ponta, das coisas mais banais até as mais importantes.
O processo de reembolso é lento? A política de devolução não é amigável? A lógica de precificação é confusa? A cultura da empresa não fomenta a inovação? Tudo isso desagua, mesmo que no longo prazo e de formas inesperadas, na experiência que o cliente tem e, como consequência, irá impactar diretamente na imagem construída. E como bem disse Seth Godin, o que faz escolhermos entre um produto ou outro é esse emaranhado de experiências que temos.
Por isso que se o marketing for apenas o braço de comunicação da empresa, e não seu cérebro e o coração, é comum acontecer o desalinhamento que citei entre expectativa e realidade.
5) A marca só irá ter chances de ser significativa se ela for realmente útil e cumprir o prometido num momento específico
Ninguém acorda pensando em interagir com marcas, independente quão bom seja o seu produto. Elas apenas existem e são usadas quando são necessitadas, por isso, é tão importante entender em qual "gaveta mental" a marca está na cabeça do cliente para que ela seja lembrada na hora certa.
E ser colocado na gaveta certa é o que deriva do trabalho de consistência e coerências na mensagem e nas atitudes, o que significa algo básico, mas muitas vezes esquecido: a marca precisa cumprir o prometido quando requisitada. É o feijão com arroz, muitas vezes deixado de lado em busca de coisas mais brilhantes, as quais não resolvem nada para ninguém. Faça o básico bem feito e 50% do trabalho está realizado.
O caminho que vale a pena ser seguido
Acredito que qualquer marca, independente do setor que estiver inserida, seguindo alguns desses princípios já estará consideravelmente na frente da concorrência na disputa constante que existe por atenção e preferência de compra e na trilha para a construção de algo que seja de fato querida e lembrada com carinho pelas pessoas.
Não é um trabalho linear e um que existe uma fórmula pronta, o que torna as coisas também muito mais difíceis, mas mais recompensadoras para aqueles dispostos a tentarem. É algo que compensa, pois é sobre fazer a diferença real na vida das pessoas e não ser apenas mais um na fila do pão.
A outra opção é fazer por fazer, sendo apenas um produto genérico na gôndola. E o mundo já está cheio demais de coisas assim.
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