O MELHOR LUGAR: Habitar e Pertencer

O MELHOR LUGAR: Habitar e Pertencer

Ao abrir a porta da sacada, no novo apartamento de hospedagem, o carregador de pedras percebeu uma grande árvore que sustentava um pequeno ninho em um galho. Ficou observando por algum tempo o movimento dos pássaros que o visitavam em tempos intercalados para alimentar os filhotes. A árvore – uma de muitas na avenida – hospedava em sua copa uma família de pássaros que, por bom tempo, tecera cuidadosamente aquele ninho. Enquanto olhava, pensou: – Cada ninho tem uma arquitetura própria, um traçado, uma configuração representando o que tal pássaro é. Mostra seu jeito de ser pássaro na feitura do ninho. Todo ninho é abrigo, proteção, habitação e pertencimento, mesmo que seja por pouco ou muito tempo. São muitos os tipos de ninhos e variadas as suas formas. Nos ninhos imprimem os pássaros o que é mais forte em sua natureza. Deixam ali os traçados de suas vidas, definem a continuidade de seu viver. Ficou por um tempo contemplando o movimento dos pássaros e pensando sobre o sentido do ninho na vida deles. Absorto naquela imagética entre especulação e poesia, foi entrando em um universo paralelo e mergulhou no que a vida lhe apresentava de mais desafiador – a construção do seu lugar no mundo. Olhar a dinâmica dos pássaros permitia pensar a sua própria, o seu existir. Pensou alto – Muitas pessoas, nesse mundo, vivem longe de seus ninhos, distantes de seus lugares, dos seus espaços vitais. Muitos seguem em várias direções. Vão para aonde lhes convém ou podem em dado momento de suas histórias, sem jamais esquecer dos lugares onde habitaram, a que pertenceram. Outros, apenas frequentam determinados lugares sem poder habitar, pertencer e ser... Vivem vidas que não são as suas!.. Os lugares que construímos para viver são únicos e só podem ser habitados por quem, de fato, lhes pertence. Habitar, não como ato de apenas estar, passar ou ficar, mas como ato de sentir-se, fazer-se parte, pertencer. Não habita com sentido quem não pode pertencer ...A pertença é presença a se fazer cotidianamente. É movimento de tecelão que não se nega adicionar fios e cores identificadores do lugar que se faz sua criação e sua morada. Viver sem sentir, sem pertencer, sem coabitar... causa estranheza. Viver habitando, onde for e qual for o ninho, desde que se pertença... causa gozo, felicidade e força. A imagem do ninho estava levando o homem aos lugares de sua vida – lugares que construiu e onde, por algum tempo, habitou e aos quais pertenceu. Mesmo distante, estava em sintonia com os seus melhores lugares no mundo – sua casa e sua cidade. Não podia ficar afastado deles, por isso as lembranças, os momentos de recordação eram-lhe necessários. Ajudavam a continuar sua trajetória. Lembrar dos detalhes da casa – seu ninho –, dos momentos vividos nele, ampliava a confiança, a certeza de que precisava continuar, seguir até o final de sua viagem. Por um instante, aquele homem pensante pegou a mala das pedras, uma cadeira e sentou-se na sacada. Ficou ali segurando aquela mala e olhava a vida acontecer no ambiente externo. A avenida movimentada, a luta dos pássaros pela vida dos filhotes, as pessoas que passavam nas calçadas, o barulho dos carros. Ele estava ali naquele lugar porque havia feito uma escolha e uma promessa a si mesmo. Estava num lugar que não lhe pertencia, mas servia de ponte. Um momento necessário na vida de quem se aventurava a cumprir o que dava sentido a um viver carregado de cumplicidade, buscas e relações compromissadas. Pegou uma das pedras nas mãos e disse para si mesmo – não há lugar melhor no mundo a não ser o ninho no qual vivemos uns com os outros enfrentando tudo que a vida nos propõe e nos desafia a viver. Não há lugar melhor para se habitar e pertencer do que o lugar que construímos com as próprias mãos. O melhor lugar é o lugar onde posso estar com quem a vida me presenteou. Retirou outra pedra da mala e falou – se eu pudesse, diria para as pessoas aproveitarem em cada novo dia, novo agora, os cantos, os recantos, os detalhes, as minúcias dos lugares onde habitam. Olhassem em volta para perceber em cada minúsculo espaço um pouco de si mesmas, um pouco do que sonham, do que acreditam, do que esperam ...Diria a elas que não deixassem de saborear os risos, as gargalhadas, os toques, os olhares, as falas, os sons e cheiros que circulam em cada recanto dos cantos onde vivem e aos quais podem pertencer. Olharia nos olhos de cada uma e diria para respirarem profundamente a vitalidade emergente do lugar que pode ser o melhor no mundo. Ele ficou na sacada até algumas luzes começarem a ser acesas. Era momento de se organizar para o jantar e rever os passos do dia seguinte.

Capítulo do Livro: Caminhos de Esperança. Valdir Nogueira. OIKOS, 2013. 

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