O mito do bem-sucedido (ou: Afinal, o que é ser bem-sucedido?)
Ultimamente, tem me incomodado com mais frequência e mais intensidade ouvir alguém dizer que "fulano é bem-sucedido". Não se trata de inveja - longe de mim alimentar esse tipo de sentimento pelos outros - mas da forma "intransitiva" como o termo é tratado, isto é, sem complementos, como se a expressão per se já trouxesse um significado completo.
Não posso culpar os meus interlocutores, já que o termo vem, há sei lá quantos anos (provavelmente, desde a queda do sistema feudal), carregando um significado essencialmente materialista, em que o sucesso se resume a "ter" (no sentido materialista mesmo, vale reforçar). Observe: todas as listas de "bem-sucedidos" publicadas na internet ou nos veículos de mídia em geral se resumem a quem tem mais dinheiro, quem tem mais poder, quem tem mais seguidores nas redes sociais... e por aí vai.
Nada contra quem "tem" - cada um faz suas escolhas baseado nos seus objetivos de vida, nos seus desejos, nos seus sonhos. O que cabe analisar é o quanto essas pessoas são de fato bem-sucedidas considerando a "transitividade" do adjetivo (os verbos que me perdoem por emprestar essa característica).
Não foi à toa que, em 1972, o então rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck, com apenas 17 anos (ele assumiu a coroa após a morte do pai), propôs o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB), em contraponto ao Produto Interno Bruto, utilizado em todo o mundo como medida da riqueza de um país. O índice propõe, além do desenvolvimento econômico, indicadores como o bem-estar psicológico da população, a preservação ambiental, o nível de educação, etc. De maneira simplificada, a FIB seria uma medida da qualidade de vida de um povo, contrastando com a economia pura e simples exaltada pelo PIB.
Mas vamos lá, a ideia aqui não é fazer uma análise macroeconômica, política ou sociológica envolvendo esses indicadores, mas propor uma reflexão: qual é a relação real entre "ter" (lembrando, no sentido materialista) e "ser bem-sucedido"? O quanto paramos para pensar nisso de verdade, pelo menos uma vez por dia? Caso essa frequência pareça alta, talvez valha dar um passo para trás na reflexão individual e se perguntar: sou bem-sucedido ou não? Se imediatamente vêm à sua mente pensamentos sobre o tamanho do seu salário ou o cargo que você ocupa, você está no grupo que corrobora a forma intransitiva, mesmo sem querer. Tudo bem, desde que seja isso mesmo que você quer - e desde que não passe por cima de ninguém.
Agora, se ao fazer a pergunta você, assim como eu, se inquieta e se incomoda de alguma forma, provavelmente está levando em conta a forma transitiva e buscando um complemento, mais ou menos como "mas sou bem-sucedido em quê?". Daí podem surgir pensamentos sobre fazer parte de uma família equilibrada, a sorte de um amor tranquilo, ter dinheiro (também faz parte), entre outras coisas.
Posto isso, eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes. O que me incomoda, na verdade, não é a forma intransitiva, mas essa intransitividade pobre perpetuada ao longo das eras, segundo a qual é preciso existir todos os dias para tão somente "produzir". Pois, para mim o "bem-sucedido" intransitivo não é quem "tem", mas aquele que consegue navegar com o que a vida entrega (em todos os campos) sem ter abalada sua felicidade. Bem-sucedido, enfim, é aquele que tem paz de espírito. Um dia eu chego lá.
E para você, o que é ser bem-sucedido?