O Otorrino e o Gap Aero-ósseo
Obviamente o Gap é apenas uma representação em um exame, porque a surdez em si é algo muito maior e profunda que um “Gap aero-ósseo”.
Faz 12 anos. Em janeiro de 2009 eu realizava um estágio como visitante em um serviço de Otorrinolaringologia em São Paulo. Estava no quinto ano de medicina e visitaria por algumas semanas outro hospital, para aprender e vivenciar a especialidade.
Um colega mais velho que já era médico e que estava no segundo ano de residência, falou uma frase simples e corriqueira: “o objetivo é fechar o Gap”. Ele me disse isso dentre tantas outras frases e explicações, quando olhava uma audiometria de um paciente que acabara de ser admitido para cirurgia no dia seguinte. Dentre as burocracias e procedimentos que precisavam ser feitos naquela internação, tudo era rotineiro: checar os exames pré operatórios, limpar o conduto auditivo deixando-o livre de qualquer cerúmen, repetir a audiometria, programar o jejum e etc. O paciente iria realizar uma Estapedotomia,1,2 uma cirurgia feita para tratar a Otosclerose, que é um problema ósseo que acomete o ouvido.
Mesmo sendo filho de otorrino, neto de otorrino e futuro otorrino, aquilo me soou especial. Meu entendimento da audição era muito pequeno. Depois de estudar mais um pouco eu averiguei o que era o “Gap”. Tratava-se do Gap aero-ósseo, que reapresenta a diferença entre a audição aérea e a audição óssea. O normal é que estas sejam coincidentes. Quando não o são, existe Gap. Em resumo: tratava-se da surdez, o Gap era a perda de audição daquele paciente, que o exame de audiometria tornava palpável. Se o Gap fechasse, a audição melhoraria. Obviamente o Gap é apenas uma representação em um exame, porque a surdez em si é algo muito maior e profunda que um “Gap aero-ósseo”.
Eu decidi que seria Otologista nos anos seguintes, não só por esse evento é claro, e muitos outros fatores pesaram. Porém, “fechar o Gap”, ou seja, a chance devolver a audição a alguém foi a faísca, de um propósito imenso e eterno que se acendeu.
Nem sempre o médico otorrino consegue, ou pode, ou nem sempre Deus permite, mas essa é a nossa luta: devolver a audição. Nem sempre é através de uma cirurgia, às vezes é simplesmente através de um antibiótico ou um anti-inflamatório, ou por meio de implantes ou aparelhos auditivos. É comum e diário que possamos melhorar a audição de alguém.
Claro que somos remunerados (bem ou mal) pelos nossos atendimentos e cirurgias, mas existe algo que é de valor supremo e intangível, e isso é a felicidade do paciente e a sua gratidão. “Doutor, estou ouvindo melhor: ouço minha filha falar comigo, ouço música! Fazia anos que eu não ouvia meus passos no chão, ou o barulho da chuva. Agora consigo!”.
Nossa especialidade é árdua, como tantas outras, mas para tornar ela mais bela, basta que tentemos ouvi-la com o coração. Feliz dia da audição!
José Santos Cruz de Andrade
Otologista, Rinologista e Cirurgião da Base de Crânio
Doutor pela Universidade Federal de São Paulo
Médico pela Universidade Federal da Bahia
1. Huber, A. M., Ma, P., Felix, H. & Linder, T. Stapes Prosthesis Attachment: The Effect of Crimping on Sound Transfer in Otosclerosis Surgery. Laryngoscope 113, 853–858 (2003).
2. Huettenbrink, K.-B. et al. A systematic review of the effect of different crimping techniques in stapes surgery for otosclerosis. Laryngoscope 126, 1207–1217 (2016)
Parabéns Zé! 👏👏👏👏
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3 aParabéns pelo seu dia e pelo trabalho responsável e de excelência que vc realiza!