O Pacote Fiscal e a Desconexão entre Governo, Mercado e Sociedade

O Pacote Fiscal e a Desconexão entre Governo, Mercado e Sociedade

Análise da Estratégia do Planalto para o "Pacote" Econômico

A recente tentativa do governo federal de comunicar as medidas do chamado "pacote fiscal" revelou uma série de falhas estratégicas que destacam a desconexão entre as intenções do Planalto, a interpretação do mercado e a percepção da população. A análise está segmentada para explorar as inter-relações entre os temas principais.

1. Dissonância na Comunicação Governamental 

A estratégia de comunicação do 'pacote' expôs inconsistências dentro do próprio governo. O discurso do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfatizou o cumprimento de padrões internacionais e benefícios à classe média, mas foi ofuscado por interpretações divergentes vindas de outras alas governamentais. A ausência de uma mensagem unificada gerou ruído entre os diferentes públicos, incluindo mercado financeiro, sociedade civil e analistas políticos. Essa fragmentação compromete ainda mais a credibilidade do governo, que já atravessa um momento crítico.

·       Desarticulação interna: Dentro do próprio governo, há falta de alinhamento entre os ministérios, especialmente em relação à economia. Isso enfraquece a narrativa oficial e aprofunda a desconfiança tanto entre os aliados quanto na oposição.

·       Falta de clareza com a população: A mensagem não foi traduzida de forma compreensível para a população, que ficou de fora das discussões e sentiu-se alheia às propostas.

·       Impacto nos mercados: A resposta do mercado foi negativa, com aumento da percepção de risco e volatilidade cambial. 

2. Pacote Fiscal: A Proposta e os Desafios 

O pacote anunciado foca em uma contenção de gastos que, na prática, não reduz despesas, mas apenas desacelera seu crescimento. Isso gerou ceticismo entre economistas e investidores quanto à sua eficácia para conter o déficit orçamentário e estabilizar a dívida pública, que já alcança preocupantes 78,6% do PIB. A relação com a inflação e a Selic também é notável: o mercado, ao avaliar as medidas como insuficientes, mantém a expectativa de juros elevados, o que encarece a dívida pública e dificulta a retomada do crescimento.

·       Promessa versus realidade: Embora apresentado como "ajuste fiscal", o pacote reflete mais contenção no crescimento de despesas do que cortes efetivos, comprometendo a credibilidade já debilitada.

·       Relação com dívida e déficit: O déficit primário crescente e a dívida pública em alta colocam o governo em uma posição difícil para cumprir metas de superávit em 2025 e 2026.

·       Inflação e Selic: A condução desordenada aumentou pressões inflacionárias e a necessidade de juros mais altos, prejudicando o crescimento econômico. 

3. A "Isenção do IR" é o "Jabuti no Pé de Abacate" 

A inclusão da isenção para salários de até R$ 5 mil foi vista como uma tentativa de cumprir promessas de campanha, mas gerou questionamentos sobre sua real prioridade no atual contexto fiscal. A elevação da carga tributária para os mais ricos foi minimizada pelo Planalto, com Haddad assegurando que tudo foi feito "sem excessos". No entanto, a população percebeu a medida como um "jabuti no pé de abacate", em desacordo com a realidade fiscal do país.

  • Isenção para salários até R$ 5 mil: Cumpre promessa de campanha e beneficia a classe média, mas gera preocupação fiscal ao reduzir a base de arrecadação.
  • Tributação sobre rendas altas: Apesar de ser uma medida alinhada a padrões internacionais, enfrenta resistência de setores mais ricos, dificultando sua aprovação integral.
  • Falta de equilíbrio: A combinação dessas medidas reforça a percepção de improviso e de cunho eleitoreiro, gerando mais dúvidas e mais desconfiança. 

4. Repercussões no Congresso Nacional 

Paralelamente, a percepção de que o Legislativo está mais independente — e mais alinhado com a direita — reforça a dificuldade do governo em aprovar medidas significativas. Declarações do Congresso indicam a possibilidade de aprofundamento das propostas, mas com ajustes que podem deixar de lado promessas populistas, como a isenção do IR.

·       Reação do Legislativo: A insatisfação com o pacote provocou movimentações no Congresso, que agora discute alternativas para ajustar o orçamento de forma mais significativa.

·       Alinhamento político: A postura mais independente do Legislativo evidencia um cenário político fragmentado, com dificuldades para aprovar reformas estruturais. 

5. Impactos no Cenário Doméstico e Internacional 

O mercado reagiu negativamente ao pacote, refletindo na elevação da curva de juros e na desvalorização do real.

·       Cenário interno: A incerteza fiscal agravada pelo pacote aumentou a pressão sobre o Banco Central, que deve adotar uma política monetária mais contracionista.

·       Cenário externo: A volatilidade global, combinada com eventos como os conflitos no Oriente Médio e a ascensão de Trump, adiciona desafios para a economia brasileira. 

6. Cenário Global Desafiador

A complexidade do ambiente global adiciona camadas ao desafio interno. A desaceleração das economias europeia e chinesa, somada ao retorno de Donald Trump ao poder nos EUA, traz tensões adicionais, como a ameaça de sanções tarifárias contra os BRICS e pressões inflacionárias globais. Este cenário amplia a necessidade de uma política fiscal mais consistente, que dialogue melhor com as expectativas do mercado. 

Conclusão   

A estratégia do Planalto para comunicar o pacote fiscal revelou profundas falhas de articulação interna e externa, prejudicando a credibilidade do governo e aumentando o custo político e econômico das medidas. A expressão “Lé com cré” simboliza bem o atual momento: cada qual está com seu par, mas o governo ficou sem aliados de peso na sociedade ou no mercado.           

Otto Guilherme Gerstenberger Junior

Professor EAD - Pós Graduação na UVA - Universidade Veiga de Almeida | Doutorado em Psicanálise

3 m

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