O paradigma da perfeição: e porque você pode sim falhar

O paradigma da perfeição: e porque você pode sim falhar

Eu não sei se com você é igual, mas nossa rotina corrida e tudo o que nos disseram até agora nos fez acreditar que não existe espaço para dias tristes e improdutivos na vida. Que não pode existir imperfeição.

Talvez, até ler esse artigo você ainda não tenho conseguido enxergar esse assunto desta forma aqui, afinal, durante anos, durante algumas décadas, desde pequeno você cresceu cercado de falas afirmando que você deveria persistir, que tudo daria certo, que ser resiliente era a nova habilidade apreciada no mercado, que seu colega do lado estava prosperando e que você devia ser igual, que não existia tempo para procrastinação e que bastava repetir frases positivas e mantras que tudo começaria a dar certo.

Chega!

Não é bem assim, você pode falhar. Você erra. Durante anos projetou a imagem de uma vida que só existe na sua cabeça quando acreditou que precisava ser perfeito o tempo todo. Respire, você provavelmente pensa ou faz igual a muita gente e vai entender agora que não precisa ser perfeito.

O mito da produtividade

Durante anos, acreditamos que o bom profissional era aquele que estava sempre cheio de tarefas e sem tempo até para responder um e-mail. Você chegava na mesa dele e era impossível que ele desgrudasse os olhos da tela. Você ia pra casa, e lá estava ele quase 19h ainda sentado em sua cadeira e com cara de que iria até tarde ainda. O superior passava perto dele e dava um tapinha nas costas, aquele ali sim era sinônimo de gente esforçada, que vestia a camisa da empresa. O quase inacessível, tão importante, o que carregava a empresa nas costas. O requisitado, mil e-mails, o sem vida pessoal.

Mas o que não te contaram que algumas vezes isso era puro teatro e improdutividade. Era também falta de delegar, de planejar, de saber se organizar. O que parecia ser alguém tão atarefado era na verdade alguém que estava imerso em várias abas e desfocado, porque enquanto fingia fazer tudo aquilo não deixava de circular pela empresa e estava sempre envolvido em rodinhas para frisar o quanto era parte do negócio.

O mito de que todo mundo produz 8h por dia, que bunda na cadeira é sinônimo de trabalho, que não ter os olhos do dono vigiando é receita para o trabalho não sair, a crença de que home-office é acreditar demais em alguém e que o certo é ele ir todos os dias para um escritório depois de 2 horas de trânsito. Ai sim ele é produtivo.

A crença de que ninguém procrastina

Sinto informar que se você nunca procrastinou, talvez você não seja um humano. Pois é, é da natureza do seu cérebro ter uma certa preguiça. O poder do hábito faz nosso cérebro poupar energia e assim preferimos fazer o mesmo trajeto todos os dias. Mas a verdade, é que ninguém é 100% focado.

A verdade é que as boas ideias nem sempre surgem quando se está olhando para a tela do computador e preso em um escritório. Elas podem surgir enquanto você toma banho e pensa na vida, às nove da noite. Mas de tanto te dizerem que você só podia ser criativo e produtivo das 8h às 18h, você acreditou e deixou aquela boa ideia do banho ir embora, "porque empresa nenhuma merecia suas boas ideias enquanto você vivia sua vida pessoal".

O robozinho que criaram como modelo para você

Pessoas se atrasam, pessoas se sentem mal e nem sempre tem um atestado médico para justificar, pessoas tem filhos que ficam doentes ou que passaram a noite chorando ou com pesadelo, mulheres tem TPM e do nada se sentem péssimas, tristes e inchadas, seres humanos de forma geral tem problemas de relacionamento, terminam namoros e casamentos, se preocupam com seus pais idosos sozinhos em casa. Celulares tocam, mensagens chegam. Mas te fizeram se encaixar no modelo que durante sua rotina de trabalho você não pode ser nada além que um trabalhador cem por cento focado, um robô.

Criaram um modelo que nos faz trabalhar, em geral, de 5 a 6 vezes por semana. Um formato que só valoriza o outro e coloca sua vida debaixo do tapete: sobra pra você duas horas pra fazer algo que não seja trabalhar, porque algumas outras foram usadas organizando casa, lavando louça ou roupa, dirigindo e resolvendo burocracias.

Durante anos você ligou o automático e criou um looping infinito, que só vai terminar quando você se aposentar e tiver perdido o pique, o que te impedirá de fazer as viagens que você queria, por exemplo. Pode estar um dia chuvoso e frio, você pode ter ido dormir as 3h da manhã porque o filho do vizinho berrou a noite inteira e você pode ter amanhecido sentindo que um caminhão passou em cima de você. Pois é, tudo isso acontece com seres humanos normais, mas a gente aprendeu a desconsiderar tudo isso, porque o certo, o valorizado, é tudo estar sempre bem. Como acontece na vida de um robô.

A habilidade do século: resiliência

Introduziram uma nova palavra que virou moda nos dicionários corporativos: a resiliência. O sinônimo de gente realmente competente e preparada. Aquele que não importa o que aconteça, o xingo que ele leve, as 55 mil refações que ele precise fazer, os sapos que ele precise engolir, ele será resiliente e não vai precisar chorar no banheiro. Ele é tão bom que ele se auto-reconstroi em alguns segundos. Ele é o super-resiliente.

Uma grande mentira, porque lá no fundo a gente sabe que você está odiando tudo isso e não pode dizer nada. Te fizeram dizer sim pra tudo, sorrir pra tudo, fazer o trabalho dos outros e acreditar que ser desrespeitado por seu superior é normal. Enfiaram no seu cérebro que dizer não sempre é um problema, mesmo que você esteja falando a verdade, mesmo que realmente aquele trabalho não possa ser entregue naquele prazo. Você aprendeu a dizer sempre sim e quanto mais sim você diz, mais pedidos por novos sim você atrai.

As reuniões que todo mundo adoraria não participar

Acostumaram você que a única maneira de parecer profissional e das coisas caminharem era apenas enchendo uma sala com bastante gente. Preferencialmente convidadas pelo Outlook, muitas delas desnecessárias para o assunto, mas que não podiam não ser convidadas. Reunião demorada com PowerPoint cheio de texto, pode. Mas não pode ficar levantando do lugar, amigo, pra ir conversar com o colega do lado. Pode no máximo falar pelo comunicador, porque ai ninguém está vendo que na verdade você não está sentado fingindo ser focado e produtivo, né? Preferiram complicar tudo, prefeririam encher sua caixa postal de emails com mensagens que poderiam ter sido ditas pessoalmente, sem precisar de uma reunião, em pé mesmo, envolvendo apenas os necessários e sem encher linguiça. E acreditamos nisso tudo.

O sujeitinho que todo mundo ama - odiar

Quem é que nunca conheceu um sujeitinho que todo mundo suporta e conversa, mas que sem precisar trocar nenhuma palavra e apenas pelas trocas de olhares de menos de um segundo todo mundo acha a mesma coisa? É aquela pessoinha chata, negativa, que discorda de tudo, que a gente faz de tudo pra parecer que está tudo bem, mas que lá no fundo ninguém aprecia. Fique tranquilo, você não é o único. Sim, os olhares que você troca com algumas pessoas dizem aquele que você pensou que dizia mesmo. As empresas do Brasil estão repletas deles, infelizmente.

O cara casado que dá em cima de todo mundo 

Aqui o mais interessante é que ele tem a certeza de que as mulheres não se falam. Ele dá em cima de várias no mesmo ambiente e está convicto de que cada uma delas pensa que é a única e a especial. Mas a verdade é que magicamente existe um código secreto entre as mulheres e quase sem precisar dizer nada elas são capazes de dizer uma pras outras que naquele mato tem cachorro, e que a mulher dele nem imagina quem ele é no dia a dia.

O livro da foto que você não leu inteiro

Pode confessar, você saiu na foto ostentando o novo livro que comprou. De fato, você estava com ele. Abriu, começou a ler. Disse pra si mesmo que leria tudo naquela noite mesmo. Acabou parando na página oito e nunca mais o pegou de novo. Tudo bem, a gente sabe que acontece e que a rotina nos engole. Mas que diacho de imã é esse que nos atrai aos livros, nos faz comprar quilos deles e nos deixa felizes por saber que eles estão ali, à nossa disposição para serem lidos algum dia? Claro, não vamos generalizar. Muitos deles a gente leu sim, inteiro ou escaneando. Não se sinta mal, tudo bem? Você pode "falhar" sim e deixar pra ler depois. Mas um planejamento mínimo é bem-vindo, senão os livros só ficarão na estante.

A fala do seu chefe que ficou atravessada

E ai o seu chefe te chamou e foi rude, deu alguma bronca, pediu algo sem noção. Você engoliu seco e afirmou pra si mesmo e pra plateia que estava tudo certo. Era tão resiliente que o minuto seguinte nem lembrava mais, né? Sei. Vamos lá, pode confessar. Você odiou ouvir aquilo, você discordou de bastante coisa, você vai dar um jeito de fazer aquilo ao seu modo pra provar que existem formas mais eficientes e menos complexas. E sim, você chegou a ter raiva, pensou em ir embora e xingou ele internamente. Tudo bem, você está perdoado, você não é o único.

O cliente difícil de lidar

A era do customer success valoriza ao máximo o cliente. Mas apesar de querermos atender bem e com excelência, às vezes nos deparamos com situações difíceis. Um conselho: você precisa colocar limites. Contratos precisam ser respeitados, refações não podem ser infinitas e não é porque alguém está pagando por um serviço ou produto que pode humilhar você. 

Um mundo corporativo sem fofocas

No lugar que você trabalha não tem fofoca? Tem certeza? Olha, na verdade quem está por fora é você. Pode ter certeza que elas rolam. De repente até já falaram algo sobre você que não era verdade. Mas esta é a verdade, elas existem em todos os lugares. E existe muita gente que passa a vida jogando um jogo, se equilibrando no muro da neutralidade, fingindo que te adora e depois te expondo, te dedurando. É a triste realidade.

Não conte mais do que você precisa contar. Não gere provas contra você. E separe sim vida pessoal e rede social de gente do trabalho. Ah, quer mais um conselho dos bons? Olha lá quem você vai chamar pro seu casamento, tá? Eu quase me casei na época em que trabalhei em um certo lugar e pretendia convidar quase todo mundo. Alguns anos depois eu respiro aliviada por não ter feito isso, imagine só a quantidade de gente que hoje não posso ver nem pintada de ouro que estaria nas minhas fotos?

As frases motivadoras que não ajudam em nada

As redes sociais estão repletas delas. Muitas foram tiradas de um contexto, outras foram atribuídas a quem não as disse. Interpretações personalizadas e ao favor de alguém também aconteceram. E infelizmente, em várias situações elas não passaram de frases, que ficaram ali guardadas no Facebook. Porque não foram capazes de fazê-las serem verdade. Tudo bem, a gente entende. Dá uma animada né? 

O chocolate que você comeu escondido na hora errada

Você está antecipadamente desculpado. É, eu sei que a vida adulta traz algumas responsabilidades, mas existe coisa melhor que poder comer um chocolate antes do almoço? Só um adulto pode tomar essa decisão. E a gente sabe também que nem sempre dá tempo de ir pra academia, ou que as vezes você vai só pra papear com alguém ou fazer umas fotos. Normal. Assim como a promessa que ficou de lado ao ligar o soneca do despertador tipo, umas  8 vezes, até levantar bem atrasado para o compromisso e deixar mais uma vez aquela meta de lado.

O nome bonito do cargo que não era verdade

Se tem algo que descobri no mundo Linkediniano é que é possível afirmar ter o cargo que você quiser. E o nome dele pode ser incrível, invejável, composto por várias palavras e digno de aulas de interpretação para se fazer entender. No fundo é só um carguinho normal, mas a possibilidade de parecer mais importante pra si mesmo, independentemente se sua real função e contribuição (que deveriam valer mais que títulos) foi tentadora. Tudo bem, a gente entende também. Mas sem exageros, hein, rapaz?

A afirmação falsa de que você adora trabalhar em equipe

Trabalho em equipe? Amo! Ok, ok.. já pode respirar. Sabemos que nem sempre é verdade. De repente você foi aquele aluno que desde cedo aprendeu que grupos escolares serviam apenas para que um fizesse o trabalho e todos os outros procrastinassem e levassem o crédito. Talvez você tenha trazido essa solitude para a vida de agora. É uma bela habilidade sim e cada vez mais requerida, mas vamos revelar mais esta verdade: nem sempre sabemos trabalhar em equipe, nem sempre as pessoas colaboram, nem sempre é fácil. É um desafio constante.

As respostinhas que você deu na entrevista

Proativo, empenhado, exigente, dedicado, comprometido que veste a camisa. E o inglês é fluente. Pois é, as respostas se tornaram todas iguais, e os currículos também. Que tal personalizar as informações para aquele cenário? Que tal buscar respostas diferentes e fugir do comum? Que tal afirmar saber apenas o que você sabe mesmo?

O filho do seu colega que destrói a sua casa toda

Você recebe visitas em casa e eles tem crianças. Mas uma regra invisível criada não sei por quem diz que por mais encapetada que uma delas seja, você deve apenas sorrir e dizer "deixa ele". Tudo bem se ela destruir sua mesa de espelho. Tudo bem se ela abrir todas as suas gavetas. Tudo bem se os pais dela apenas rirem das gracinhas e não fizeram nada enquanto elas riscam seu sofá e suas paredes com caneta Bic. Fizeram você acreditar que você precisa aceitar tudo, senão você é um cara chato. 

As roupas velhas que você usa em casa

Pois é, a maioria de nós adora chegar em casa e botar uma roupa bem velhinha, né? A que alguns chamam de "roupa de mendigo". Sim, você não é o único. Mas a gente aprendeu que ninguém pode saber disso e se chegar alguém vamos correndo mudar de roupa. 

Viu só como somos imperfeitos o tempo todo mas tentamos camuflar tudo isso? Nos pregam perfeição, mas eles próprios são imperfeitos. E não existe problema nenhum nisso. Buscamos sim a excelência, mas se não pararmos para refletir vamos sempre achar que a grama do vizinho é mais verde e nos cobraremos até ficarmos doentes.

Para deixar de buscar e valorizar apenas a perfeição, alguns conselhos:

  1. Mude sua perspectiva. Reestruture a forma como você lida com suas tarefas e projetos. Muitas vezes colocamos um peso enorme neles como se fossem ser eternos. Mas a vida de hoje é muito dinâmica, permita-se mudar rumos também. Adapte-se, transforme. 
  2. Estreite seu foco. O bom é inimigo do ótimo.Concentre-se no que importa agora e aprenda a dizer não. Conclua algo primeiro para depois começar outra coisa. Quando você inicia muita coisa ao mesmo tempo perde muito tempo e qualidade pela falta de foco. A verdade é o bom é melhor do que o melhor, o feito é melhor que o perfeito. Não tente fazer demais, não se cobre tanto.
  3. Perfeição é diferente de excelência. Perfeição não leva em consideração o custo, o tempo, ou o significado de alguma coisa.É apenas uma irreal meta inatingível ilusória. 

     

Para de se perguntar se está perfeito ou de querer parecer perfeito e comece a se perguntar se o que você fez contribuiu com a vida de alguém de alguma forma.

Em resumo, quero escancarar aqui diversas ações cotidianas que insistimos em sustentar buscando sempre as aparências, a perfeição. Por vivermos em sociedade precisamos sim respeitar alguns limites e regras, muitas das quais aceitamos cumprir. E elas precisam existir, de algum modo, para que o todo não vire uma grande bagunça. Cabe a nós não nos cobrarmos tanto e pararmos de acreditar que só a gente é imperfeito. Como seres humanos, todos somos.

Sobre a foto do artigo:

*Kintsugi é uma técnica japonesa de restauração de cerâmica. Tudo começou com o shogun Ashikaga Yoshimasa que enviou para a China, para que lá fosse consertada, uma peça de cerâmica que havia se quebrado. Mas, quando a peça retornou a reparo era tão feio que ele pediu que artesãos japoneses refizessem tal restauração. Foi então que os artesãos, imbuídos do espírito zen budista de mushin, desapego e aceitação, consertaram a peça utilizando uma mistura de laca e pó de ouro.

Na cultura japonesa, as peças que recebem esta reparação comumente são mais valorizadas que as que estão intactas. Isso por que sua estética trabalha mais com questões como a transitoriedade e a impermanência do que com a beleza propriamente dita.

Ao invés de se envergonhar pelas “feridas” expostas, eles as embelezam para que sejam uma celebração constante da vida cotidiana. Dos pequenos e grandes erros que cometemos e da possibilidade que temos de aprender com isso.

Ao contrário de nós que queremos sempre que as coisas voltem a ser como novas, eles querem mostrar que parte do nosso legado é aquilo que tentamos esconder com mais determinação: as nossas falhas e defeitos.

 

Flavia Gamonar
Professora Mestra em Mídia e Tecnologia pela Unesp de Bauru atuando como professora universitária e gerente de marketing. Especialista em marketing de conteúdo e pesquisadora apaixonada sobre tendências digitais, marketing, mídias sociais, inovação e empreendedorismo.
Ministra cursos, palestras e consultorias.

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Lorena Milo

Coordenadora de Marketing | Especialista em Marketing Digital | Especialista em Growth | LATAM

8 a

Ótimo artigo! Muito verdadeira e humano. Obrigada!

Juliana Souza

Assistente Administrativa | Assistente Financeira | Atendimento ao Cliente

8 a

Sensacional, excelentes apontamentos!

Daiane Borges

Contadora Tributária | Consultora Tributaria na BRJ Business & Tax | Gestão de Incentivos Fiscais |

8 a
Stefani Pontes

Contadora na Randoncorp | Contabilidade

8 a

Excelente artigo.

Matheus Nunes

Especialista em Custos e Orçamento | Controladoria | Financeiro

8 a

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