O perfeccionismo disfarçado de produtividade
O perfeccionismo é uma armadilha perfeita. Em todos os sentidos.
Hesitei muito sobre se escrever este artigo ou não. Porque este é um tema que é também uma das minhas maiores fragilidades. E ninguém se sente confortável ao se expor sobre assuntos que são delicados para si mesmo.
Mas decidi ir em frente e escrever sobre isto:
Quem segue as minhas publicações aqui no LinkedIn sabe que esta semana tenho estado a refletir sobre produtividade. Por isso, sabendo como o perfeccionismo trabalha na nossa mente, para mim era impossível não relacioná-lo com a produtividade.
Como um simples post desta vez não tinha espaço suficiente para uma reflexão mais profunda. Eis-me aqui a dar rédea solta às palavras, esperando que este esforço tenha algum valor para pensarmos juntos sobre como dar a volta a isto do perfeccionismo.
Um monstro silencioso que consome a nossa existência
Depois de anos a pensar que ser perfeccionista era algo positivo, hoje, usando palavras simples, eu defino o perfeccionismo assim:
É um monstro silencioso que consome a nossa existência.
Apercebi-me disso quando tinha mais ou menos 32 anos. Quando, com um pouco mais de maturidade, me apercebi que o perfeccionismo era um comportamento que me estava a impedir de crescer e avançar na Vida (no trabalho e não só).
É que na nossa mente, o perfeccionismo é um lobo disfraçado de ovelha: parece uma qualidade. Temos dificuldade em vê-lo como uma fragilidade, que às vezes roça o limite da nossa saúde mental. E que acaba por nos prejudicar.
Eu não via nada de mal no perfeccionismo: era um esforço para fazer o melhor possível, para observar e colher as melhores oportunidades possíveis, para se esforçar por obter os melhores resultados possíveis.
Notaste o quanto parece bom? E...Também notaste o quanto está fora da realidade?
Pois... A. Perfeição. Não. Existe.
É uma ilusão. Que faz com que nada seja bom o suficiente. Faz com que nada esteja pronto para ser concretizado. Faz com que nada seja compatível com as nossas necessidades.
Com o perfeccionismo não se vive. Sobrevive-se. Escondidos atrás do biombo das nossas ideias irrealizadas. Isolados até das pessoas que mais gostamos.
E então, iludida com a busca da perfeição...Hoje, olhando para trás, eu sei: perdi muitas oportunidades que podiam ter sido boas. Adiei o que não precisava de ser adiado. Não vivi mais cedo pequenas vitórias do dia-a-dia, que hoje me alegram os dias.
É por isto que te digo que o perfeccionismo é um monstro silencioso que consome a nossa existência. Devagarinho. Muitas vezes sem nos apercebermos. Disfarçado de boas intenções.
Ele nada mais é que um tipo de fobia. É o medo excessivo de falhar. E é uma forma de auto-proteção.
O motivo de termos esse medo pode ter várias causas e derivar de diferentes situações. Mas normalmente está relacionado com momentos vividos, em que algo nos fez pensar que só a perfeição servia para nos ajudar a ultrapassar determinada dificuldade. Ou que não era aceite nada que fosse abaixo desse nível.
O perfeccionismo disfarçado de produtividade
E chegamos ao tema da produtividade.
Muitos de nós temos orgulho em dizer que somos perfeccionistas no nosso trabalho. Esta caraterística é, muitas vezes, associada a fazer um trabalho de qualidade e acima da média.
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Olhamos para pessoas como o Steve Jobs ou o Cristiano Ronaldo e admiramos o seu trabalho. E ignoramos as desvantagens que a mania do perfeccionismo lhes traz.
No mundo do trabalho, o perfeccionista tem a ilusão que está a ser mais produtivo.
E não percebe que o perfeccionismo, na verdade, está a destruir a sua produtividade:
No trabalho, o perfeccionismo é ao mesmo tempo, a procura excessiva pela excelência e uma tentativa constante de fugir do fracasso. Não tem nada a ver com produtividade.
Então...Como sair disso?
Estratégias para lidar com o perfeccionismo
Não sou psicóloga. Nem nunca fui a um psicólogo até ao momento.
Também não sei se existe cura para o perfeccionismo. Há anos que luto para sair dele.
Umas vezes saio vencedora e corrijo um hábito ou estrutura de pensamento antiga e que, entretanto, deixou de funcionar a meu favor. Outras vezes, tenho uma recaída e volto momentaneamente ao bloqueio do perfeccionismo e da procrastinação.
Mesmo assim, o que sei é que o perfeccionismo é um comportamento a devo estar estar muito atenta. Sempre.
E há algumas coisas que descobri que me ajudam a lidar melhor com esta minha tendência:
1) Compreender o que é, na verdade, o perfeccionismo.
Nas minhas pesquisas, aprendi que o perfeccionismo não é fazer melhor um trabalho. Não é o melhor caminho para a procura pela excelência e pela qualidade. Não é o resultado perfeito. E não é uma tentativa de melhorar.
Como deriva de um medo e do sentimento de auto-proteção. Ele acaba por ser um sistema de crenças auto-destrutivo. Porque nos isola e nos deixa constantemente ansiosos.
2) Aprender a conhecer-se a si mesmos é importante.
Ter mais atenção às minhas reações e ao meu sistema de crenças e à forma como raciocino foi um passo importante para me conhecer melhor. Não é fácil começar, em especial quando se tem uma personalidade de quem não consegue “estar parado”, como eu.
Mas quando se consegue, os benefícios são enormes. Foi assim que comecei a aperceber-me dos meus “gatilhos”, tendências e fragilidades. E foi assim que comecei a construir as minhas estratégias para melhorar. Também numa perspetiva de prevenir antes de acontecer.
Hoje já consigo aperceber-me sozinha (a maior parte das vezes) quando estou a escorregar pela estrada do perfeccionismo. E isso ajudou-me a equilibrar as coisas e a usar essa tendência só um casos excecionais, quando traz benefícios para todos os envolvidos no que estou a fazer.
3) Focar a atenção no acto de agir é uma mais-valia.
Em vez de pensar em perfeições, é relaxar e deixar-se ir ao ritmo da Vida e dos projetos em que estamos envolvidos a cada momento.
Mudar o foco da perfeição para a ação é uma forma de desbloquear e avançar, saindo da procrastinação.
O foco deve ser em concluir projetos, em entregar resultados e em passar o tempo a agir. Por outro lado, o tempo livre deve ser usado para descansar e fazer atividades que reduzem o stress, a ansiedade e previnem o esgotamento físico e mental.
Para mim, foi difícil habituar-me a um novo ritmo em que não tinha que estar o tempo todo ocupada a trabalhar. Isso significou baixar as expectativas sobre mim mesma e aprender a quebrar padrões que, para mim, antes eram inflexíveis.
Mais foi algo que tive mesmo que fazer, em especial quando decidi começar uma atividade como freelancer. Foi quando percebi que não sou uma máquina. E que se não abrandasse e equilibrasse as coisas, ia estar sempre doente (e ter que interromper constantemente o trabalho).
Ganhei em saúde e hoje sinto-me muito mais competente e, para minha surpresa, consigo entregar trabalhos e resultados de maior qualidade, cumprindo todos os prazos, sem abdicar da minha saúde física, mental ou emocional.
Também me sinto mais serena e criativa.
Com o perfeccionismo, no início desta fase da minha vida, eu não estava a colher nenhum dos benefícios do trabalho como freelancer.
Seja como for, o importante é raciocinar e quebrar o storytelling do perfeccionismo que a nossa mente está habituada a contar-nos. E perceber que este comportamento tem mais desvantagens que vantagens.