O Peso do Pensar
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O Peso do Pensar

Pensar cansa. Parece bobagem quando comparamos com o cansaço decorrente do exercício físico, mas é verdade, o ato de raciocinar por vezes é exaustivo. Principalmente quando se está a pesquisar para um doutorado.

Sempre me disseram que o doutorado seria a atividade mais difícil que eu faria na minha vida. Claro que é um exagero, mas eu entendo a expressão, e as lágrimas derramadas anualmente por centenas de doutorandos mundo afora. Creio que a dificuldade vem do ato de pensar continuamente, várias horas por dia e sobre assuntos que não são colocados em conversas coloquiais.

Enquanto doutoranda, não achei o primeiro ano cansativo, apesar das constantes viagens, e praticamente me tornar uma cidadã portuguesa. Viajar é o que mais gosto de fazer, e voltar ao ambiente escolar, onde mergulhei em matérias como pesquisa qualitativa, estatística, e metodologia foi interessantíssimo. Tive contato com o ambiente acadêmico e me descobri uma pesquisadora de coração. Encontrei um caminho adorável, portanto, passar meses estudando a pesquisa por si mesma foi bom, e leve. Esse primeiro ano passou voando, literalmente.

Mas eis que chegou o grande momento de iniciar a pesquisa de campo. Bem que me avisaram que pesquisa qualitativa é muito mais trabalhoso, como um artesanato delicado e intricado. Como escolhi o estudo de caso, foi óbvio decidir por realizar entrevistas. Foi exatamente neste momento que descobri o quão exaustivo seria.

Fazer uma entrevista em qualquer forma é difícil. Existem regras, e não estamos pra papear ou jogar conversa fora. Realizar uma entrevista é nunca esquecer da sua questão de pesquisa, é garimpar temas e detalhes ocultos em cada palavra proferida. É não julgar ou se posicionar, mesmo quando o entrevistado chora ou apresenta emoções que não sabemos explicar. E o mais importante, é descobrir algo novo, em meio a milhares de artigos e teorias que são representadas pelas perguntas que fazemos.

Chegar a essas perguntas é uma arte, exige um mergulho profundo na teoria, e ao mesmo tempo mantendo uma abertura para o que o entrevistado pode trazer de novo, o que não prevemos, algo precioso, que nos fará voltar e revisar todo o processo.

A entrevista começa antes do encontro, relembrando a teoria, e outras conversas, e continua depois, ao transcrever e rever e reler e analisar o diálogo. Com o seguimento das entrevistas, o que temos é uma montanha de informação, que precisa ser primeiro peneirada, depois lapidada ate ganhar a forma de uma teoria nova.

Cada pensamento tem a forma de uma espada, que corta fundo nossa mente, e nos leva a ficar como que desvairados, falando sobre assuntos que só interessam a nós e nossos orientadores, para todos os conhecidos e familiares. Somos dominados pelos nossos pensamentos.

Somente quando exaustos, e com olhos e ouvidos saturados é que começamos a ter um vislumbre de algo que vai transformar nossas vidas. O pensar, mesmo que altamente dirigido a um só assunto, aumenta nossa percepção sobre o outro, nossa habilidade e escuta e resposta, nossos insights sobre a vida. A cada entrevista saio diferente.

Pensar cansa. Mesmo. Mas é lindo, e não trocaria por nada desse mundo. A pesquisadora que aprendeu a usar um gravador no ano passado, hoje é um ser humano mais inteiro, e ao mesmo tempo partilhado com a humanidade.

SCS

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