O PODER DE CURA DAS HISTÓRIAS
Quem trabalha com contação de histórias sabe bem do poder terapêutico que as histórias têm e o quanto elas podem nos proporcionar uma melhor compreensão da vida. Elas nos ajudam na descoberta do sentido do mundo que nos cerca e também no processo de mais aceitação diante das adversidades.
Uma vez uma terapeuta dividiu comigo um conto Sufi (conto folclórico de origem árabe). O conto causou em mim um impacto inegável e toda vez que a vida teima em se mostrar mais "espessa", lembro-me dessa história e daí encontro força para seguir. A história fala por si e eu gostaria de compartilhá-la com vocês.
LUCUN A LA PISTACHE
"Conta a lenda que, na antiga Pérsia, vivia um poderoso Rei, dono de um reino rico e cheio de palácios, jardins maravilhosos e riachos muito belos. O Rei era um homem muito justo e bom, tinha como conselheiro e amigo o Grão Vizir. A relação dos dois era fraterna e de pura confiança e não havia nada que o Rei fizesse sem consultar o Grão Vizir.
O Rei sabia compensar bem os conselhos que recebia do amigo e o Grão Vizir ficou muito rico e próspero, mas não menos fiel, justo e sábio. Tanta confiança e amizade acabou por despertar a inveja dos outros conselheiros do Rei que se sentiam desconsiderados. Não faltaram tentativas de abalar a amizade que o Rei nutria pelo Grão Vizir fosse por intrigas, boatos e calúnias, mas nada abalava aquela relação.
Certo dia, o vizir foi até as termas públicas se banhar e, de repente, seu anel de pedras e ouro, símbolo de sua riqueza, caiu de seu dedo. Contra todas as possbilidades, o anel, que era bem pesado, surgiu boiando na água. O vizir, sábio, pensou um pouco, meditou e depois chamou seu fiel serviçal.
O vizir pediu ao servo que imediatamente levasse sua esposa e filha, junto dos pertences mais caros, para junto de seus familiares em outra cidade e lá aguardassem instruções. A esposa do vizir, confiando nele, sofreu a dor da despedida, mas não questionou e o servo levou a família dali.
Sete dias se passaram sem que nada acontecesse. Mas no sétimo dia, o rei entrou no gabinete do vizir esbravejando, magoadíssimo, acusou o amigo de traição, garantiu que ele sofreria seu castigo e o vizir foi preso na masmorra sem qualquer explicação.
O Vizir foi jogado numa cela fria e úmida. Os dias foram se passando, os meses, os anos.... e o vizir começou a pensar que morreria ali sem poder ver o sol e sua família tão amada. Até da amizade do Rei, que se mostrou tão ingrato, ele sentia falta. Com o passar do tempo, quase delirando diante das paredes verdes de musgo, o vizir passou a desejar como um último pedido provar novamente seu doce preferido: Lucun a la pistache.
O doce esverdeado, feito com a semente de pistache, e recoberto com o mais fino açúcar encontrado no oriente, era o símbolo de seus anos de prosperidade e o vizir passou a implorar ao carcereiro, dia após dia, que realizasse seu último desejo.
Um dia, o carcereiro resolveu lhe dar um pedaço de Lucun, o que deixou o vizir maravilhado. Por pura maldade, o carcereiro jogou o doce no chão sujo da cela fria e, como se não bastasse, uma ratazana saiu de seu esconderijo e passou por cima do doce com suas patas imundas.
Os olhos do Vizir ficaram cheios d’água e seu corpo ficou por um bom tempo ali, calado, paralisado, pensativo. Por fim, mandou chamar seu fiel servo e pediu-o que trouxesse sua família de volta à cidade, preparasse sua casa e aguardasse novas instruções.
Mais sete dias se passaram até que a porta da cela se abriu e o próprio Rei adentrou aquele lugar horrível. Ele tinha o rosto perturbado e se pôs humildemente de joelhos a pedir perdão. Explicou que foi levado a crer que seria vítima de uma conspiração do vizir para tomar seu reino. Somente há pouco dias toda a intriga fora desfeita e o Rei sentia-se mortificado com a injustiça que cometera. O vizir foi comunicado que voltaria às suas funções imediatamente e reaveria sua riqueza.
O Vizir aceitou o pedido de perdão do Rei. Houve uma grande festa para comemorar o evento, e o vizir fez questão de celebrar junto de sua família, colocando numa enorme mesa diversos tipos de Lucun a la Pistache.
No meio da festa, um grande amigo do vizir chamou-o num canto e pediu explicações sobre sua conduta. Como o vizir previu tanto a desgraça quanto as bençãos que ocorreram em sua vida? Ele olhou para o amigo e explicou que, ao ver o pesado anel boiando na água, pensou em sua vida magnífica e que estando no topo, não tendo mais o que almejar, pressentiu que algo ruim poderia vir.
Depois de ficar naquela cela por anos, privado de tudo, tendo apenas como único maior desejo comer um doce e não poder realizá-lo, percebeu que não poderia descer mais fundo, já estava reduzido a nada, então não teve dúvida de que algo mudaria em sua vida e tudo iria melhorar."
Parece que ao ter sensibilidade e perceber as transformações próprias do curso da vida, podemos nos antecipar e nos preparar para o que está por vir.
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