O povo fora da equação do legislativo

“Como é essencial à liberdade que o governo em geral tenha um interesse comum com o povo, também é particularmente essencial que o ramo sob análise tenha imediata dependência, e íntima empatia, com o povo. Eleições frequentes são, inquestionavelmente, a única prática que pode assegurar essa dependência e empatia.”

James Madison  escreveu isso há mais de 200 anos em um dos artigos que formariam The Federalist Papers – uma das mais importantes obras já escritas sobre princípios de governo. Nesse artigo, em particular (o de número 52), Madison analisava o equivalente à nossa Câmara dos Deputados.

Preocupava a força que o legislativo teria na república. Capaz de criar leis às quais toda a nação estaria submetida, o legislativo precisaria de freios. E o principal desses freios seria o crivo da população – os representantes eleitos do povo deveriam passar por novas eleições periodicamente.

Entristece muito ver que hoje o desempenho no cargo, mirando as próximas eleições, já não seja a maior preocupação de um deputado ou senador. O que aconteceu na sessão da Câmara dos Deputados na madrugada de 29 para 30 de novembro, e na sessão do Senado de 1 de dezembro, mostram com claramente o legislativo trabalhando para o legislativo – ponto.

A maneira como os deputados federais dilaceraram o projeto das 10 medidas contra a corrupção foi uma crueldade (danem-se os 2,4 milhões de cidadãos que a endossaram, eu inclusive). A tentativa do presidente do Senado de correr para criar uma lei que o tranquilizasse um pouco diante da dúzia de inquéritos em que é investigado é asqueirosa.

Hoje a preocupação número um de muitos deputados e senadores é simplesmente não ser preso. Não é perder a próxima eleição, é perder tudo – a liberdade, o cargo, até o dinheiro roubado. Usam máscaras nas entrevistas, mas as máscaras já não colam. Até elas devem estar com vergonha e já não convencem.

Muito frustrado, pensei em deixar o país. O povo está fora da equação de muitos deputados e senadores, mas parece que alguns ainda tem medo da opinião popular e bloquearam a tentativa de dar urgência à tramitação do projeto no Senado.

E felizmente ainda temos os processos em andamento e muita vitória concreta contra a corrupção para mostrar. A Lava Jato é um começo, um grande começo, mas é tanta lama para limpar que vai ser um começo longo. Espero que os membros da força tarefa não renunciem. Iríamos do começo direto para o fim.

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