O Processo de Lavagem de Dinheiro: Técnicas, Etapas e Consequências Jurídicas no Contexto Econômico-Criminal
A lavagem de dinheiro é um crime econômico sofisticado, cuja essência reside em disfarçar a origem ilícita de ativos, tornando-os aparentemente legais. Esse processo é particularmente complexo e passa por várias etapas meticulosas que envolvem a movimentação de valores de forma estratégica, visando ocultar sua procedência criminosa. Em muitos casos, esse processo envolve o uso de “laranjas”, que são indivíduos ou empresas utilizados para mascarar a verdadeira titularidade dos valores. Vou aprimorar e aprofundar a explicação, abordando com mais detalhes as questões técnicas, suas nuances jurídicas e operacionais, como você faria em sua prática criminalista.
Exemplo Típico de Lavagem de Dinheiro
Vamos considerar um exemplo clássico que ilustra o mecanismo da lavagem de dinheiro no contexto de corrupção e superfaturamento de obras públicas. Uma empreiteira, interessada em obter mais contratos públicos, se associa a um político. Em conluio, estabelecem um esquema de superfaturamento: a obra, originalmente orçada em R$ 200.000,00, é formalmente aumentada para R$ 300.000,00. A diferença de R$ 100.000,00 seria entregue ao político como propina.
Esse montante, contudo, não pode ser transferido diretamente para o político, pois transações financeiras de grande vulto são facilmente rastreáveis pelo sistema bancário e órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Portanto, o dinheiro precisa ser “lavado”, ou seja, ocultado e reinserido na economia formal através de um processo deliberado e complexo.
Técnicas Comuns de Ocultação
Entre as técnicas mais comuns para ocultar o montante ilícito estão:
1. Doações de campanha: Disfarçar o montante como doação oficial a campanhas eleitorais, permitindo ao político recebê-lo “legalmente” sem levantar suspeitas imediatas.
2. Doação de bens (automóveis ou imóveis): Transferir o dinheiro por meio da aquisição de bens, como carros ou imóveis, que posteriormente são “doados” ao político ou a terceiros, mascarando a origem do valor.
3. Consultorias e palestras falsas: Empresas de fachada são criadas para justificar transferências de valores sob o pretexto de serviços de consultoria ou palestras fictícias, que nunca foram prestados de fato.
4. Paraísos fiscais e offshores: O uso de contas em paraísos fiscais ou offshores para mover grandes somas de dinheiro sem supervisão regulatória rígida, o que dificulta a rastreabilidade dos ativos.
5. Empresas de fachada: Criar ou utilizar empresas sem atividades reais, controladas por “laranjas”, onde os valores ilícitos são canalizados e posteriormente reinseridos na economia.
Essas técnicas de ocultação são fundamentais para que o dinheiro “sujo” possa passar pela economia sem gerar suspeitas imediatas, sendo posteriormente formalizado e reinserido em outros setores, sem vínculo aparente com a origem ilícita.
As Etapas da Lavagem de Dinheiro
O processo de lavagem de dinheiro é comumente dividido em três etapas principais:
1. Ocultação/Colocação: O momento em que o dinheiro ilícito entra no sistema financeiro formal. Exemplos incluem a compra de bens de alto valor, como imóveis ou veículos, ou o depósito em contas bancárias de maneira fragmentada, para evitar alertas automáticos de movimentações suspeitas.
2. Dissimulação: Após o dinheiro ter entrado no sistema financeiro, ele é distribuído por meio de uma série de transações para disfarçar sua origem. Esse processo envolve muitas vezes a fragmentação do valor em várias contas, transferências frequentes entre bancos e até operações internacionais.
3. Integração: É a fase final em que o dinheiro aparentemente “limpo” é reinserido na economia formal, com justificativas legais, como investimentos em negócios legítimos, compra de ativos ou reintegração ao sistema financeiro de modo a não levantar suspeitas.
Consequências Penais e Agravantes
No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro está previsto na Lei nº 9.613/1998, que define a pena de 3 a 10 anos de reclusão, além de multa. No entanto, a pena pode ser agravada em até 2/3 se o crime for praticado no âmbito de uma organização criminosa, conforme disposto no artigo 1º, §4º, da referida lei. A redução da pena em até 2/3 pode ocorrer caso o réu colabore com as investigações, fornecendo informações que levem à identificação dos demais coautores do crime ou à recuperação dos ativos.
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Importância do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF)
O COAF desempenha um papel crucial na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Ele é responsável por monitorar transações financeiras suspeitas e atuar em parceria com instituições financeiras para identificar operações que possam estar ligadas a crimes de lavagem.
As movimentações consideradas suspeitas e que devem ser reportadas ao COAF incluem:
• Movimentações em espécie acima de R$ 50.000,00: Transações de alto valor em espécie geralmente levantam suspeitas e devem ser comunicadas.
• Movimentações atípicas de qualquer valor: Movimentações financeiras que não se coadunam com o perfil do cliente ou que fogem do padrão esperado também devem ser notificadas.
“Know Your Customer” (KYC) e Dever de Diligência
O Know Your Customer (KYC) é uma prática adotada pelas instituições financeiras para garantir o conhecimento profundo sobre seus clientes. Isso é essencial para evitar que tais instituições sejam usadas para fins ilícitos, como a lavagem de dinheiro. No KYC, é obrigatório o cadastro detalhado de clientes, com atualizações constantes ao longo de pelo menos 10 anos.
Os setores obrigados a implementar políticas de KYC incluem:
• Instituições financeiras, como bancos e corretoras.
• Operadoras de câmbio.
• Seguradoras.
• Empresas de arrendamento mercantil.
• Venda de bens de luxo e imóveis de alto valor.
• Empresas de consultoria financeira.
Além disso, as instituições devem nomear um diretor responsável pela prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (PLDFT), o qual é responsável por garantir que as medidas internas sejam eficazes. O descumprimento das normas PLDFT pode acarretar sanções, como advertências, multas, inabilitação e até cassação de licenças, sem a exigência de dedicação exclusiva.
Considerações Finais
A complexidade das operações de lavagem de dinheiro exige uma rede de controle robusta, tanto do setor público quanto do privado, para garantir que o dinheiro proveniente de crimes não seja legitimado na economia. O trabalho conjunto entre o COAF, as instituições financeiras e os órgãos de investigação é fundamental para identificar e punir aqueles que se envolvem nessas práticas, protegendo o sistema financeiro e a sociedade de danos econômicos e sociais graves.
Por Kleber Silvestre S. Jr.
Advogado especializado em Direito Penal Econômico e Criminal Compliance