O PROJETO MORO

O Ministro Sérgio Moro apresentou o seu projeto de lei anticrime. Várias foram as medidas apresentadas, mas uma delas me chamou a atenção. Foi a medida para assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância.

A prisão em segunda instância, anunciada como regra, ao menos numa primeira análise, é positiva, pois caminha a favor daquilo que o próprio ministro pregava enquanto juiz e mais ainda ao que anunciava o então candidato Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral

A sugestão de mudança no artigo 617 do Código de Processo Penal tem por regra a prisão em segunda instância ao dizer que “Ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”

O problema surge a partir da exceção que o parágrafo primeiro cria, praticamente desdizendo o caput do artigo. Esse dispositivo estabelece que o tribunal poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por Tribunal Superior possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

A exceção que comete ao tribunal análise subjetiva da questão constitucional ou legal relevante apenas serve para inviabilizar a aplicação da regra geral, que é a prisão que decorre do julgamento em segunda instância. Melhor teria andado a projeto de lei se, ao invés de critério subjetivo, tivesse adotado como exceção hipótese concreta de possibilidade de não se realizar o início do cumprimento da pena, como, por exemplo, nos casos de réu portador de doença terminal ou contagiosa, idade avançada, dentre outras situações concretas.

Na prática, a exceção servirá justamente de escudo aos criminosos do colarinho branco, corruptos e políticos em geral, uma vez que não raro os tribunais superiores vislumbram, nos crimes praticados por essas pessoas, questão constitucional ou legal relevante. Tome-se como exemplo os infindáveis recursos propostos pela defesa de políticos famosos, os quais são julgados antes dos demais cidadãos e tomam horas e horas das pautas dos tribunais. Para esses criminosos parece que tudo é relevante.

Não bastasse a exceção que confere poderes para os tribunais realizarem juízo subjetivo de valor, a proposta de redação do artigo 637, igualmente produz outra excepcionalidade digna de repulsa pela sociedade. Segundo o texto proposto, o recurso extraordinário e o recurso especial interpostos contra acórdão condenatório não terão efeito suspensivo, mas, excepcionalmente, poderão o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário e ao recurso especial, quando verificado cumulativamente que o recurso não tem propósito meramente protelatório e levanta uma questão de direito federal ou constitucional relevante, com repercussão geral e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou alteração do regime de cumprimento da pena para o aberto.

Como se percebe, novamente o texto peca pelas exceções que facultam análise subjetiva da necessidade, ou não, de se atribuir efeito suspensivo aos recursos extraordinário e especial. O mesmo recurso pode ser considerado protelatório para um Ministro e, para outro, não. De igual modo, a questão de direito constitucional pode ser relevante para um Ministro e, para outro, não. Até que se decida o que é ou não protelatório ou relevante, a sociedade fica em estado de perplexidade.

O efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou recurso especial poderá servir unicamente aos interesses de uma casta de malfeitores. Este é apenas um aspecto perverso da frouxidão do projeto de lei exibido por Moro. Há outros, como a legítima defesa amplamente alargada para policiais.

É lamentável que, justamente de quem se esperava rigor no combate à corrupção, venha uma proposta que provavelmente punirá os menos favorecidos, beneficiando verdadeiros ladrões da coisa pública, empresários que enriquecem de forma ilícita e outras pessoas que compõe a elite brasileira.


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