O protagonismo das pessoas no impasse da sustentabilidade
* Artigo originalmente publicado no portal Nexo, em 9 de putubro de 2021.
O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas) publicou a primeira parte do AR6, o mais importante relatório de avaliação sobre mudanças climáticas em agosto. O relatório analisou 14 mil estudos e demonstrou que há uma chance acima de 40% de que em 2030 o planeta atinja uma alta de 1,5 ºC em relação ao nível pré-industrial.
Esse não é um número qualquer por dois motivos: 1) é o aumento de temperatura limite estabelecido pelo Acordo de Paris, de 2015. O fato de estarmos próximos desse limite sem ainda um mercado de carbono devidamente regulado ou pouco ambicioso na maioria dos países demonstra fragilidade em sua execução do tratado; e 2) qualquer aumento acima de 1,5 ºC, segundo o próprio relatório, já representa mudanças mais permanentes no clima, como derretimento do gelo ártico, tornando o aquecimento ainda mais difícil de conter.
Para quem busca alguma esperança, os sinais de ação contra a mudança do clima existem, mas são agridoces: embora o relatório aponte que há saídas para mitigar os efeitos da mudança climática, o otimismo fica abalado diante da fraca demonstração de apoio às medidas necessárias para o curto prazo.
Em novembro deste ano ocorre a Conferência sobre a Mudança Climática da ONU, a COP-26, em Glasgow (Escócia), e a expectativa é positiva. O presidente do evento, o britânico Alok Sharma, afirmou que pressionará os países para que saiam das reuniões com metas de longo prazo e ações imediatas para conter a alta da temperatura.
Por outro lado, a reunião do G20, que ocorreu em julho deste ano, serviu como uma prévia da COP-26 e já demonstrou que esta não será uma conversa fácil: países de políticas enérgicas ainda muito poluentes não demonstram esforço em avançar nas suas metas de redução de emissões. O Brasil, aliás, esteve naquela ocasião entre os países que resistiram às propostas de mudança de financiamento a combustíveis fósseis.
Segundo o relatório do IPCC, as ações que poderiam conter esta crise no curto prazo são bem conhecidas pelo mundo: tecnologias de baixo carbono, transição energética mais acelerada, medidas de eficiência energética ou, ainda, e talvez mais importante, a transformação de estruturas fiscais e a realocação de investimentos para as metas de emissão já estabelecidas.
Ainda não avançamos por estes caminhos porque diante de nós está um tremendo dilema: o mundo pós-2008 é marcado pela estagnação econômica e pela desigualdade social. O economista Thomas Piketty, no seu já clássico “Capitalismo no século 21”, demonstrou como a concentração de renda alcançou, nos anos 2010, o mesmo recorde visto nos anos 1910-1920. Neste cenário, conforme o relatório da ONU aponta, investimentos que poderiam financiar a transição para uma economia de carbono neutro são engolidos pelas tensões sociais e econômicas geradas pelo desemprego e por questões de competitividade entre países.
Essa é uma das principais barreiras para se alcançar maior apoio às medidas de mitigação da mudança climática: a transição para uma economia de baixo carbono pede por medidas que estressam ainda mais tensões econômicas e sociais, o que deixa governos mais receosos em adotá-las. É o que vivemos no Brasil, inclusive.
Um estudo conduzido na FGV (Fundação Getulio Vargas) e organizado por Marcelo Pinho e Rudinei Toneto demonstra que a implementação da política delineada para o Brasil pelo Acordo de Paris implicaria em perdas do PIB (Produto Interno Bruto) de cerca de um ponto percentual ao ano na agropecuária e no setor energético, chegando a 4% em 2050. Essa redução no crescimento estaria associada ao pagamento de impostos ao carbono, à necessidade de redução do uso de energia, bem como à necessidade de investimentos em capital, trabalho e em outros insumos e fontes de energia alternativos.
O caso brasileiro é emblemático da dificuldade em produzir políticas ambientais. Afinal, o mesmo estudo da FGV revela que os ganhos em renda e bem-estar das famílias com as medidas de redução de emissão seriam modestos até 2030. Depois disso, tais medidas podem até mesmo acarretar uma perda de renda no cenário em que o Brasil aplica tarifas compensatórias de carbono sem ser acompanhado por outros países do mundo, perdendo, assim, competitividade.
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Obviamente, a transição deve acontecer e irá acontecer se quisermos evitar uma catástrofe climática. O desafio, porém, seria o de alinhar a questão do clima com outras agendas (fiscal, comercial, industrial, de planejamento urbano, de infraestrutura, etc.) buscando mitigar os riscos sociais e econômicos que esta transição representa. Tarefa hercúlea, mas ainda assim possível, se pudermos responder satisfatoriamente a um desafio.
O termo “sustentabilidade” parece traduzir, a partir dos anos 1980, o antagonismo que a gerou: quer dizer, de uma só vez, uma meta técnica e um sonho de ativismo político. Também porque, como argumenta a ex-coordenadora do Greenpeace, Cristina Bonfiglioli, “sustentabilidade” é a tentativa de conciliar dois paradigmas contraditórios: a sociedade de consumo que temos com as exigências ambientais que pedem por menos consumo. O termo, então, torna-se elástico, buscando adaptar-se a esta tensão, ganhando sentidos muito distintos a depender de quem o evoca.
Ocorre que o nosso imaginário é tão povoado por séculos de expansão do consumo e da produção que, hoje, a nossa capacidade de imaginação para outras humanidades possíveis continua bloqueada. Coisas muito concretas como competitividade da economia e queda da renda das famílias ainda estão no caminho porque ameaçam uma determinada imagem de bem-estar ligada ao consumo que ainda praticamos.
O que o relatório da ONU aponta talvez como principal desafio para avançar na agenda contra a mudança do clima é o de aliviar o estresse que a mudança causará em nós, pessoas comuns. Para tanto, a questão da sustentabilidade deve ser politizada no sentido original da palavra: deve ser um assunto da vida comunitária.
Por enquanto, não é o que ocorre. Medidas tão impactantes como as necessárias são discutidas em pequenos gabinetes. Os efeitos disso são dois: os poucos técnicos e burocratas que decidem vão perdendo o contato com a vida, com as necessidades reais das pessoas, enquanto nós, as pessoas, estamos cada vez mais frustrados por não compreendermos o que é necessário ser feito e não conseguirmos expressar nossas demandas.
A etóloga norte-americana Jane Goodall parece ter sentido esta dor na prática. Ela fundou, na década de 1990, um programa ligado à sua fundação, na Tanzânia, com o objetivo de introduzir planejamento familiar e microcrédito entre as comunidades próximas à floresta tropical. A ideia era simples: promover melhores condições econômicas para que essas famílias deixassem de explorar a floresta como sobrevivência. No limite, poderiam, inclusive, se converter em protetoras do patrimônio natural.
Mas enquanto um punhado de norte-americanos brancos chegavam às comunidades culpabilizando as pessoas e, simplesmente, dizendo o que deveriam fazer, o projeto falhava, conforme ela mesmo relatou. Foi somente quando a fundação contratou uma equipe de tanzanianos para visitar as comunidades e perguntar a elas, de fato, o que necessitavam que o trabalho deslanchou.
Goodall talvez tenha aprendido a lição mais valiosa para o mundo no combate às mudanças climáticas: as pessoas são protagonistas. Afinal, isso é política. Ou ao menos deveria ser.
A ação social se efetua, sempre, em espaços concretos que, por sua vez, são capazes de assumir as formas culturais de suas comunidades. Politizar qualquer questão pressupõe a existência de lugares de convivência onde realmente se elaboram novas concepções de humano a partir das trocas entre as pessoas. Esta é a força da comunidade.
O tema da convivência comunitária já se tornou fundamental para o nosso futuro. Trata-se de reconquistar os vínculos com o espaço para que nossos lugares de vida sejam modificados pelos nossos comportamentos, para que percebamos que a transição é possível. Se o debate da sustentabilidade for restrito aos círculos empresariais, se manterá distante demais da maioria, que aprenderá a temer as mudanças que virão.
Isto quer dizer que empresas precisam de povos indígenas em suas tomadas de decisão. Quer dizer que a mudança de um imaginário acontece a partir de experiências muito concretas e diretas com o mundo que desejamos construir. Recuperar esse campo de experiências deveria ser nosso primeiro esforço.
Administrador Generalista / Nexialista / MBA / Advisor / Consultoria e assessoria / Curadoria / Gestão empresarial/institucional / Processos / Melhoria contínua / Setor 2,5 / Empreendedorismo / Sustentabilidade / ESG
1 aMuitas empresas ainda não se conscientizaram sobre a relevância, a importância e a necessidade da aplicação das práticas de sustentabilidade e ESG!!! É uma mudança cultural do capitalismo selvagem para o capitalismo consciente, tanto por parte das empresas (de todos os portes e segmentos), quanto dos consumidores. Um ponto interessante é que há empresas que estão investindo em ESG, mas não estão conseguindo comunicar adequadamente aos consumidores as informações sobre as ações que estão realizando. Então, os consumidores não percebem o valor nos respectivos produtos dessas empresas, tanto que, em uma pesquisa (Ernst & Young, 2022), 78% dos entrevistados disseram que um dos fatores impeditivos para compra de produtos sustentáveis é a falta de disponibilidade ou transparência da informação. Quanto mais falarmos, divulgarmos (de forma correta e adequada) e conscientizarmos as pessoas sobre sustentabilidade, melhor será para todos (empresa, colaboradores, investidores, consumidores, fornecedores, sociedade, meio ambiente, ...). Muito bom, Tiago da Mota e Silva. Estamos juntos nessa jornada.