O que é Natal - Jorge de Azevedo
Se hoje é Natal, o que foi aquilo ontem? Pessoas apressadas, correndo, trombando contra pessoas como se estivessem correndo do fim do mundo. O que foi aquilo que aconteceu ontem?
Deitei-me e dormi, dormi para meu espírito sair de mim e livre visitar muitas das casas, onde ontem, se festejou o Natal. O que é Natal?
Segundo o mercantilismo humano, Natal é a data que o comércio tem para angariar lucros exorbitantes compensando exorbitantes prejuízos em alguns dos outros meses. Natal é a data onde as famílias de poder aquisitivo benevolente aproveitam para humilhar famílias sem poder aquisitivo para fazer frente aos seus luxos e excessos. Natal é a data onde a misericórdia se faz como oportunidade de mídia, a benevolência se estampa como pedido de perdão e quando o pensamento diz "eu dei", o fazer sua parte está completa. Natal está sendo tudo hoje em dia, menos a comemoração que deveria ser dado ao Natal e isso meu espírito observou quando deixou meu corpo adormecido e saiu por aí visitando muitas casas festejando o Natal.
Vi muitas mesas fartas, vi muitas mesas vazias. Vi uma cozinheira chorando enquanto tirava do forno um pernil, pensando que em sua casa não haveria janta para seus filhos. Eu vi um homem gritar com um maltrapilho homem que em seu portão pedia um naco de pão. Em uma casa, se deram as mãos diante da mesa e enquanto oravam uma oração, pensamentos protestavam "acabem logo com isso, estou fome". O que é o Natal?
Em nenhuma das casas visitadas por meu espírito encontrei em mesas postas, um prato, talheres, copos e taças reservados para o aniversariante. O Natal de Jesus é tudo, menos Natal de Jesus. Em nenhuma das casas visitadas por meu espírito, incluo a sua casa que está lendo meu comentário, eu não vi o presente comprado por você para Jesus.
Jesus, o aniversariante não esteve incluído em nenhum grupo de amigo secreto, em nenhuma das casas visitadas encontrei nas mesas, entre beberragens e guloseimas, uma comida especial para o aniversariante. Em todas as casas, sobre as mesas estavam expostos os gostos de todos, menos o gosto de Jesus. No Natal de Jesus, o que menos importa é o Jesus do Natal.
Vi tantas roupas novas e bonitas, cabelos de salão e unhas de fábricas. Vi tantas saias mostrando pedaços de calcinhas, vi tantos shorts mostrando curvas de nádegas, vi sambistas e funkeiros rebolando quadris no Natal de Jesus, só não consegui encontrar nesses lugares, Jesus. Em um bairro de casas chiques, um segurança expulsou um maltrapilho usando o seu cassetete para não importunar os seus senhores. Entrei na cabeça do sisudo segurança e ele estava pensando "será que Maria conseguiu alguma coisa para os meninos comerem?".
Foi na simplicidade de um casebre consegui encontrar um pouco do que restou do Natal. Uma senhora, acho que escolheu o seu melhor vestido, usou talvez seu único perfume, vestiu seus dois filhos com o que talvez fosse, suas roupinhas de festas. A mesa arrumada, o frango no meio da mesa, todos sentados alegres e felizes, ela colocou em um pratinho em porcelana, um pouco de arroz, uma lasquinha de frango, colocou no copo um pouco de refresco vermelho. Levantou-se, acendeu uma vela no pequeno altar e retornou à mesa. Chamou Jesus e disse "meu irmão, feliz aniversário, vem cear conosco".
Jesus, alguém nesse imenso mundo se lembrou do seu aniversário, alguém ainda sabe o que é Natal e meu espírito voltou para mim feliz, enquanto esta senhora estiver viva, Jesus será lembrado no dia do seu aniversário, como o aniversariante e antes de tomar lugar novamente em meu corpo, ouvi meu espírito dizer...
"Feliz Natal Jesus".
Recife, 25 dezembro 2018