“O que é pior que um esporro?” no contexto da eleição presidencial brasileira de 2018

O título é extenso. A gama de preocupações também. As propostas apresentadas pelos candidatos à Presidência são, em sua maioria, genéricas – padecem de um plano estruturado de execução, deixam no limbo, à completa revelia da imaginação popular, qual o caminho das pedras que permitirá que o Brasil chegue do ponto X ao ponto Y. Simplifica-se o complexo, complexifica-se o simples.

Isso não é o pior.

Passou-se a cultuar nas ruas ideologias sem que o conceito destas sequer esteja adequadamente enraizado e compreendido pelo brasileiro. Ouve-se com frequência no burburinho das conversas de boteco: “precisamos ser radicais, botar ordem nessa bagunça. Bandido bom é bandido morto. Damos direitos demais e deveres de menos. Trabalhamos sempre com a exceção. Por isso vou votar em fulano”. Certo. E quais os planos de Fulano para botar ordem no suposto caos? Os concretos, não as frases midiáticas que se estampam nas tiragens das bancas.

Aí vem. O desconforto, o ranger de cadeiras, o olhar um pouco sobressaltado, celulares sacados na hora. Engolem a pílula instantânea da internet e escolhem um ponto a esmo. “Aí! Olha só. Deixar que o cidadão comum tenha arma em casa. É justo.” Certo (2). Mas esse candidato em específico defende a posse, o porte ou os dois? “Ah, tanto faz”.

Tanto faz?

Os ânimos se exaltam nesse ponto – “vou votar e pronto, ninguém vai me fazer mudar de ideia”. Mas o objetivo é fazer com que uma pessoa mude de ideia ou simplesmente se certificar que o plano de governo foi lido, as implicações das principais propostas assimiladas e que se pensou com um mínimo de profundidade a respeito da viabilidade de sua execução tendo em vista o atual cenário conjuntural brasileiro? Se tudo isso foi feito então houve embasamento mínimo para o fundamento crítico e aí vale o máximo da democracia – o voto é seu por direito, para que eleja aquele que julgue mais preparado para conduzir o país.

Considerando a quantidade de analfabetos funcionais, se você tiver o privilégio de não se enquadrar nesse time, tem a obrigação moral de fomentar boas práticas.

Aí entra a construção do pensamento crítico.

Infelizmente, um mergulho mais profundo cada vez mais tem significado a exposição da superficialidade da opinião. Não por falta de capacidade, mas por falta de interesse. O problema não é um ou outro candidato mas a motivação por detrás da escolha do eleitor.

Vou votar em “Y”. Quais as principais propostas dela? Não sei. Vou votar em “X”. Ok, ele já foi deputado, já foi senador. O que fez nestes cargos? Não sei. Vou votar em “Z”. Por que? Ah, tem carisma. Carisma? Estamos elegendo um artista ou um presidente?

Em suma, o que preocupa – e muito – é que os brasileiros deixem para pensar nessas questões fundamentais depois de apertar o botão na urna.

Que guardem a ferro e fogo suas convicções, ariscos a qualquer sinal de questionamento.

Vale lembrar: palavra falada não volta. Nem voto.

Estamos tão céticos, tão cansados, tão derrotistas, que sequer nos importamos. Olhamos tão desconfiados um para o outro que rechaçamos a troca saudável de opiniões, muitas vezes reputando essa prática tão simples como um dispêndio desnecessário de energia, uma débil tentativa de doutrinação, um reduto para brigas, etc. Política não se discute. Não? Mas como pensar a fundo sobre um tema sem discuti-lo? Sem se abrir a opiniões? Sem considerar nuances que outras pessoas detectaram e que possam ter passado despercebidas?

Não podemos perder de vista que o Brasil é gigante e encerra em sua vastidão uma série de contextos distintos. Ainda há um abismo na distribuição de renda no país. Setores básicos guerreiam por uma fatia de orçamento, um sopro de esperança para não engavetarem uma série de projetos. É um desafio deixar de lado nosso egoísmo natural e realmente voltar o olhar para as pessoas que mais necessitam de ajuda, os setores que mais necessitam de investimento. Priorizar é a ordem do dia – não há humano, por mais bem-intencionado que seja, capaz de resolver todos os problemas em um único mandato. Ou dois. Ou três. Mas cabe ao eleito, isso sim, plantar as sementes ou desenvolver/manter bons planos que já estejam em execução. Preocupar-se menos com marco partidário e mais com um legado para o país.

O presidente é importante, mas não governa sozinho. Não tem poder de veto para tudo. Não sanciona tudo. Criamos todo um emblema ao redor dessa figura, atribuímos a ela um peso excessivo, nos esquecendo de toda a cadeia por detrás – deputados, senadores, prefeitos, governadores, etc. É imprescindível monitorar se seu último candidato cumpriu o que prometeu – se houve a mínima demonstração de que tentou fazer a diferença. Porque, caso não tenha feito, merecerá novamente seu voto? Podemos mesmo nos dar ao luxo de segundas chances?

É imperioso pesquisar, monitorar, cobrar, pensar e repensar e – sobretudo – compartilhar informação. Promover o debate – acalorado mesmo, que seja – de ideias. Sem doutrinação, mas sim reduzindo os filtros de julgamento ao ouvir, ampliando o senso argumentativo ao falar. Entender se sua decisão, qualquer que seja ela, passou pelo crivo do racional, não do passional.

Que votemos, mas votemos em paz com a nossa decisão, sabendo que foi fruto de muita ponderação.

O esporro, como prenuncia a própria dicção controversa da palavra, não é bom, não é fácil, mas em que pese seus muitos defeitos, ao menos prescinde de paixão, propulsão, envolve algo vivo e elétrico querendo ganhar terreno. Não é difícil chegarmos à conclusão de qual alternativa seria pior que um esporro – o difícil é não resvalar para essa segunda opção.

  


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