O que aprendi em um retiro de silêncio

O que aprendi em um retiro de silêncio

Neste carnaval de 2023, fiz um programa muito diferente de nossa principal tradição no Brasil e, ao invés de ir em qualquer tipo de festejo, optei por um retiro de silêncio.

Por quase 5 dias: nada de celular, nada de leitura, nada de olhares ou conversa, sem poder usar maquiagem ou perfumes, com alimentação vegetariana, numa pousada isolada na serra catarinense, compartilhando um quarto com alguém que nunca vi na vida. Confesso que senti um pouco de incômodo quando li essas orientações, mas minha intuição clamava por um tempo de desconexão e, quem sabe, reconexão.

Tivera eu feito isso antes...

Quando me inscrevi no retiro, só li a parte do anúncio que dizia "retiro de silêncio". Não li uma outra frase complementar que dizia "será ensinada a técnica do Vipassana". Fui totalmente livre de qualquer expectativa sobre qualquer técnica ou sobre o que aconteceria durante os dias.

Que grata surpresa.

E surpresa em todos os sentidos. Bons e maus, se assim você quiser julgar.

Vipassana: ver as coisas como elas são.

Vipassana é a técnica intuída, compreendida e vivida por Buda para alcançar a iluminação. E já esclareço, é livre de qualquer dogma da religião budista ou qualquer outra. Ela existe há mais de 2.500 anos, porém só se tornou mais difundida no ocidente através de S.N. Goenka a partir dos anos 70.

Um retiro padrão de vipassana possui a duração de 10 dias, onde você aprende a técnica na teoria e na prática para depois poder seguir aplicando diariamente. Eu fiz uma versão resumida e já foi o que bastou, para mesmo depois de quase um mês, não ter ainda conseguido digerir todos os ensinamentos.

A técnica resume-se em sentar em meditação, sem se mover (ou movendo o mínimo possível), observando a respiração e as sensações do corpo por ciclos de 1 hora e, no caso de estar em retiro, seguir um código de disciplina: abster-se de matar, roubar, manter atividade sexual, mentir e tomar intoxicantes.

Como técnica, absurdamente simples.

Como experiência de vida, absurdamente transformadora.

Quando você começa a caminhar, o caminho aparece. (Rumi)

Poderia eu explicar a técnica aqui em mais detalhes para você praticá-la, ou até indicar conteúdos e vídeos pra você aprendê-la, mas de verdade, sendo bem honesta, sem a vivência prática em um retiro, acho que não é possível entender toda a sua profundidade. É algo que precisa ser vivenciado na pele.

Portanto preferi trazer algumas reflexões e aprendizados que ficaram destes intensos dias de aprendizado:

  • Trabalhe duro com infinita paciência: cada meditação é uma. As vezes você irá sentar e se concentrar facilmente, outras vezes não vai conseguir ficar parado, outras a mente vai ficar viajando. É preciso uma firme determinação, consistência, persistência e paciência. Muita paciência.
  • Não recite, não visualize, sinta: muitas técnicas de meditação ensinam recitar mantras ou frases, outras trabalham com a visualização de imagens ou formas, outras ainda focam em contagem ou exercícios específicos de respiração. Cada técnica tem seu valor e seus benefícios, mas quanto prática de vipassana você deverá deixar todas as outras técnicas de lado e trazer todo seu foco de observação para as sensações do corpo. Unicamente isso. Sentir cada sensação de cada pequena parte do corpo. Acredite, é bem desafiador, mas te ajuda a passar a perceber sutilezas que acontecem em seu corpo que você não dava atenção.
  • Todo desejo gera sofrimento: respire aqui e pare pra refletir sobre esta afirmação. Repito: Todo desejo gera sofrimento... Tudo, absolutamente tudo o que você quer, seja ter, fazer, ser, irá gerar algum tipo de sofrimento. Você precisará trabalhar mais, ou acordar mais cedo, ou se dedicar, ou gastar algum tipo de recurso, etc. Algum tipo de sofrimento irá acontecer. Por isso, sempre que desejar algo se pergunte: Pra quê? Preciso mesmo? Que bem isso trará a mim e ao próximo? O que é essencial de fato?
  • Liberte-se do apego e da aversão: inconscientemente julgamos tudo o que nos acontece. A partir disso, criamos apego ("puxa, isso é bom") ou aversão ("credo, não gosto disso"). Mas por que? Esse é o seu modo de ver as coisas e não o que ela é de fato. Afinal, isso remete a outros dois aprendizados: as coisas são o que são e tudo está em constante mudança.
  • Você é 100% responsável por tudo que te acontece: pode até parecer exagero, mas é a verdade. Não adianta você ficar tentando arranjar culpados para o que acontece. Não adianta querer dividir responsabilidades sobre tua vida. Você só está aonde está por causa das suas vontades, por causa das suas escolhas. Assuma a responsabilidade por mais que doa, para que você perceba aonde precisa ainda trabalhar duro. Mas atenção: é assumir responsabilidade, não culpa. Se colocar no papel de vítima também não ajuda. Entenda cada situação com amor e compaixão por você mesmo. Para quem pratica uma outra técnica chamada ho'oponopono (sinto muito, me perdoe, te amo, sou grato) já deve ter entendido isso ou precisa conhecer melhor o embasamento dela.
  • Você está morrendo: acredito que a única certeza que temos nessa vida é que estamos todos morrendo e quanto antes aceitarmos isso como parte do grande movimento do universo, antes aprenderemos a levar a vida com mais leveza, trazendo os problemas pra real dimensão que eles possuem. Não estou dizendo que você deve então seguir o lema "vou abandonar tudo e ir curtir a vida que me resta", até porque lembre que você 100% responsável, mas saber que daqui a pouco posso não estar mais aqui, me faz desejar viver cada momento como único, com amor e na presença do agora. Afinal, o futuro pode não vir.
  • Isso também passará: momentos passam, sejam eles bons ou ruins. Esse entendimento nos ajuda na prática do desapego. Quando passamos por um situação ruim, precisamos saber que ela vai passar e dias melhores virão. Assim, como quando vivemos momentos de êxtase, precisamos entender, que eles também vão passar. Afinal, tudo é energia e tudo se transforma, o tempo todo.
Você é capaz de sentir a sua própria presença?

Alguns aprendizados talvez soem como simplórios e você pode ter pensado "nossa, isso é óbvio", mas será que você tem verdadeira consciência disso? Vive isso de fato? Aqui que está grande questão. Podemos saber de muitas coisas a nível intelectual, mas e qual a sensação real? Como isso se reflete no seu dia-a-dia? Como cada pequena emoção reflete no seu corpo e nas suas ações e reações?

Um dos momentos mais marcantes durante o retiro foi em uma das noites ao entrar na sala de jantar. O que vem na sua mente quando alguém fala em um jantar para 30 pessoas? Acredito, que naturalmente, seja a imagem de grupos de pessoas conversando, andando de um lado para outro, risadas, agitação, comida, bebida, enfim, alegria. É da nossa cultura esta troca calorosa. Mas eu experenciei algo muito diferente. Eu entrei em uma sala com cerca de 30 pessoas que estavam aguardando o jantar, mas onde os únicos sons eram do barulho da chuva que caia lá fora e o crepitar do fogo na lareira. Silêncio e uma paz profunda. Pude ouvir e sentir o meu coração disparar. Parei de respirar por um instante. Foi de arrepiar. E naquele momento surgiu a indagação: por que vinculamos o silêncio a situações de tristeza, a algo ruim? Ele não é bom nem ruim, ele é o que é. Ele traz clareza e nos ajuda a se conectar com uma parte do nosso ser muito mais profunda.

Tenho sentado em meditação todos os dias. E cada dia é único.

Comecei com apenas 30 minutos, com consistência e determinação, e ainda assim tem sido bem desafiador. A mente prega peças. O corpo quer desistir, acha chato. As pessoas ao seus redor te criticam, dizendo que é perda de tempo. Mas só quem experiência e aos poucos absorve cada um desses ensinamentos é que entende a razão de seguir neste caminho.

Que você tenha se inspirado a também iniciar a prática da meditação, independente da técnica utilizada, escolha uma e se dedique a ela. E se precisar de ajuda pra começar, é só me chamar. O que mais importa é darmos espaço a instantes de silêncio, para que nossa mente e corpo voltem a entrar em conexão.

Namastê

Claudiane Alves

C-Level Executive Assistant | Secretária Executiva | Assistente Executiva Bilíngue | Assessora Presidência | Office Manager | Facilities

1 a

Uau, que experiência incrível e transformadora Paty! Desde que li o livro: 10% mais feliz, coloquei na minha lista fazer um retiro de silêncio, sua vivência só me fez querer ainda mais. Gratidão 🙏🏻

Sivonei Neneve

Liderança de produtos digitais

1 a

Esse lance de não matar e não roubar é sério mesmo :P Brincadeiras a parte, parabéns, Patrícia Crovador por compartilhar a experiencia!

Paola Pagangrizo

Account Manager | Conta Azul | Transformação Digital | Partner Success | Gerente de Sucesso

1 a

Que incrível!!!! Obrigada por compartilhar essa experiência.

Ana Paula Vitelli, PhD, MSc

Managing Director BMI | Board Chair, Training&Development, Organizacional Consulting, Gender Studies

1 a

Que texto incrível e que experiência transformadora! Aquilo que realmente vale a pena na vida, essa profunda conexão conosco e com nosso estado de existência. É no simples que residem os maiores desafios. Parabéns por ter se aberto a essa experiência e por tê-la dividido aqui!

Rosana Gonçalves

Gerente de Produto | Gerente de Operações e Projetos | Liderança em Soluções Digitais

1 a

Como sempre, tudo que envolve você gera aprendizado e reflexão 👏. Paty, que experiência incrível, eu consegui te ver lá. Fiquei imaginando como deve ter sido incrível ouvir o som do seu coração, se ouvir. Muitos pontos ali me fizeram refletir ( provavelmente você até saiba quais,rs, pois contigo consigo ser vulnerável sempre). Obrigada por compartilhar.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos