O que dois filmes me ensinaram

O que dois filmes me ensinaram

Dois filmes muito diferentes inspiraram este texto. Um americano, produzido há 40 anos. Outro indiano, de 2007. Um, comédia. O outro, drama. O que encontrei em comum? O que me ensinaram?


O primeiro é um típico “pastelão” dos anos 1980, “Apertem os cintos, o piloto sumiu!” E me lembrei dele no início de 2019, quando comecei a escrever os primeiros parágrafos deste artigo, guardados até recentemente. A lembrança veio quando me chamaram a atenção alguns dados do relatório PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, gerado pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade que congrega 30 países para discussões, trocas de experiências, consultas e balizamentos com o propósito de aprimorar políticas econômicas e sociais.


Pensei, à época, sobre como é grande a chance da palavra Piloto, profissão que dá título ao filme, ser substituída por outra, vital não apenas a um avião, mas à sociedade: Professor.


O relatório apontava que, no Brasil, apenas 2,4% dos jovens, quando perguntados sobre carreiras pretendidas, declararam ter como meta e desejo seguir a carreira de professor.


Pior foi ler que mais de 50% dos professores pesquisados, afirmaram explicitamente desestimular seus alunos a dar aulas.


As razões que nos distanciam dos melhores exemplos mundiais ficam óbvias quando apresentadas as características presentes nos países líderes em Educação – Canadá, Finlândia, Irlanda e Coréia.


Nesses países, essa profissão, diria melhor, ofício e missão:


a) Tem o status mais importante da estrutura escolar; é o elemento crucial em qualquer projeto de desenvolvimento da sociedade, pela convicção do quanto esse trabalho muda vidas e destinos;


b) Recebe salário e formação de alto nível, pela certeza do quanto a alta qualificação e o adequado reconhecimento geram impacto direto na qualidade da aprendizagem alcançada pelos alunos. Daí a razão deste dispêndio ser visto como investimento e não custo, por seu significativo retorno à sociedade;


c) Atrai mais e mais pessoas competentes interessadas em assumir este papel imprescindível no processo de formação de toda e qualquer profissão existente no planeta. 


Decidi retomar o artigo quando assisti, dias atrás, à produção indiana “Como estrelas na Terra”.


Um filme primoroso! De uma maneira direta e bastante sensível, escancara o valor e o impacto, para um indivíduo e, também, o sistema (escolar, familiar...) e a sociedade como um todo, do papel de educador sendo exercido como deve ser exercido.


O filme conta a trajetória de Ishaan, um garoto de 9 anos que sofre de dislexia não diagnosticada.


Depois de repetir mais de uma vez o ano escolar, ele é colocado pela família em um colégio interno rigoroso, na esperança de “tomar jeito”, uma vez que suas dificuldades são vistas e julgadas como mera preguiça e indisciplina.


O período inicial de Ishaan no novo colégio o leva rapidamente à depressão, que também passa despercebida pelos professores e seus pais. Até que Nikumbh, um professor substituto de artes, olha para a criança à sua frente, nota o seu estado e, respeitosa e cuidadosamente, se aproxima, iniciando um lento processo de resgate, minto, de salvamento de uma vida.


O filme é emocionante, mas pragmático pela clareza como apresenta os princípios e as estratégias empregadas pelo professor.


Mais do que isso, demonstra como ações de mudança, conseguem resultados, mesmo diante de culturas enraizadas e alicerçadas em fortes paradigmas patriarcais e históricos, quando acompanhadas de respeito e inteligência, persuasão e clareza de propósitos.

 

O fato de Nikumbh ser um professor substituto me fez questionar, também, a crença bastante comum de que, para influenciar transformações, só tendo autoridade e poderes fora do comum. Em menos de um semestre, ele consegue provocar mudanças inimagináveis a priori, tanto em Ishaan, quanto na escola, nos demais professores e na família núcleo do garoto.


Penso que esta constatação clarifica nossa possibilidade de mudar (e provocar mudanças) não só quando estamos investidos de nossa responsabilidade como pais, professores ou líderes em qualquer nível organizacional, mas também enquanto cidadãos.


Olhar atento, aplicação de conhecimentos e técnicas adequadas, pesquisa e busca de compreender as causas antes de agir, diante uma dificuldade demonstrada (ou percebida), em um filho, aluno, liderado, processo ou sistema. Algo essencial antes de simplesmente julgar, condenar e punir alguém, até o limite de simplesmente desistir, com argumentos como “esta pessoa não tem jeito, é problema insolúvel, está no limiar de competência e potencial, por isso, podemos descartar, não nos serve pra mais nada ...”


E tantas outras pérolas que já ouvimos em reuniões com professores e pais sobre “alunos problema”. Ou de líderes em sessões de feedbacks destrutivos, ou comunicando uma demissão inquestionável (?) ou, pior ainda, em conversas entre pais que perderam a fé no potencial de sua criança, a se perguntarem onde erraram?


Em mais de 20 anos trabalhando com pessoas, em processos de desenvolvimento ou crises de carreira, e depois de outro tanto identificando, orientando e apoiando melhorias de desempenho e ajudando pessoas a descobrir (atenção ao verbo: des-cobrir, ou seja, tirar a coberta) seu potencial, acredite, jamais encontrei uma única pessoa que possa ser classificada como impossibilitada de crescer em autoconhecimento, competências ou conquistar vitórias em gaps técnicos ou relacionais.


Mas há de se acreditar nessa possibilidade. A começar, fundamentalmente, pela própria pessoa, claro, só que isto fica muito facilitado quando um outro, seu pai, líder, amigo, professor... acreditar. Sim, basta uma pessoa acreditar, como o professor desta escola fez, para alguém ganhar a alforria do jugo de incapaz. A descoberta acontece.


Sempre as perguntas “potencial para que e para quando?”, “por quais razões as expectativas não foram atingidas?, e “por que a adaptação esperada não aconteceu ou o resultado ficou abaixo do necessário?” trazem indicativos importantes para você pessoa, você líder, você pai, você mestre vencerem o desafio da condenação injusta imposta pela sentença: limiar da competência e do potencial.


Este filme possui um potencial transformador para quem ainda não conseguiu, pela própria vivência, repensar paradigmas instaurados pelo processo educacional vigente, ainda permeado por notas, sistemas de avaliação classificatórios, que privilegiam resultados e não o processo, respostas consideradas as únicas corretas (por chefes, pais ou professores), sem abertura para pensamentos divergentes ou “fora da caixa”, e estão pouco sensíveis ao tratamento natural de dificuldades de qualquer natureza.


Assistir a “Como estrelas na Terra” e refletir sobre suas lições potenciais pode ajudar também a não se ter mais dilema algum sobre qual é a prioridade número 1 da humanidade?


Para isso, confira os créditos, no encerramento do filme. Imagens lá mostradas te farão responder esta pergunta. Aí, veja se agrega a sua resposta à minha, que não me furtarei de apresentar e com ela encerrar este artigo.


Nossa prioridade mundial? Cuidar de cada criança, desde o seu primeiro dia de vida para que ela cresça e se desenvolva com segurança, alimentação, abrigo, respeito, acolhimento e as melhores condições. A tudo isto se dá o nome de dignidade.


Se Deus, num sonho inverossímil, me desse o direito e o poder de instituir uma única lei, que teria como principal característica a capacidade de ser aceita sem qualquer questionamento ou objeção por todos os países e ideologias religiosas, políticas ou filosóficas do planeta, sendo portanto colocada em prática no dia de sua promulgação, ela teria a seguinte redação:

 

·    Fica definido que todas as crianças terão educação de alto nível, desde a mais tenra infância, sem distinção de classe social ou econômica, assim como acesso à saúde e alimentação até a sua vida adulta, quando já estiverem aptas a exercer sua função no mundo.


·    Fica instituído que, tanto na iniciativa privada quanto na esfera pública, cargo algum terá remuneração superior à dos PROFESSORES! Será o salário do professor, teto e balizador mor de todos os demais salários da sociedade, em reconhecimento explícito ao extremo e vital valor deste papel.


·    A missão de professor será a mais concorrida e exigente carreira, e os centros de excelência para formação deste profissional terão sempre os melhores recursos. Neles se encontrará o estado da arte que nos inspirará e viabilizará que a humanidade chegue, enquanto raça sobre este planeta, também o seu estado da arte como sociedade.


Sim, delirei, e aceito a crítica.


Mas, sinceramente, prefiro a utopia de ver cada um de nós agindo como estrela luminosa na Terra (condição que temos potencial para ser) do que viver o pesadelo de estar passageiro em nossa Nave Mãe desgovernada, em direção do caos por não mais estarem entre nós MESTRES (em todos os campos) a pilotar e guiar nosso desenvolvimento enquanto humanos.

Abraços,

José Renato Siqueira Jr.

Sou Consultor de Carreiras e Estratégias, atuo no apoio à superação de crises geradas por desemprego, insatisfação com o próprio desempenho e competências ou pela necessidade de pensar mudanças profissionais, planejá-las e implementá-las. Para saber mais, escreva para jrenato@jrsiqueiraconsultores.com.br ou envie um WhatsApp para (12) 98111-9860.

William Tadeu

Ajudo coaches, consultores, mentores e pequenos empresários. Juntos, criamos sistemas de vendas inteligentes. Diariamente, geramos potenciais clientes qualificados. Tudo isso com menos esforço e mais previsibilidade.

2 a

Excelente, José :)

Queridíssimo Zé. Sua sensibilidade extrapola os limites. E como já foi dito pelo Concistré: ainda bem. Precisamos de pessoas sensíveis que buscam realizar o Inédito viável, como diria nosso grande educador Paulo Freire. O filme retrata uma violência contra crianças que não é computada nas estatísticas e portanto nem sempre é combatida. Obrigada por indicar o filme.

Pietro Sabatino

Diretor de Produto | Categoria | Comercial | Varejo | E-commerce | Projetos

4 a

José Renato Siqueira Junior mais um texto espetacular! Obrigado!

Roberto Kapos

Sócio da Roberto Kapos Consultoria Empresarial

4 a

Sempre muito lúcido !!! e se acontecesse 20% do que você propõe nesse nosso país já seria uma grande transformação. abraço

Marcelo Almeida Prado

Diretor Gerente MPrado Consultoria em Gestão

4 a

Querido Zé Renato, obrigado pela sua provocação.... Assisti o filme e ao ler seu artigo, provocou me diversas sensações e tantas reflexões. Comecei este comentário para vc, e quando me dei conta ja estava na 3a. página, voltei ao início... Vamos ter ainda horas e horas de conversas sobre isto. Não subestime a transformação e o poder de suas palavras, as vezes é difícil vermos os resultados que causamos, mas elas acontecem. Continue a escrever!! Grande abraço.

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