O que eu também aprendi com a minha primeira demissão.

O que eu também aprendi com a minha primeira demissão.

Demorei muito para decidir escrever minha experiência e mais ainda para publicá-la. Hoje penso que faz sentido esse relato, devido à minha nova carreira e ao sentido que eu dou a ela. Também penso que minha experiência pode ajudar outras pessoas que estão passando por situação similar nesse momento. Hoje, numa nova carreira como psicólogo, sinto-me mais dono de mim e compreendo mais o que eu vivi.

Em toda a minha vida, só fui demitido uma vez. Sempre tive muito medo da demissão e sempre busquei ser um ótimo funcionário. Mas tudo tem a primeira vez e essa foi a minha.

Eu me arrisco a escrever sobre esse assunto porque, na época em que fui demitido, li uma história muito parecida com a minha que me ajudou muito naquele momento. E, assim como fui ajudado, esse texto poderá ajudar alguém.

O texto a que me refiro era “O que eu aprendi com minha primeira demissão” de Flavia Gamonar. Assim como eu, Flavia passou por uma reestruturação na empresa antes de ser demitida, gente nova entrando, uma nova cultura, restruturação de equipes, tudo num curto espaço de tempo. Nesse período, assim como eu, ela passou por três ou quatro diretores diferentes, todos querendo algo novo.

Certo dia, fui chamado por um dos diretores em sua sala. Comunicou-me que eu iria fazer uma viagem para os Estados Unidos para um treinamento e também como reconhecimento do meu trabalho. Além disso, eu iria ser promovido na empresa. Fui promovido, o bom desempenho reconhecido, e até premiado. Mas meu diretor informou que estava deixando a empresa e que, apesar de toda sua recomendação a meu respeito, não tinha conhecimento das futuras decisões de seu substituto.

Segundo minha esposa, o processo da minha primeira demissão teve início no primeiro dia de trabalho com o novo diretor.

Assumi outro cargo, trocamos alguns colaboradores, retornei para o antigo cargo. Outras substituições, mas simplesmente nada do que eu fazia parecia agradar ao novo diretor. Permaneci firme, continuei meu trabalho, participei de reuniões muito difíceis e de muita exposição, mas intimamente me sentia arrasado, triste e exausto com toda aquela situação. Nem realizado, nem feliz, pedi minha demissão. Fiquei “impressionado” com a recusa do novo diretor. Então continuei persistindo, tentando não desanimar, procurando forças todos os dias e tentando me convencer de que se tratava apenas de uma fase.

Mais algumas mudanças, uma nova contratação... Na época não percebi, mas se revelou uma estratégia do novo diretor: esse novo funcionário contratado, com quem compartilhei tudo, implementando mudanças no quadro de pessoal, na operacionalização, na equipe, estava sendo preparado para me substituir. Uma ligação do meu diretor me fez deduzir que havia chegado o meu dia de ser desligado da empresa, fato de que nem desconfiara, pois meu pedido de demissão anterior não fora atendido. Diante dessa percepção, senti medo de passar pela experiência de ficar desempregado, mas, em contrapartida, me senti bem, aliviado por finalmente poder enfrentar novos desafios.

Pensei muito: “aqui nessa empresa fui promovido várias vezes, reconhecido, recebi propostas de outras empresas e cobriram as ofertas para eu não partir...  Como entender que me tenha tornado, nos últimos meses, um funcionário tão mau, sem importância para a empresa?”

Atendendo ao chamado do diretor, encontrei-o sozinho na sala de reuniões. Comunicou-me a minha demissão. Quem me acompanhou na procissão de pegar todas as minhas coisas, desocupar minha mesa e minhas gavetas? O recém-contatado. No dia seguinte, meu cargo já estava preenchido.

Não me recordo mais de nenhuma das palavras do diretor.  Só me lembro de constatar que meu tempo naquela empresa havia acabado. Junto com a sensação de alívio, muita tristeza de deixar o lugar, algumas pessoas que trabalharam comigo por tanto tempo, o barulho da produção, as pessoas da minha sala, a minha mesa, o meu crachá... Mas nada daquilo me pertencia, nunca foi meu.

Deixo clara a atual convicção de que não fui vítima de nada, nem reclamo do que aconteceu, apenas não concordo com a forma como tudo se processou. Uma empresa, via de regra, tem apenas uma relação de trabalho com você e, por mais que você crie vínculos, ela estabelece apenas um contrato de prestação de serviços com você que pode ser desfeito a qualquer momento. Eu não fui o bobo enganado, eu sabia que as coisas estavam se modificando, não estavam boas e o tempo me mostrou que, por mais que eu mudasse de atitude, ou que fingisse, que compactuasse com algumas ideias e mesmo apesar de vários feedbacks que eu mesmo pedi, a demissão iria acontecer. E eu não relaxei, me esforcei, fui honesto, sincero, compartilhei informações, não bajulei e acreditei demais nas intenções positivas das pessoas com quem me relacionava na empresa.

Em poucos segundos me tornei um estranho e fui convidado a me retirar. Mais um desempregado. Parece que chegam até a desconfiar de você, ou que você vai fazer alguma loucura naqueles últimos minutos na empresa, daí a urgência de seu desligamento.

Enquanto dirigia, meus pensamentos não paravam, não sabia aonde ir, o que fazer, o que falar, com quem desabafar e ficava lembrando cada momento, cada reação minha. Dizia para mim que o pesadelo havia acabado e não precisava mais ficar triste aos domingos. Não tinha ideia de como seria minha vida, como seria sem emprego, como saldaria as contas mensais, mas devo admitir que, como há muito tempo não acontecia, naquele momento eu estava verdadeiramente aliviado, estava feliz, sentia-me livre.

Então, o que eu APRENDI?

APRENDI que normalmente criamos vínculos com a empresa, mas a empresa não os cria conosco, apenas se prende a um contrato.

APRENDI que sempre devemos fazer nosso melhor, ser comprometido e justo, mas também focar na vida pessoal, porque, além de ser um profissional, você também é marido, pai, filho,irmão, amigo... Era muito normal eu exceder minha jornada diária, trabalhar aos sábados, atender telefonemas fora do expediente. Concluí ser possível trabalhar equilibrando a vida profissional com a vida pessoal. Meu sogro recentemente me disse que se eu tivesse permanecido naquela empresa, acabaria perdendo minha esposa e meus filhos, no que hoje concordo com ele.

APRENDI que, quando a cultura de uma empresa muda, os diretores mudam também e o fato de você não se encaixar no novo sistema não significa que você é uma pessoa má ou um profissional incompetente. Trata-se apenas de um novo ponto de vista, de um novo diretor com suas metas e medos.

APRENDI que ninguém é insubstituível e que o fato de você encontrar algumas pessoas todos os dias não as torna suas amigas.

APRENDI que há vários tipos de pessoas dentro da empresa, algumas corretas, éticas, empáticas, sinceras, outras otimistas, outras atenciosas, existem as bajuladoras, as falsas, as políticas, as gananciosas...

APRENDI que a maioria das pessoas está insatisfeita com seus empregos e, mais ainda, não encontra outro sentido no que faz além de receber um salário no final do mês. E quantas pessoas trabalham com depressão, com ansiedade e até com ideação suicida e não são assistidas pelas empresas!?

APRENDI o que significa assédio moral.

APRENDI muito com todas as experiências, positivas e negativas. Precisamos tratar as pessoas como seres humanos e não apenas como números ou peças de uma engrenagem.

APRENDI que ser chefe qualquer um pode, basta ter um cargo hierarquicamente superior e fazer com que as pessoas tenham medo de perder o emprego.

APRENDI que o verdadeiro líder é admirado, seguido e modelado por seus liderados.

APRENDI que não precisamos abrir mão dos nossos sonhos. Cursava Engenharia de Produção quando pensei em parar a faculdade para fazer o vestibular para o curso de Psicologia, mas decidi por concluir a engenharia. Minha primeira demissão me estimulou a me dedicar ao curso de Psicologia, que concluí esse ano.  Agora me sinto motivado a me arriscar e descrever minha experiência.

APRENDI ainda que devemos sempre perseguir nossos valores, nosso propósito de vida e o sentido que damos ao nosso trabalho. Todo mundo precisa trabalhar, mas todo mundo pode e deve dar um sentido maior ao trabalho que não se resuma a receber um salário no final do mês. Muito provavelmente tempos difíceis no trabalho surgirão e precisaremos enfrentá-los e vencê-los. Contudo, recomendo não colocar um valor exagerado nessa área e esquecer as demais áreas da vida.

A onda de sentimentos negativos que uma demissão produz pode demorar a passar. No meu caso, precisei de vários meses e da ajuda dos meus professores psicólogos para entender algumas situações que me pareciam mais humilhantes.

O conselho que eu dou para quem estiver passando por um momento parecido é estudar, se aperfeiçoar. Faça cursos, busque o autoconhecimento (um psicólogo pode ajudá-lo muito nesse processo), pratique exercícios, conheça e converse com pessoas, se puder viajar (fiz uma das minhas melhores viagens com minha esposa, e de moto!), vá ao cinema, visite seus pais durante a semana, leia livros e se permita experimentar coisas que nunca fez. Cuide do relacionamento com sua esposa, brinque com seus filhos e se conecte com Deus, ou com qualquer ser em quem você acredite. Resgate quem você é, seus sonhos, seus valores e trabalhe para ser a pessoa que você deseja ser.

Espero, com esse relato, ter conseguido ajudar alguém, assim como Flavia Gamonar me ajudou sem nem saber.

E, por último, você vai descobrir e se surpreender se você observar um pouquinho e compreender que o principal do seu mundo não está dentro da empresa, está fora dela e que tem muita coisa acontecendo aqui. Não estou encorajando você a viver só de brisa e de sonhos, mas pelo menos reflita sobre tudo o que você já passou ou está passando na empresa em que você trabalha. E, examinando seu potencial, reflita se quer, se pode e, sobretudo, se deve buscar outros caminhos!

Boa sorte!

Gonzalo Aguirre

General Manager South LAC (Peru, Ecuador, Bolivia, Argentina, Chile, Uruguay y Paraguay) en DIAGEO

4 a

Muito bom meu amigo! Bem escrito, boas reflexões. Forte abraço

Wilson C.

Master Black Belt/OCM/WCM /OPEX North America Senior Consultant CCI contractor (LSSMBB)

5 a

A coragem de alguém que merece ser admirado por isso...

Ana Paula Melo

Treinamentos comportamentais

5 a

Nossa, que relato Rodrigo, parabéns pela humildade de compartilhar essa experiência que assim como muitos eu também passei. Minha admiração por você só cresce 👏🏻👏🏻👏🏻

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