O STJ, o peixe e o não crime

O STJ, o peixe e o não crime


maio 05, 2017





     Caso no mínimo curioso – aos olhos dos leigos, pelo menos – foi julgado em grau de recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça – autointitulado “tribunal da cidadania” -: trata-se de crime tipificado na lei de proteção ao meio ambiente, ou seja, de pesca ilegal[1]. Um pescador amador foi praticar o seu hobby numa área em que tal atividade era proibida, violando assim o artigo 34 da lei n° 9.605/98, cognominada “lei ambiental”. Ocorre que, depois de fisgar um exemplar de um vertebrado aquático (um bagre) – e não era mentira de pescador -, o agressor do meio ambiente devolveu-o às águas de onde proveio. Não obstante essa sua atitude, foi processado, tendo o caso chegado ao STJ sob a forma de recurso. Provido este, a ementa do julgamento é esta: Crime ambiental. Pesca em local proibido. Princípio da insignificância. Ausência de dano efetivo ao meio ambiente. Atipicidade material da conduta. Rejeição da denúncia[2].

     Embora a ementa fale em “princípio da insignificância”, a melhor solução para o caso pode estar em outro local do Código Penal[3], na parte em estão definidos o arrependimento eficaz e a desistência voluntária. Estas duas causas que afastam a atipicidade material (para usar a linguagem da ementa do acórdão) da conduta estão definidas no artigo 15, assim: “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos praticados”.

     Desiste voluntariamente de prosseguir na execução: esta expressão significa que o sujeito ativo ainda não esgotou os atos que levariam à consumação do crime; ou, em outras palavras, tendo ainda que percorrer parte do “iter criminis” (itinerário ou caminho do crime), ele, sem pressão externa nenhuma, desiste.

     Impede que o resultado se produza: nesta figura penal, o sujeito ativo já esgotou o “iter criminis”, mas, não obstante isso, com sua atividade impede que se produza o resultado criminoso que ele com a sua ação procurava, realizar.

     Em ambas as hipóteses, fica afastada a tipicidade da conduta, devendo ser punido o sujeito ativo apenas pelo atos anteriormente praticados. Por exemplo: uma pessoa entra numa casa para dali subtrair coisas móveis (artigo 155 do Código Penal) (um smartphone), e desiste da subtração. Embora ele tenha ali entrado movido pela intenção de praticar a subtração, essa desistência faz com que fique afastada a punição pelo crime de furto (no caso seria tentado), remanescendo a punição pelos atos anteriores, no caso, violação (invasão) de domicílio (artigo 150).  

     Ao ter retirado o bagre das águas e tendo depois devolvido-o a elas, ele, como tinha percorrido todo o caminho do crime impedindo porém que o resultado se produzisse, ou seja, preenchendo a figura do arrependimento eficaz, cometeu um não-crime: afastada a figura da pesca ilegal[4], os atos anteriormente praticados não serão suficientes para que ela seja punido, pois não estão previstos na lei penal específica.

     É um caso muito interessante de aplicação prática do que existe na teoria, ou seja, da concretização do Direito.

     Abaixo a notícia do julgamento.


  Devolução de peixe vivo ao rio após pesca em local proibido afasta crime ambiental

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não considerou crime ambiental a pesca feita com vara, em local proibido, de um bagre que foi devolvido ainda vivo ao rio. O fato ocorreu na Estação Ecológica de Carijós, em Florianópolis, local voltado para a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas.

A decisão reconheceu a atipicidade da conduta do pescador, pois a devolução do peixe vivo ao rio demonstrou “a mínima ofensividade ao meio ambiente”, conforme afirmou o relator do processo, ministro Nefi Cordeiro.

O recorrente foi flagrado por agentes de fiscalização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio com o bagre ainda vivo na mão, uma vara de molinete e uma caixa de isopor em local proibido para a pesca.

Ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela prática do crime previsto no artigo 34 da Lei 9.605/98. Entretanto, o magistrado de primeiro grau aplicou o princípio da insignificância e rejeitou a denúncia, por entender inexpressiva a lesão jurídica provocada, faltando “justa causa para a persecução criminal”, que seria “absolutamente desproporcional” diante do fato ocorrido.

Amador ou profissional

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a conduta de entrar na estação ecológica com material de pesca e retirar bagre do rio afastava a aplicação da insignificância, “não importando a devolução do peixe ainda vivo”, e que o material apreendido demonstrava “certa profissionalidade” do acusado.

No STJ, o ministro Nefi Cordeiro afirmou que, segundo a jurisprudência do tribunal, “somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado, isto porque não se devem considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta”.

A turma entendeu que os instrumentos utilizados pelo recorrente (vara de molinete, linhas e isopor) são de uso permitido e não configuram profissionalismo, mas, ao contrário, “demonstram amadorismo do denunciado”. Além disso, como houve a devolução do peixe vivo ao rio, os ministros consideraram que não ocorreu lesão ao bem jurídico protegido pela lei, sendo a conduta atípica.


[1] . Como sói acontecer, os menos esclarecidos perguntarão, como sempre fazem: precisa um tribunal superior julgar um caso desses? Não precisa: deve.

[2] . Denúncia, em linguagem jurídica, é a acusação (formal) feita pelo Ministério Público perante um juiz competente para julgar o caso. Para uns, é o início do processo criminal.

[3] . Este princípio não existe formalmente adotado no Código Penal.

[4] . Artigo 34 – pena de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.









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