O tempo não para ...
Estava sentada em uma mesa, rindo de uma foto postada há 6 anos atrás, no Facebook e pensando sobre coisas da vida. Coisas ótimas, coisas boas, coisas difíceis e coisas bobas (hoje é um bom dia... às vezes a ordem de pensamento não é essa, e isso está ok. Felicidade full, a meu ver, é mentira ou cocaína). Acabo de comer e tenho mais 10’ antes de voltar ao trabalho. Abro meu livro bobo, que fala de um casal bobo, que estão felizes e bobos. Relaxo. E eis que, ao meu lado, uma mulher, que deve ter a minha idade, começa a chorar, compulsivamente, ao telefone.
É difícil saber o que fazer com a dor alheia, quando não há vínculo entre as partes.
Existem duas coisas que, se eu vir, vou copiar imediatamente: choro e vômito. Então meu primeiro impulso é consolá-la ativamente, chegar perto, abraçar, falar do que ocorre. Mas isso sou eu sendo “muito”. E há tempos aprendi que não posso me impor a ninguém. Olho em volta, todos estão tensos, fingindo não se importar. Um olha o telefone e outros observam a nervura das carnes servidas ao “ponto pra bem”. Sei que se importam (nós humanos, em sua maioria, somos bons ...), mas é difícil saber o que fazer com a dor alheia, quando não há vínculo entre as partes. A meu ver, essa dor alheia dói em nós por vários motivos, humanidade, filogenia, empatia e medo. Tendo certeza de que algum dia seremos os próximos, quando algo ou alguém importante para nós, se perder, acabar ou partir.
Com isso respirei emocionada e olhei para ela com um sorriso de pesar. Ela continuou chorando e começou a limpar seus olhos, por ter a pele muito clara, estava nítida sua dor. A mulher balançou a cabeça para mim com um sorriso triste, juntou suas coisas e saiu, deixando uma nota de R$100,00 para uma conta que não deveria passar de R$60,00, o garçom veio com cara de pesar e não comemorou a gorjeta, meu livro bobo perdeu a graça e meus 10’ passaram, enquanto os 10’ da moça desconhecida e desesperada, viraram, provavelmente, um divisor de águas em sua vida.
Ainda pensando nisso e pagando a conta, ouvi um gritinho fofo. Mãe e filha entraram no restaurante e se sentaram na mesma mesa onde estava a mulher aos prantos. A menininha linda, que devia ter seus 6 anos, era branquinha. Estava com seus olhos arregalados e toda radiante. Havia acabado de ganhar uma mochila de unicórnio. Bochechas vermelhas, respiração alterada ... mas o motivo da desregulação dela era felicidade ... por quê?
Porque o tempo não para ...
Me lembro o dia que meu pai morreu. Enquanto eu saía para o velório, vi pessoas rindo, bares com música alta, faixas anunciando eventos e show com letras coloridas... como? Por que meu mundo estava ruindo e as pessoas não estavam nem mesmo em silêncio, pela partida de um ser humano?
Porque o tempo não para ...
Cazuza contou lindamente esse poema e, quem melhor do que ele, para saber que o tempo não pararia quando ele partisse? A música foi lançada um ano depois de Cazuza ter anunciado ser soro positivo. O músico fez e faz muita falta para a música, além de ter deixado amigos e parentes, mas algo de fato mudou no dia a dia das pessoas pelo fato de sua morte? Ou elas viram mais a TV e seguiram para suas vidas?
Em um mundo onde se partilham cadeiras com unicórnios psicodélicos e órfãos de pai, temos que rever o que realmente nos importa, o que realmente merece nossa dor, o que de fato merece nosso amor e, fundamentalmente, o que não podemos deixar de viver até o dia que o “telefone” tocar.
Desejo para todos nós muitos e muitos unicórnios. Que possamos vibrar mais pelas coisas boas porque definitivo e certo nessa vida é só o fim dela, quando a aquarela de cada um de nós se “descolorir” ... como diz Toquinho na música que meu pai cantava pra mim.
O tempo não para... Não para não, não, não para
----------------------------------------------------------------------------------------------Fabíola Salustiano é psicóloga Cognitivo-Comportamental e Terapia dos Esquemas, Neurocientista com publicações pelo laboratório de Neurociências da PUC-RIO (LANEC), Ms em Psicologia Social pela UCP –RJ e Docente em cursos de Pós-graduação e Formação Profissional