O Terceiro Estado



         O tempo passa, mas a política brasileira pouco muda. Entra governo, sai governo e os escândalos continuam: são os conchavos políticos entre partidos que só querem se dar bem; são as infindáveis denúncias de corrupção que envolvem valores assustadores e que já não surpreendem mais ninguém; são as promessas eleitorais nunca cumpridas, e por aí vai.

         Enquanto isso, a situação do povo não melhora nada; em certos casos, até piora. Vejamos se a “Operação Lava Jato” conseguirá mesmo passar este País a limpo. Para isso, em outros países foi necessário realizar movimentos sangrentos, em que muitas cabeças importantes rolaram. Por exemplo, em 1789, quando estourou a Revolução Francesa, a população da França estava rigidamente dividida em três classes sociais: o 1º Estado, composto pelo alto clero; o 2º Estado, pela nobreza; e o 3º Estado, integrado pelo povo em geral, que não tinha direitos, mas apenas obrigações, como a de pagar pesados impostos para sustentar o 1º e 2º Estados, que gastavam irresponsavelmente.

         Naquela época, entrou em cena o abade Sieyès, um hábil político, que lançou um famoso panfleto com as seguintes questões: “1ª) O que é o Terceiro Estado? – Tudo. 2ª) O que ele foi até agora na ordem política? – Nada. 3ª) O que ele quer? Tornar-se alguma coisa”. São perguntas que ainda podem ser formuladas no Brasil de hoje, haja vista as condições lastimáveis em que se encontram milhões de brasileiros do “3º Estado”, que sobrevivem abaixo da linha de pobreza.

         Goethe (1749-1832), na maior obra da língua alemã, o “Fausto”, nos apresenta uma curiosa alegoria de um reino imerso em mentiras, corrupção e todo tipo de injustiça social, em que as finanças públicas estavam falidas por obra da ganância de seus administradores, que, mesmo assim, decidem pela montagem de um monumental desfile de carnaval.

         Desde já, vê-se que há alguns pontos em comum com o Brasil – carnaval, corrupção, finanças falidas, irresponsabilidade fiscal, etc. No desfile, o Estado aparece na figura de um elefante, à frente do cortejo, numa espécie de abre-alas ou comissão de frente, para utilizar uma imagem que nos é bem familiar. Sobre o pescoço do animal, está sentada a Prudência; mais atrás, no lombo, segue a Vitória, triunfante, com as asas abertas.

         Ao lado do elefante, caminham dois seres acorrentados, que representam o Medo e a Esperança. No rico imaginário de Goethe, a Prudência se regozija em manter presos aqueles que julga serem os maiores inimigos da inteligência ativa (o Medo e a Esperança). Alheio a tudo, o desfile prossegue.

         Descontados os exageros, é isso mesmo que acontece no Brasil de hoje: um Estado que é um verdadeiro elefante desgovernado, que consome muito e produz pouco, administrado por uma classe política ávida por privilégios e que pouco ou nada faz para melhorar a qualidade de vida de seu povo, cuja maioria sobrevive no 3º Estado. Infelizmente, na nossa história não entram nem a Prudência e nem a Vitória, mas sobram o Medo e a Esperança.


João Francisco Neto

Mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (FD-USP)

jfrancis@usp.br

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