O vexame virtual do STF
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), primeiro mandou bloquear perfis de usuários que fizeram ataques à Corte e depois, dado o descumprimento da ordem pelo Facebook, resolveu aplicar multas variadas e altíssimas. A empresa de redes sociais já informou que vai recorrer. Esse imbróglio ocorre no âmbito do inquérito das fake news, onde sua excelência “determinou o bloqueio de contas, independentemente se o acesso às postagens ocorrer por qualquer meio ou qualquer IP, seja do Brasil ou fora dele”, já que a partir de acessos de fora do país os perfis censurados continuam a ser vistos.
A discussão jurídica passa pela análise da amplitude da competência do STF, já que a ordem judicial pode afetar direitos de indivíduos ou empresas localizadas fora do país. O Ministro, em contraposição, afirmou que a ordem apenas visou dar efetividade à decisão que impediu a manutenção “de contas e divulgação de suas mensagens ilícitas no território nacional, não importando o local de origem da postagem”. Contudo, não é essa contenda que nos interessa, tampouco a briga de interpretações acerca da decisão e se ela deve ou não ser considerada censura.
Em verdade, o que nos importa é que este caso expõe uma novidade corriqueira e contundente sobre as cortes jurídicas no Brasil, protagonizada pelo STF. Digo que tudo começou com as transmissões ao vivo das sessões de julgamento. Explico.
As sessões de julgamento são, via de regra, públicas. Daí que se caminhou para a veiculação das sessões pelos meios de comunicação, a pretexto de serem públicas e de maior transparência, que também é um princípio constitucional. Depois, dada a facilidade da internet, sem o desprezo das demais formas (TV e rádio), as sessões publicamente transmitidas foram para o ambiente virtual.
A ampliação dos canais de transmissão das sessões expôs com maior veemência uma característica dos julgadores até então escamoteada pela distância protocolar: a vaidade, seja ela no âmbito da corte ou, principalmente, a vaidade pessoal.
Já presenciamos críticas mais que ácidas de cortes superiores aos emissores das decisões recorridas; já se viu muito de órgãos judicantes de graus inferiores emitirem opiniões, ditas insubordinadas, a respeito dos elevados tribunais; também não são incomuns discussões entre juízes com conteúdo nada jurídico. Tudo isso se vê “ao vivo” nas transmissões públicas, que expuseram os meandros das cortes, antes escondidos pela sombra da distância.
Como registrou meu amigo e colega da ABRADEP, Dr Guilherme Gonçalves, na live Propaganda eleitoral nas eleições 2020: “a internet virou uma arma de destruição de reputações de maneira insanável. As palavras voam como o vento, as escritas ficam como um monumento e as difundidas pelas redes sociais vão ser eternamente seu lamento”. E disse mais: que há a obsolescência dos instrumentos e controle da propaganda eleitoral.
O que era, no início, um instrumento de publicidade e transparência, transformou-se numa necessidade de exaltação e reafirmação da fama, pois não basta mais ser Ministro (ou estar Ministro), tem que se apresentar às câmeras, transcender o debate jurídico, acrescentando pitadas de opiniões pessoais desconectadas do caso concreto que está sendo julgado.
Esta coluna já registrou (Estado Democrático Jurídico, o Superior Tribunal de Fofocas) a indignação quando do bate-boca entre Ministros; agora, destaca que o custo para atingir a fama é pago por decisões extravagantes em vários procedimentos, a exemplo do inquérito destacado no preâmbulo deste artigo, em lives políticas com YouTubers, lives sem o conteúdo político a que se propõem e, sobretudo, sem o conteúdo jurídico que se espera dos membros das cortes.
A verdade é que tentar controlar o ambiente virtual com egoísticas e vaidosas interpretações legais acabará por expor ainda mais o STF ao vexame, tendendo as sessões a se assemelharem às tradicionais lives de famosos onde tudo é permitido. A questão a ser respondida é: “há de se observar a liturgia” ou acabaremos por nos locupletar da mediocridade virtual?
Vladimir Belmino de Almeida é advogado, assessor legislativo no Senado Federal, membro fundador e coordenador institucional da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP e presidente da Comissão Técnica da Lei de Incentivo e Fomento ao Esporte.