Ocupações de áreas que não ingressaram no domínio público de acordo com o Artigo 22 da Lei 6.766/79

Ocupações de áreas que não ingressaram no domínio público de acordo com o Artigo 22 da Lei 6.766/79

Escrito pela defensora pública do Estado de Minas Gerais, Cleide Aparecida Nepomuceno, em atuação na Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), da DPMG.


1. Introdução 

A ocupação do solo urbano não se deu e ainda não ocorre de forma ordenada, pois o processo de fracionamento de uma área em lotes com abertura de vias e implantação da infraestrutura como pavimentação, drenagem pluvial, iluminação e esgotamento sanitários tem um custo econômico que não pode ser suportado por todos que precisam de um local para construir uma moradia. No contexto de informalidade, áreas destinadas a uso e a equipamentos públicos também são alvos de ocupação para habitação gerando conflitos possessórios entre o poder público e as pessoas que reivindicam o direito de moradia nesses espaços. 

As regras para a criação de um loteamento estão previstas na Lei 6766/79, entre elas, destaca-se a previsão de áreas destinadas ao sistema de circulação, equipamento urbano e comunitário, bem como espaços livres de uso público que serão proporcionas à densidade da ocupação que, por sua vez, é definida pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situe . 

As áreas destinadas à circulação e a equipamentos comunitários e uso público são doadas ao Município no ato do registro do loteamento. O loteamento deve ser aprovado no setor competente do Município e posteriormente registrado e implantado com a abertura das vias públicas e instalação da infraestrutura urbana e então comercializado. O artigo 22 da Lei 6766/7986 exige o registro do loteamento para que as áreas destinadas ao poder púbico ingressem no domínio Municipal, afinal, é o registro uma das formas de aquisição originária da propriedade. 

Muitas áreas foram loteadas sem a observância dessas regras e de outras vigentes na época da implantação do loteamento, de forma que existem lotes registrados que não foram implantados e existem lotes constituídos que não foram registrados e, nesses casos, áreas que seriam doadas ao Município, conforme a planta do loteamento, mas que foram ocupadas para fins de moradia, apesar de não serem previstas como lote. 

O texto aborda as situações em que o poder público, em particular o Município de Belo Horizonte, considera como públicas, com fundamento em parcelamentos aprovados por meio de Cadastro de Planta Municipal, mas não registrados, áreas destinadas ao domínio municipal que não foram afetadas a uma finalidade pública, mas ocupadas para fins de moradia. 

O comportamento do Município ignora a existência de moradias precárias e informais e de toda legislação que regulamenta o direito público subjetivo à regularização fundiária e se fundamenta em um pensamento formalista e conservador que tem seu ápice na Súmula 619 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias, que a nosso ver deve ser revista (Nepomuceno, 2019). 

À luz da ocupação do solo urbano como uma necessidade humana e o direito à cidade pensado por David Harvey pretende-se discutir como o posicionamento do Município deve ser refutado para dar lugar à construção de uma solução que associa o direito público subjetivo à regularização fundiária ao direito à cidade por quem, embora não tenha recursos para pagar por um lote, transformado em mercadoria, também precisa ser inserido no contexto urbano como titular de direito. 

Ainda que a intenção do ente municipal seja apenas a de recuperar o patrimônio público que estava previsto na planta de parcelamento não levada a registro, a pretensão de expulsão dos moradores desses locais previstos para serem públicos, mas que não sofreram uma afetação e tampouco estão registrados em nome do Município, serve de motivo para refletir como a cidade e o seu constante processo de transformação por meio da urbanização pode se tornar hostil aos mais pobres. Se a pretensão do Município se consuma, os ocupantes são expulsos de seu lugar de moradia permitindo ao Município contratar empresas que irão abrir vias públicas ou qualquer outra obra no local, usando a cidade, como diz Harvey, para acumular o excedente de capital, em detrimento de qualquer previsão indenizatória para o morador, no caso objeto de análise. 

Nas situações de ocupação de áreas que não foram registradas em nome do ente municipal, pode-se contestar a natureza pública em favor do direito de manutenção da posse de pessoas hipossuficientes como forma de consolidar o direito à moradia e regularização fundiária destes locais em favor de seus ocupantes evitando o entendimento de que em terrenos públicos há mera detenção e não posse e reivindicar a diretriz de regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, preconizada no artigo. 2º, inciso XIV do Estatuto das Cidades. 


2. Da Lei de Parcelamento e Desmembramento do Solo Urbano 

O loteamento é a forma com que uma grande área é fracionada em pedaços menores, lotes, com frente para o logradouro público, sendo a situação jurídica de um lote regularizado essencial para obtenção de autorização de edificação perante o Município. A definição está no § 1º do artigo 2 º da Lei 6766/79. Hely Lopes Meirelles pondera, em sua definição, sobre a voluntariedade e formalidade do loteamento: 

"(…) o loteamento é o meio de urbanização e só se efetiva por procedimento voluntário e formal do proprietário da gleba, que planeja a sua divisão e a submete à aprovação da Prefeitura, para subsequente inscrição no registro imobiliário, transferência gratuita das áreas das vias públicas e dos espaços livres ao Município e a alienação dos lotes aos interessados (…) (Meirelles, 2011, p. 135)."

Referida lei fixa as regras para o parcelamento do solo, quando a divisão de uma área implicar na abertura de vias públicas e vias de circulação (artigo 2º, §1º), e do desmembramento, quando não houver essa necessidade (artigo 2º, §2º). 

A aplicação dessa lei tem um custo econômico que vai desde a abertura de projetos junto ao órgão municipal competente para aprovação do parcelamento ou desmembramento, implantação da infraestrutura, como, por exemplo, abertura de vias, drenagem pluvial, iluminação pública até o registro do parcelamento ou desmembramento, após a aprovação da planta junto ao órgão municipal competente, no Cartório de Registro de Imóvel onde a área desmembrada ou parcelada estava registrada, com a abertura de tantos lotes quantos forem resultantes do processo, para então serem comercializados. Esse custo é incorporado ao valor dos lotes que vão ao mercado para serem adquiridos por quem pode pagar por eles. 

A urbanização brasileira é recheada de casos de loteamentos clandestinos ou irregulares que não foram aprovados ou sequer registrados, mas vendidos de forma mais acessível às pessoas carentes. O resultado foi a ocupação de loteamentos sem implantação (oficial) de vias públicas, drenagem pluvial, sistema de abastecimento de água, esgoto e energia elétrica, exemplificativamente. As vias públicas previstas, em plantas não aprovadas, nestes loteamentos por vezes acabam também sendo ocupadas, mesmo quando não colocadas à venda. 

Não se pretende aqui infirmar a importância de aprovação de loteamentos e tampouco a previsão de destinação de áreas públicas sejam verdes ou para equipamentos, mas denunciar que, tendo em vista que os salários pagos às classes mais pobres são insuficientes para aquisição de sua própria terra (lote), enquanto mercadoria, são necessárias políticas públicas de acesso à habitação como forma de concretizar os objetivos insculpidos na Constituição Federal de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (artigo 3, III) e promover o bem estar de todos. 

A terra é uma mercadoria produzida artificialmente, pois, como lembra Harvey ela é uma forma fictícia de capital que deriva das expectativas de aluguéis futuros (70). Quem possui terra aguarda a sua valorização por meio do crescimento e desenvolvimento urbano, muitas vezes proporcionado pelo próprio Estado, de forma que ela não é acessível aos mais pobres que sequer possui direito a crédito para conseguir comprá-la. 

Em razão da insuficiência de políticas públicas, a ocupação de áreas remanescentes de loteamentos informais ou clandestinos é uma realidade nas grandes cidades brasileiras e o Município Belo Horizonte não foge à regra. Essas áreas se consolidam com o tempo e seus moradores e suas edificações tornam-se parte da paisagem urbana, agregando-se à cidade, utilizando-se da infraestrutura do entorno e até mesmo dos serviços públicos disponíveis como serviços de água, esgoto, iluminação pública, coleta de lixo que são paulatinamente conquistados após a implantação de fato do loteamento. 

A despeito de uma aparente segurança da posse proporcionada pelo decorrer do tempo, ocupantes de áreas loteadas que seriam destinadas a equipamentos públicos podem ser objeto da fiscalização do Município, em nome do exercício de seu poder polícia, e notificados para desocupar os imóveis em razão da suposta natureza pública dando origem a um conflito entre o interesse do Município em proteger o patrimônio público, com fundamento legal no direito público, e o interesse do morador em manter a sua posse com fundamento no direito público subjetivo à regularização fundiária. 

Como salientado por David Harvey (2014), o direito à cidade pode ser um conteúdo vazio e em disputa por diversos agentes, no caso, pelo próprio Município em nome da regulação dos usos e ocupação do solo urbano de acordo com as diretrizes traçados nos projetos aprovados, embora não registrados, e, por outro, dos munícipes com fundamento em seu nobre direito à moradia. 

Todavia, o direito à cidade em disputa, não pode ceder às pressões que transformam as cidades em constantes palcos de urbanização para absorção do excedente do capitalismo e sua máquina de gentrificação social em detrimento daqueles que a ocupam com fins de moradia e possuem direito de reivindica-la buscando a sua permanência nos locais usados, informalmente, para fins de moradia. Os cidadãos pobres que ocuparam esses espaços fazem parte da história de urbanização da cidade, e devem buscar, ao menos, direitos indenizatórios, respeitando o conteúdo de aquisição de direito real com fundamento na regularização fundiária. 


3. Da averiguação de registro das áreas alegadas de natureza pública pelo ente municipal

O Município de Belo Horizonte tem considerado como públicas áreas apontadas em cadastro de planta de loteamento aprovado por parte do Poder Público que não foram levadas à registro público pelo loteador e tampouco pelo Município. Nessas circunstâncias, o Município tem a previsão de ruas ou áreas de equipamentos públicos em seus cadastros de plantas, mas que não foram implementados de fato e, logo, afetados a uma finalidade pública, mas somente previstos para serem instituídos em mapa e sem registro público. Quando esses locais são ocupados para fins de moradia, por vezes, os moradores são notificados pelo poder público para demolirem o imóvel ou são processados judicialmente. 

A pretensão reivindicatória do Município nas circunstâncias acima está equivocada, pois de acordo com a interpretação literal do artigo 22 da Lei 6766/79 as áreas para passarem ao domínio público necessitam do devido registro, inclusive os parcelamentos aprovados por iniciativa do Município. O artigo 22 da Lei 6766/79 dispõe: 

"Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. Parágrafo único. Na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, por meio da apresentação de planta de parcelamento elaborada pelo loteador ou aprovada pelo Município e de declaração de que o parcelamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público, que passarão dessa forma a integrar o seu domínio (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)." 

De acordo com o artigo 22 da Lei 6766/79 é exigido o registro do loteamento para que as áreas destinadas ao uso púbico passem a integrar o domínio do Município. De acordo com o sítio Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, citando João Baptista Galhardo, as áreas públicas podem ter uma matrícula original: 

"Nada impede que, registrado o loteamento, seja aberta em nome do Município a matrícula das áreas públicas, noticiando, é claro, como registro anterior o do loteamento lançado na matrícula original, consignando-se ainda a sua destinação. As Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo deixam a critério do Registrador a abertura de matrícula para as vias e praças, espaços livres e outros equipamentos urbanos constantes do memorial descritivo e do projeto (Cap. XX, 175 [p. 562])." 

Ainda segundo o sítio, o artigo 195-A da Lei 6015/73 possibilita a abertura de matrícula para imóveis públicos ainda que o loteamento não esteja inscrito ou registrado.

Importante esclarecer que não estamos aqui tratando de áreas afetadas a uma finalidade pública, ou seja, de vias públicas estabelecidas de fato ainda que fruto de loteamentos que não foram registrados, ou seja, clandestinos, mas de áreas previstas somente em cadastros de planta aprovados pelo Município, cujo loteamento não foi registrado pelo loteador ou pelo Município, de sorte que o Município não tem o registro das supostas vias ou áreas públicas da área ocupadas para fins de moradia por pessoas hipossuficientes. 

A propriedade não se presume e não pode ter fundamento em planta não registrada. O loteamento ou o parcelamento implantado tem que ser levado a registro público e, quando não registrado pelo loteador, o Município deve requerer o seu registro como condição para que as áreas destinadas a uso público passem a integrar o seu domínio. 

De acordo com o artigo 4º da Lei 6766/79, cabe ao loteador destinar parte da gleba para a implantação do sistema de circulação (vias públicas), de equipamento urbano e comunitário, bem como espaços livres de uso público. A localização das áreas destinadas aos equipamentos urbanos e comunitários e áreas livres de uso público podem ser indicadas pelo Município durante o processo de aprovação do projeto de loteamento (Lei 6.766/79, art. 6º). Essas áreas passam para o domínio do Município no momento do registro do loteamento junto ao Cartório de Registro de Imóveis (Lei 6.766/79, art. 22) ou também na hipótese de parcelamento do solo implantado e não registrado, o Município poderá requerer, mediante a apresentação da planta, e a declaração de que o loteamento se encontra implantado, o registro das áreas destinadas a uso público que passarão a integrar o domínio do ente municipal (parágrafo único do artigo 22) 

Em sentido oposto, ou seja, em lide em que se exige que o Município desobstrua suposto espaço previsto em planta (não registrada) que estaria ocupado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que, se não há registro, o Município não tem responsabilidade e, por consequência, direito/dever de exigir a desocupação: 

"EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - DESOBSTRUÇÃO DE VIA PÚBLICA - INVASÃO DE PROPRIEDADE PARTICULAR - LOTEAMENTO PARTICULAR - VIA PÚBLICA NÃO IMPLANTADA - INEXISTÊNCIA DE PROVA DO DIREITO INVOCADO. 1- A competência constitucional para promover o ordenamento territorial local é do Município (CF/88, art. 30, VIII); 2- Compete ao Município promover a delimitação da zona urbana, o traçado urbano, marcando o arruamento - atual e futuro, todavia, no caso de loteamento particular, o traçado deve ser efetivado pelo loteador; 3- As áreas públicas em loteamento particular passam a integrar o domínio do Município após o registro do loteamento (art. 22, Lei 6.766/79); 4- É do autor o ônus da prova do seu direito; 5- Diante da informação do Município de que não foi implantada a via pública no local reclamado, não pode ser responsabilizado por eventual obrigação de fazer, consistente em promover a desocupação da área, ou de indenizar. (TJMG - Apelação Cível 1.0079.14.071752-5/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/05/2018, publicação da súmula em 29/05/2018)."

Nos casos em que não houve um loteamento registrado no Cartório e tampouco demonstração pelo Munícipio de que houve aprovação do loteamento, o que é comum, mas o cadastro da planta aprovado posteriormente a um loteamento de fato, cabe ao Município requerer o registro das áreas públicas junto ao Cartório, nos termos do parágrafo único, do artigo 22, o que não seria possível em relação à parte da rua não construída, mas ocupada para fins de moradia. 

Superada a tese do Município de que não pode exigir a remoção do morador de área que não é de domínio público, ainda que estivesse prevista em planta aprovada mas não implantada ou registrada, resta a opção de desapropriação se houver justificativa de uma finalidade pública que prepondera sobre o interesse do particular, desde que garantida a justa e prévia indenização em dinheiro, conforme artigo 182 da Constituição Federal.


4. Do direito à cidade: urbanização como valorização da propriedade e regularização fundiária

Em sua obra, Cidades Rebeldes, do direito à cidade à Revolução Urbana, Harvey explica como a urbanização desempenha papel ativo ao absorver mercadorias excedentes que os capitalistas não param de produzir em sua busca por mais-valia. A abertura de vias públicas ou obras são importantes para o setor da construção civil, para a indústria de cimento, a título de exemplos. As obras públicas de urbanização da cidade proporcionam a circulação de riquezas, mas não devem ser realizadas à custa de uma gentrificação social, pois a Constituição Federal garante a dignidade humana como diretriz de todo o ordenamento jurídico que deve ser perseguida pelos entes públicos. 

Ainda que a pretensão do Município, em cumprimento ao seu poder de fiscalização, seja apenas o de averiguar a ocupação de terrenos ou áreas públicas, de acordo com os cadastros de plantas, e reivindica-las de quem as ocupa, em muitos casos pessoas pobres, podemos refletir que esse movimento pode representar uma gentrificação da população que ocupa esses lugares, se eles forem transformados como oportunidades de investimentos capitalistas, ainda que de acordo com o interesse público, em desrespeito aos direitos adquiridos por essa população cuja remoção se reivindica. De acordo com Harvey (2014, p. 50): 

"A absorção do excedente por meio da transformação urbana tem, contudo, um aspecto ainda mais sombrio, uma vez que implica uma grande recorrência de reestruturação urbana por meio de uma “destruição criativa”. Quase sempre, isso tem uma dimensão de classe, pois em geral são os pobres, os desprivilegiados e marginalizados do poder político os que sofrem mais que quaisquer outros com esse processo."

Sustenta-se que o equilíbrio entre o interesse público e o interesse privado, sobretudo quando há direitos públicos subjetivos, deve ser buscado. Como salientado, o Município não deve reivindicar áreas previstas como públicas em mapas, mas sem registro, sem o devido respeito aos direitos adquiridos dos moradores que fizeram ali seu espaço de moradia. 

O ordenamento pátrio prevê que a ocupação de espaços públicos ou privados para o fim de moradia gera direito à regularização fundiária, que é um direito público subjetivo de moradores de assentamentos ou núcleos urbanos informais, como previsto na Lei 13465/2017 (artigo 9º), quando a posse do local, sem contestação, ou seja, mansa ou pacífica, se completa por um determinado período de tempo. A regularização fundiária importa tanto na titulação dos ocupantes, gerando direito real por meio de diversos instrumentos como a usucapião, legitimação fundiária ou concessão especial de uso para fins de moradia, como também implica no direito à urbanização para melhoria das condições de ocupação. 

Dessa feita, a regularização fundiária também pode representar uma oportunidade de transformação da cidade e de circulação de capital, mas com respeito ao direito dos moradores que por meio da posse fizeram do local sua moradia ainda que destituídos de títulos de propriedade.


5. Conclusão

A pretensão municipal de reivindicar como públicas áreas previstas em cadastros de plantas aprovados, mas não levadas à registro deve ser refutada em face de uma interpretação literal do artigo 22 da Lei 6.766/79 que exige o prévio registro das áreas públicas oriundas de um loteamento.

Essa interpretação literal vai ao encontro de uma leitura inclusiva do direito à cidade proposto por Harvey onde, apesar da disputa por vários interesses, deve-se buscar uma apropriação das mais valias por quem trabalha e também contribui para a criação das cidades. 

A remoção de várias famílias que ocupam áreas previstas como públicas em cadastros de plantas não registrados é gentrificação social que deve ser evitada ainda mais quando tais áreas não estão registradas, devendo, o Poder Público examinar a possibilidade de realizar a regularização fundiária ou a desapropriação, se houver interesse público em de fato tornar esses espaços ocupados afetados a uma finalidade pública, após a desapropriação, e proceder ao devido registro da área. 


Artigo publicado no livro “Temas de Direito à Moradia”.


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