Ooops... Deu excesso de bagagem.
“Neste momento, às margens do rio Sena junto à maison de la radio os termômetros marcam 3 graus.” Assim eram as minhas manhãs turbulentas e ruidosas numa família de seis pessoas e um único banheiro. Sem contar a musiquinha na rádio Jovem Pan AM que teimava em lembrar o quanto estávamos atrasados, sempre: “vão bora, vão bora, olha a hora, vão bora...”. Mas o correspondente Reali Júnior sempre tinha a minha atenção, era um magnetismo que me transportava para um mundo naquele momento desconhecido para mim, mas que de alguma forma me interessava, lembro em novembro de 1989 no dia em que ele falou sobre a queda do muro de Berlim, algo ao mesmo tempo distante fisicamente e próximo pois como muitos, os meus avós vieram de Portugal refazer a vida no pós guerra. Às vezes que tive a oportunidade de visitar Paris sempre foi inevitável lembrar do Reali.
Minha mala passa facilmente na volumetria e peso de bagagem de mão, não fossem as regras de segurança que não permitem uma simples pasta de dente na bagagem de mão, eu nem passaria pela infinita espera para pegar a mala quando chegar em Sampa.
Poucas coisas realmente prendem a minha atenção na hora das compras, definitivamente eu não dedico muito tempo para este tipo de terapia. Isso justifica a minha diminuta bagagem.
Agora a quantidade de aprendizados, o excesso de bagagem cultural e as inspirações que trago com as vivências certamente se colocados na ponta do lápis, estariam muito além da conta, para minha alegria, o espaço que o conhecimento ocupa não aumenta a volumetria da minha bagagem, nem derrete como ação na bolsa, muito menos como o IPO da UBER ou da Netshoes, ela cresce como investimento conservador de longo prazo.
É curioso perceber as sutilezas em cada cultura, e Paris tem muitas, por exemplo: no metrô vi muitas pessoas entretidas em seus smartphones, mas também vi uma quantidade enorme de pessoas de todas as idades lendo livros impressos. Isso mesmo, livros de papel.
Acho bonito ver muitas mulheres assumindo os seus cabelos grisalhos com naturalidade, em sua maioria são cortes curtos e muita elegância. Nada contra quem pinta ou deixa o cabelo ao estilo Rapunzel, é só uma observação, ou se preferirem uma sondagem estatística. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...” como disse Caetano. A questão é como eles procuram envelhecer com saúde naturalmente.
Agora dá para competir com crianças do ensino fundamental tendo aulas de história da arte dentro do Louvre ou do d’Orsay? Ou então sentado ao seu lado na Ópera um senhor saca a partitura da peça só para acompanhar, e aí se alguém errar uma nota. Aqui a educação é levada muito a sério simplesmente porque eles pensam nas futuras gerações, em desenvolvimento de pesquisas, que viram patentes, que impulsionam a indústria que movimenta o comércio. Simples né?!
Aqui também tem carrão rodando pelas ruas, o que percebo é a absoluta falta dos buracos nas ruas para dar mais emoção ao volante. Mas a maioria prefere mesmo é andar de metrô, e não é só uma questão de grana não, é que não precisa de carro mesmo para se mover pela cidade, e a indústria automobilística acelera para encontrar novos caminhos. Ah! os patinetes elétricos e as bikes de aluguel estão dominando a paisagem nas calçadas, acho feio, mas é bom para a mobilidade urbana.
Os apartamentos estão ficando cada vez menores, mais funcionais, mais inteligentes e os arquitetos e designers abusam da criatividade, com espaços compartilhados e de convivência. Aqui também possuir vem sendo substituído por usufruir.
Paris vem se tornando um polo de tecnologia e economia criativa muito importante na região, é uma das plataformas do atual governo.
A quantidade de startups baseadas em tecnologia e com visão global de negócio não faz vergonha nenhuma para o vale do silício, a China ou Israel. Em breve vamos ouvir mais sobre os resultados desses investimentos em empresas globais francesas.
Ao mesmo tempo que o savoir vivre está no DNA dos franceses, e com certeza as sinapses vão também impregnar os algoritmos através de machine learning e inteligência artificial. É assim que funciona, e aqui não será diferente.
Mas a França também vive os seus extremos, e domingo, dia 26 os franceses elegeram o partido de extrema direita liderado por Marine Le Pen para o parlamento europeu. Um sinal claro do pêndulo da história que ao se mover dessa forma mostra como a polarização pode ser perigosa. O problema não é a direita ou a esquerda, mas o “Extrema”.
Falar sobre vinho e gastronomia daria um longo capítulo, o interessante é que o fast food, os enlatados não tem muita vez não. E aquela história de que os pratos são minimalistas passa longe da maioria dos restaurantes. Mesmo assim não é uma população com grandes problemas de obesidade, além de Paris ser uma verdadeira pista de corridas para os amantes das corridas de rua, e como eles correm.
Aos que leram até aqui, os meus mais sinceros agradecimentos. Enquanto aguardo a decolagem da aeronave, escrevo quase como quem costura uma colcha de retalhos de apontamentos de viagem, que a princípio não tem importância a não ser para mim mesmo. E compartilho porque uma das coisas importantes que trago na bagagem desta viagem é que nenhuma sociedade por mais tecnológica que ela pretenda ser, irá de fato se desenvolver em qualquer área do conhecimento sem uma educação básica com qualidade para todos. Essa é uma responsabilidade de todos nós, sem partidos ou bandeiras. Os governantes vão e vêm, quem fica somos nós e o legado que deixamos para as futuras gerações.
Assim me sentindo um pouco o Reali Júnior, retorno com excesso de bagagem, revigorado e com muito tesão para enfrentar os desafios de empreender em nosso país.
Até porque onde falta estrutura, sobram oportunidades.