Operação Carne Fraca: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”

Operação Carne Fraca: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”

César se casou com Pompeia em 67 a.C., depois de ter servido como questor na Hispânia, já viúvo de sua primeira esposa, Cornélia, que morrera no parto de um filho natimorto. Em 62 a.C., Pompeia realizou um festival em homenagem a Bona Dea ("boa deusa"), no qual homem nenhum poderia participar, em sua casa. Porém, um jovem patrício chamado Públio Clódio conseguiu entrar disfarçado de mulher, aparentemente com o objetivo de seduzi-la. Ele foi pego e processado por sacrilégio. César não apresentou nenhuma evidência contra Clódio no julgamento e ele acabou inocentado. Mesmo assim, César se divorciou de Pompeia, afirmando que "minha esposa não deve estar nem sob suspeita".

Esta frase deu origem a um provérbio, cujo texto é geralmente o seguinte: "À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta". (Wikipédia)


Não faltam menções e reportagens sobre a Operação Carne Fraca nesta semana, tentando explicar e atualizar os leitores sobre os últimos andamentos desta.

Na revista Veja deste fim de semana foi publicado na secção Página Aberta um texto de Roberto Giannetti da Fonseca “Navalha na Carne”. Em linhas gerais ele critica de forma contundente a Operação; como no trecho abaixo copiado:

“Diante da desastrosa Operação Carne Fraca da Policia Federal e do Ministério Público, conseguimos o inédito feito de destruir em um dia o árduo trabalho de décadas. É claro que o desvio de conduta de algumas poucas empresas e de alguns funcionários públicos deve ser alvo de investigação e de severa punição. Mas isso poderia ser resolvido com rigor numa delegacia da PF, sem sensacionalismo, sem pirotecnia, sem autofagia. Esta na hora de responsabilizar também os funcionários públicos que, a pretexto de estar defendendo a população brasileira, agem de forma irresponsável e inconsequente, o que causa um prejuízo bilionário ao país e aos milhares de produtores agropecuários. Isso para que fatos como esse não voltem a se repetir.”

Será?

Respeito muito o colega, e entendo que houveram alguns excessos e até erros bizarros. Basta ver que o episódio do papelão foi pura falta de informação ao se interpretar uma conversa; bem como a adição de produtos químicos, os quais são permitidos dentro de um percentual; ou até a questão da adição de carne de cabeça aos embutidos.

E aqui eu começo a fazer a minha ponderação.

Quando se afirma que o “desvio de conduta de algumas poucas empresas e de alguns funcionários públicos” não compromete o todo; eu faço a seguinte provocação: Quem são essas “poucas” empresas? Essas empresas são algumas pequenas empresas locais e dois dos maiores conglomerados do setor; a JBS e a BRF. Então eu pergunto. Qual o tamanho da fatia de mercado que pertence a cada uma? É uma fatia imensa. Ou seja, não são tão poucos os consumidores destas “poucas empresas” que podem ser potencialmente afetados.

Não há como uma investigação dessas não tomar o tamanho no imaginário popular que tomou. Muito menos, imaginar que empresas como a JBS e a BRF sendo investigadas não iriam por si só ter muita publicidade, independendo do tipo de “erro ou fraude” que está sendo investigado.

Saber que, talvez alguns produtos das marcas mais consumidas possam estar fora de padrão; ou ainda, não sendo efetivamente analisadas e certificadas da forma correta; deixa as pessoas cautelosas (eu fiquei; e muito). E o mesmo raciocínio também se aplica aos Importadores. Estamos falando de comida; isso impacta diretamente a saúde da população. Não há como não ter uma imensa repercussão sobre a Operação.

Agora, se efetivamente ocorreram excessos e erros, eles devem ser apurados e os envolvidos punidos. Quanto a isso não há a menor dúvida. Entendo que a PF poderia ter checado melhor todas as informações antes de torna-las públicas, bem como, detalhar os fatos referentes a cada empresa investigada. Mas isso não invalida a Operação, e a culpa do prejuízo não pode ser atribuída à PF, como muitas vezes está sendo insinuado.

Operação Carne Fraca

Nesta edição da revista Exame, existe um quadro numa reportagem que menciona as possíveis infrações da JBS e da BRF:

Sobre a JBS: “(Friboi, Seara e Big Frango). Três empresas do grupo JBS estão sendo investigadas pela Polícia Federal, sendo duas no Paraná e uma em Goiás. A empresa não informou a importância das plantas para sua produção total. O funcionário Flávio Cassou, da fábrica da Seara em Lapa, no Paraná, está preso preventivamente, e a empresa é acusada de irregularidades no procedimento de certificação sanitária."

Sobre a BRF: “em Mineiros (GO). O frigorífico responde a cerca de 5% do total produzido pela BRF, o que equivale a 230.000 toneladas de carne por ano. A fábrica em operação desde 2006, trabalha com carne de frango e peru, inclusive com exportação para mercados como Canadá, União Europeia, Rússia e Japão. A empresa está sendo investigada por: corrupção, embaraço da fiscalização internacional e nacional e tentativa de evitar suspensão de exportação. O gerente de Relações Institucionais da empresa, Roney Nogueira dos Santos, e o diretor para o Centro-Oeste da BRF, André Luis Baldissera, estão presos preventivamente."

Lendo o quadro acima da Exame, percebemos que não é assim tão leviana a Operação.

A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta

O risco reputacional é uma das maiores fontes de preocupação de executivos. E se não é, deveria ser. A imagem da empresa pode afetar o seu valor e a percepção de seus stakeholders de forma profunda.

Numa crise como a instaurada pela Operação Carne Fraca os impactos são imensuráveis. E retomar este mercado pode ser custoso e demorado.

No mundo atual de extrema exposição das mídias, onde o mercado é globalizado, não podemos nos dar ao luxo de operar fora das regras de cada setor, e da legislação local e global (já que estamos falando de plataformas exportadoras). O mundo mudou. Práticas que antigamente eram comuns, não podem mais ter espaço no panorama atual. Ficar falando que “todo mundo faz assim” não vai servir de defesa num eventual processo de violação à legislação anticorrupção.

O que nos leva a uma outra ponderação.

Violação da legislação anticorrupção local LEL e do FCPA

Além das violações de possíveis fraudes e adulteração; se for confirmado que tanto a JBS como a BRF pagavam propina, ou entregavam carne a autoridades para obter suas permissões e licenças (?!?!), estamos nos deparando com violação da LEL e do FCPA.

Ambas empresas possuem ADRs negociadas no mercado americano, e isso determina competência para o FCPA. No mais, ações de investidores americanos já estão sendo preparadas, de acordo com reportagem da Folha e Exame abaixo, ocasionadas pelas perdas de valor das ações provocadas pelas supostas fraudes e violações cometidas por ambas.

Concluindo

Empresas globais não podem se dar ao luxo de operar fora do padrão legal; seja do mercado nacional, seja dos mercados internacionais onde tem atuação, ou competência instaurada (como é o caso do FCPA).

A questão de estarem em setores com alta exposição à Corrupção, não pode ser desculpa para “entrar no esquema” e “fazer como todo mundo faz”. Isso custa muito caro, seja o Dano Reputacional, ou multas por violação da LEL e do FCPA (sem mencionar outras possíveis legislações e competências).

O caso do Walmart é bem conhecido e relativamente parecido na questão das licenças. A rede de mercados pagou propina para várias autoridades locais do México para obter suas licenças de operação. Quem atua na área sabe o quanto custou para a empresa a violação ao FCPA.

Se ficar provado que a JBS e a BRF pagavam propina para obtenção de suas licenças e certificados, poderá amargar o mesmo prejuízo. Fora a violação à legislação local.

À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta... No entanto, me parece que no presente caso os danos não serão somente reputacionais.

Nina Cartaxo



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