Oportunidades para Pequenas IES no Novo Mercado de Ensino Superior
Muito antes desta crise da COVID-19, já se falava sobre os desafios de sobrevivência enfrentados pelas pequenas Instituições de Ensino Superior no Brasil, principalmente aquelas localizadas em municípios mais distantes dos grandes centros urbanos e com baixo IDH.
Verdade seja dita, como qualquer setor econômico, o da Educação Superior passa por períodos alternados de crescimento com outros de dificuldades. Contudo, desde 2015 três foram as dificuldades importantes impostas ao setor: a crise do Fies (que reduziu a viabilidade de ingresso no Ensino Superior privado presencial da população mais humilde), o rápido avanço do estudo na modalidade EAD (oportunidade maior para as IES com elevado poder econômico e/ou com estruturas organizacionais mais robustas) e a crise socioeconômica e política do país.
O encontro destes três motivos de dificuldade, ainda, oportunizou o ressurgimento, com maior intensidade, de uma guerra de preços de mensalidades com fins de atrair a atenção e a matrícula dos alunos. Além de simplista, esta solução é ineficiente do ponto de vista da sustentabilidade do negócio, apesar de ser um cenário comum quando se tem excesso de oferta.
A crise da COVID, por fim, se juntou a este contexto, formando uma espécie de “tempestade perfeita”. A pandemia acrescentou ainda mais dificuldades aos caixas das mantenedoras e acarretará o acirramento das disputas comerciais entre as IES para o próximo processo seletivo, tornando as pequenas Instituições (que descrevi no início deste texto) ainda mais vulneráveis.
Um possível termômetro para avaliar a capacidade de sobrevivência destas IES pelo Brasil é o Diário Oficial da União, por meio dos pedidos de descredenciamento voluntário de IES ou pelas sanções de descredenciamento por parte do Governo Federal, ainda que este último tenha diversos outros motivos possíveis para sua existência.
Nos primeiros meses deste ano eu percebi o deferimento de muitos pedidos de descredenciamentos voluntários que, evidentemente, não foram solicitados agora, mas são reflexo destes 2 ou 3 últimos anos difíceis vividos pelo setor. Observe o Gráfico 1 abaixo que compara estes atos regulatórios entre 01 de janeiro de 28 de abril dos últimos 3 anos:
Gráfico 1: Total de descredenciamentos de IES entre janeiro e abril (2018-2020)
É bastante nítido pelo Gráfico 1 que houve um aumento importante, tanto da atuação do Governo Federal quanto aos descredenciamentos chamados “punitivos” após devida apuração dos fatos (aplicação da Lei do SINAES), quanto nos pedidos voluntários de descredenciamentos.
Não vou me prender aos descredenciamentos punitivos neste texto, embora seja relevante ressaltar que 49% das IES que estão nesta categoria pertenciam à mesma mantenedora, o que não muda o olhar geral, mas modifica a intensidade do quadro.
Sobre o foco deste texto, o aumento dos descredenciamentos voluntários me fez querer entender um pouco mais sobre qual seria o perfil destas IES e o que as teria levado a estarem mais frágeis e, principalmente, que oportunidades deixaram de ser percebidas por estas para que seus respectivos descredenciamentos não fossem necessários.
Primeiramente, separei estas Instituições em duas categorias: pertencentes à grupos educacionais (mantenedora com 2 ou mais mantidas) ou Faculdades Isoladas (mantenedora com mantida única). O Gráfico 2 a seguir mostra esta separação.
Gráfico 2: Perfil das IES que solicitaram descredenciamento, por número de mantidas
Pelo Gráfico 2 é possível perceber que a maior parte destes descredenciamentos voluntários foram solicitados por mantenedoras com mais de uma mantida, inclusive por grandes grupos educacionais. Entendendo que os motivos que levam ao descredenciamento voluntário das IES são muitos, mas majoritariamente tem relação com a captação, a permanência de alunos, os valores das mensalidades e os custos operacionais, ter grupos educacionais como maioria foi um achado, até certo ponto, surpreendente. Digo até certo ponto porque muitas das IES aqui classificadas pertencem a grupos de duas ou três Instituições locais que, por vezes, acabam se comportando como faculdades isoladas do ponto de vista da metodologia de gestão.
Mesmo considerando que algumas destas mantidas pertenciam à grupos pequenos regionais, este fato indica o que venho conversando com gestores há cerca de 5 anos, pelo menos: (1) marketing de massa isoladamente não capta mais alunos como outrora, (2) cursos ou experiência universitárias ruins na avaliação dos alunos geram evasão elevada (o aumento da concorrência trouxe mais opções aos alunos) e (3) valores de mensalidades desequilibrados levam uma IES à ruína financeira.
1) Marketing de massa não capta: Se a IES não se propuser a entender quem é seu público-alvo local real, o que desejam e precisam, não souber se relacionar “individualmente” com cada um e não conseguir entregar um valor de marca que justifique a preferência por ela (dentre tantos concorrentes), a captação não vai funcionar. Mesmo com muito dinheiro investido!
Para isso, minimamente, a IES precisa se preocupar em trabalhar com dados, com processos de automação bem elaborados, com inteligência de mercado e com estratégias de marketing digital muito próximas as boas práticas existentes no mercado dentro e fora do setor educacional.
Pareceu a você que as pequenas (com menor capacidade de investimento) estão fora deste novo mercado? Engano de quem assim concluiu.
A oportunidade de captar bem das pequenas IES está justamente em se aproveitar dos espaços que os grupos acabam quase sempre deixando para este tópico: a capacidade de entendimento e de relacionamento do público real local. Grupos educacionais investem mais em tecnologia e automação, que são ferramentas caras e que garantem, ainda, bons níveis de performance para o perfil de negócio mais pulverizados que eles possuem, já que não é economicamente viável ter equipes em quantidades suficientes para se dedicar a produzir campanhas especificas para cada localidade.
Assim, as pequenas que investem em inteligência de mercado, capacidade de relacionamento e inteligência de marketing digital conseguem, com muito menos investimento, captar tão bem quanto ou melhor que os grupos educacionais. Estes itens que citei são mais baratos, estratégicos e personalizados, capazes de fazê-las competir em igualdade de condições.
Conheço (e participo) de inúmeros cases neste sentido. Acredite: funciona!
2) Cursos ou experiências universitárias ruins: Neste aspecto, os grupos educacionais chegam com seu portfólio padrão de cursos e os implantam, geralmente, em edificações alugadas e compactas (foco em resultado operacional).
A oportunidade das pequenas locais é que elas podem utilizar de estudos de inteligência do mercado local para ofertar um portfólio de cursos atraente para a região onde se situa, com cursos realmente diferenciados do padrão geral (mas eficientes em termos de custos) e focar em uma experiência universitária que faça os alunos se sentirem realmente em uma universidade e não em uma “escola de ensino superior”.
Vida universitária conta muitos pontos na preferência dos estudantes. Marcas locais podem levar vantagem!
Algo que pude perceber que une as IES pequenas (inclusive as de grupo) que solicitaram descredenciamento voluntário era a disponibilidade de um portfólio de cursos ultrapassado ou inadequados para o novo momento de mercado, com alta prevalência de cursos presenciais que perderam espaço no share da captação em geral.
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Nas pequenas locais isoladas, em nenhum caso, havia credenciamento para oferta de cursos na modalidade EAD e nem tampouco o aproveitamento de 20% da carga horária dos cursos ofertados presencialmente, nesta modalidade (na época das solicitações, ainda não era permitido o uso de 40%).
Não que eu esteja dizendo que a solução de todos os problemas é ingresso no EAD. Mas a união de um portfólio de curso atraente ao mercado local, com boa quantidade de hibridização, qualidade (experiência) e preço competitivo, junto à boa oferta de cursos EAD apropriando-se do território de propriedade da marca local e com foco em atrair um público complementar ao presencial, é importantíssimo (tanto que todas as que se descredenciaram estavam em desacordo com esta filosofia).
Mais uma vez eu digo: acredite, funciona!
3) Valores de mensalidades equilibrados: Verdade seja dita, quem determina o preço justo por um produto ou serviço, hoje, é o consumidor. Fato é que com a guerra de preços e a perda de rendimento das famílias, a percepção de preço justo fica tendenciosa para parcelas mensais mais baixas.
O contraponto é que quanto maior for a capacidade da IES de garantir o item 2 acima, menos ela precisa competir na guerra de preços. Isso não significa, contudo, que ela não tenha que entender o movimento de mercado e se curvar à tendência. Apenas significa que, ainda que tenha extrema percepção de qualidade, a elasticidade do valor de suas mensalidades precisa ser auferida com constância, a partir do preço real praticado pela concorrência.
Se o preço justo para as parcelas das mensalidades na sua praça não garante as margens necessárias para girar o negócio, então a IES vai precisar rever os custos “do produto” para reposicioná-lo. Se mergulhar na guerra de preços sem o devido ajuste interno de margens ensejará em um perigoso desequilíbrio financeiro para a sustentabilidade da Instituição, ignorar os anseios do mundo real também não trará bons resultados. A chave é o encontro deste equilíbrio.
Neste aspecto, geralmente, os grupos educacionais levam grande “vantagem” já que seus produtos padrão já tem seus pontos de equilíbrio agressivamente ajustados. As pequenas IES isoladas locais precisam se debruçar seriamente sobre este delicado tema de equilíbrio entre qualidade e custo para buscar a sobrevivência.
Repare que jamais digo “apenas” custo como variável de análise. Pequenas IES sem o item 2 acima (percepção de qualidade de curso e experiência universitária) não serão capazes de sobreviver. Veja o quadro abaixo que revela os Conceitos Institucionais e Índice Gerais de Cursos das IES descredenciadas em 2020:
Independentemente da opinião de cada um sobre a capacidade de cada indicador oficial medir a qualidade dos cursos ou das Instituições, outro fato que parece haver em comum dentre estas IES é que não possuíam indicadores de qualidade satisfatórios quando das suas avaliações externas. Estes resultados me fazem supor que a percepção local de qualidade também não era das melhores, na maioria dos casos. Por isso, apenas preço bom não ajudará estas IES.
Equilibre seus custos com inteligência e coragem para garantir a qualidade sem sacrificar os cofres da IES. Isso permitirá que o valor da parcela mensal de seus cursos seja competitivo e a sua Instituição, garantidos os itens 1 e 2 acima, consiga seguir aumentando sua captação e seus resultados operacionais.
Adivinha como eu termino este item? Dizendo: acredite, funciona!
Por fim, separei as IES descredenciadas voluntariamente de acordo com a sua localização, diferenciando aquelas localizadas em capitais, das localizadas em municípios do interior. O Gráfico 3 mostra o resultado desta estratificação ora proposta:
Gráfico 3: IES com descredenciamento voluntário, por localização
O Gráfico 3 justifica a preocupação inicial deste texto: IES localizadas em municípios mais distantes dos grandes centros urbanos e/ou com baixo IDH. Os grandes centros, apesar de terem maior concorrência, também possuem mais empregos, dinheiro circulando e consumidores disponíveis, ainda que em quantidades mínimas.
Por outro lado, os municípios menores sofrem mais com as crises. Especificamente falando destes descredenciamentos publicados em 2020, a maioria das IES está nas regiões sudeste e sul (principalmente no interior de MG), justamente onde a concorrência está mais acirrada.
Outro ponto que envolve este cenário de é que os municípios menores, geralmente, são menos atraentes para fixação de grandes talentos profissionais, o que encarece os custos para que estas IES contratem profissionais referências no mercado em todas as áreas. Como consequência, estas Instituições acabam por investir alto nas suas lideranças, sem conseguir levar o mesmo nível de experiência para os demais níveis hierárquicos.
Pensando nisso, inúmeras são as empresas de consultoria especializadas ou de prestação de serviços terceirizadas que conseguem, de forma viável, auxiliar estas IES a terem acessos às melhores e mais atuais boas práticas de mercado, em todos os segmentos necessários.
Sempre é bom considerar este tipo de serviço como uma ajuda fundamental para a caminhada da IES na direção das oportunidades que este novo mercado educacional estão deixando abertas. Existem inúmeros casos de sucesso deste tipo de parceria no mercado!
Por fim, a COVID possivelmente abrirá um leque de oportunidades para as pequenas IES isoladas ou de grupo. A inteligência de mercado é quem pode ajudar as IES à identifica-los!
Sobre estas oportunidades, já com foco em nos preparar para a retomada das atividades presenciais, a AMPESC está promovendo um webinar gratuito para associados e amigos no próximo dia 05/05, em que poderei conversar com os gestores sobre estas e outras oportunidades possíveis para garantir uma boa retomada de atividades para as IES privadas que ofertam cursos presenciais.
As inscrições estão abertas no link abaixo e as vagas são limitadas. Garanta já a sua presença!
Este será um feriado de dia dos trabalhadores bem diferente do que estamos acostumados. Mas, ainda assim, desejo um bom feriado à todos!
Administrador | Consultor | Gestor de Projetos | Gestão | Executivo | Docente | Associativista
4 aMuito bom o conteúdo e faz todo o sentido! 👏🏻👏🏻
Diretora Acadêmica | Head de Educação e Empregabilidade | Tecnologias Educacionais | Legislação do Ensino Superior | Programas Educacionais de Graduação e Pós-graduação | Docência
4 aRodrigo Bouyer, um artigo excelente. Sua análise dos dados e o posicionamento crítico em relação ao cenário da educação superior foi perfeito. O seu artigo é referência. Parabéns.
Diretor Comercial
4 aRodrigo vc fala com maestria, e conhecimento inigualavel do que esta acontecendo com o ensino superior no Brasil, e que futuro esperam as IES👏👏👏👏👏👏
Planejamento e estratégia | Conteúdo, Marketing e Relacionamento | Jornada do Cliente | Copywriter e SEO
4 aExcelente artigo, Rodrigo! Infelizmente, grupos que não investem nas regrinhas básicas citadas no texto estão fadados à falência, agora, em um prazo ainda mais curto com essa mudança no mercado trazida pela crise da COVID-19. Parabéns! 👏🏼👏🏼👏🏼
Superintendente Fundação Educacional São José/SC
4 aRodrigo Bouyer , parabéns pelo estudo. As IES de pequeno porte, das quais muitas servem de “hospedeiras” para polos de grandes grupos, não são vítimas apenas do peso dos descabidos indicadores desproporcionais para sua categoria acadêmica mas muito, também, pela falta de entender esse mercado. Temos, ainda, muitos comerciantes nesse mercado. Precisam aprender, evoluir e “empresariar” o negócio!