OS DILEMAS DA TEXTUALIDADE NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL
Caros amigos, esse artigo resolvi escrever na forma de diálogo na intenção de que seja uma conversa franca e sem muitos rodeios. Mas tenham paciência porque o assunto é delicado e foi pensado e escrito em primeira pessoa. Por esse motivo o dividi em duas frentes: a estrutura de uma produção textual e o dilema da escrita no ambiente organizacional.
Contudo, eu gostaria também de deixar manifestado neste momento, antes de qualquer coisa, a minha profunda indignação com a maneira equivocada, e poderia dizer também niilista, com o qual estamos negligenciando a nossa língua portuguesa.
Posso pressupor que sou, acima de tudo, um entusiasta da erudição em relação à maneira como escrevemos e falamos. E notadamente, esse encantamento que muitos – como eu – têm pelo uso formal do nosso idioma tem se tornado cada vez mais diminuto quando o campo comunicativo de atuação é, curiosamente, no trabalho.
O que o mundo corporativo exige das mensagens por meios eletrônicos, mais comumente o e-mail, é que elas sejam rápidas e objetivas, sem tanto esmero, apenas contendo a comunicação com suas instruções, solicitações, alertas ou seus feedbacks. Simples assim.
Existem dois problemas nas exigências redacionais que citei no parágrafo anterior. Um é de que temos por obrigação escrever mensagens de texto com a linguagem gramatical imaculada, sem os erros e as abreviações que usamos frequentemente em redes sociais (o que é muito grosseiro e deselegante). Afinal, estamos nos comunicando com nossos colegas de trabalho, clientes e gestores e manter dentro da razoabilidade um repertório de palavras limpo e impecável deve ser imperioso.
No entanto, o inverso também pode ocorrer. Colaboradores que escrevem de maneira exacerbadamente prolixa, mas não necessariamente redundante. Esse era eu, aos poucos me transformando em “persona non grata”.
Mas a questão é muito maior do que se pensa porque, mesmo diminuindo no léxico, ainda assim é possível sentir uma frágil tensão no desconforto que permeia certas relações entre colegas, especialmente quando decorre na linguagem do trabalho textos elaborados de forma mais sapiente. É torturante para interlocutores desavisados. Todavia, sapiência não é em todos os apectos sinônimo de eficiência.
Aqui, neste ponto exato, é crucial que façamos uma pequena pausa para reflexão e lanço o desafio aos leitores desta irônica missiva: você realmente conhece a estrutura de uma boa redação? Escreva um texto, divulgue aos amigos de opinião mais honesta e solicite uma avaliação. As devolutivas irão te surpreender.
Antes de continuarmos essa prosa acho necessário entendermos que uma boa construção textual vai depender de três fatores importantes que os gurus da comunicação, com suas dicas valiosas sobre o mundo corporativo, simplesmente esquecem de mencionar ao público: os gêneros textuais, as tipologias textuais e o domínio discursivo.
O primeiro, entre esses três fatores, é o gênero textual, que esteve durante muito tempo ligado à categoria de gêneros literários até o início do século 20. Entretanto, o estudo dos gêneros e das tipologias textuais não é um assunto novo dentro das pesquisas de linguística aplicada. Alguns estudiosos dos gêneros textuais, por exemplo Swales (1990), vai definir da seguinte forma: “(...)Hoje, o gênero é facilmente usado para se referir a uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, sem aspirações literárias”.
Para linguistas mais contemporâneos como o póstumo professor Marchuschi (2008) os gêneros textuais se referem a práticas discursivas que servem para diversos tipos de regulação social e poder, pois o uso da textualidade, seja para falar ou para escrever, está intrinsecamente relacionado às nossas atividades cotidianas como, por exemplo, quando escrevemos um bilhete, um memorando, quando enviamos mensagens de texto por aplicativos em smartphones, correio eletrônico, quando lemos um outdoor na rua, bulas de remédio e até mesmo quando conversamos despretensiosamente com vizinhos no portão de casa.
Diria o saudoso Chacrinha: “quem não se comunica, se trumbica.”
O que ocorre hoje é que, sem perceber, mantemos contato direto com os gêneros textuais, que possuem um princípio de listagens abertas e denominações diversas tais como: carta, telefonema, sermão, e-mail, carta comercial, carta pessoal, reportagem, lista de compras, notícia impressa, notícia televisiva ou em meio eletrônico, cardápio, manual de instruções, inquérito policial, editais de concurso, monografia, histórias em quadrinhos, filmes, programas de TV, mensagens no WhatsApp, sites de streaming, etc. Os arranjos são incomensuráveis.
O segundo fator são as tipologias textuais. Elas pressupõem a construção teórica e tácita em um texto, definidas pelos aspectos gramaticais de sua composição.
Esses conceitos foram demais para você acompanhar? Relaxe, pegue um café, e venha comigo nessa viagem pela codificação e decodificação dos signos da linguagem.
Para elucidar tantas teorias vamos pegar como exemplo duas fábulas infantis, que em suas bases tipológicas estão inseridos os aspectos sintáticos, tempos verbais, coerência, estilo, etc. Dicas de leitura: "Chapeuzinho Vermelho" e "Mamãe Ganso". Vá em frente, crie coragem e releia atentamente esses contos que repetidamente vimos e ouvimos desde a mais tenra infância. O que se desvelará por trás das narrativas para cada um de nós pode ser assustador. Respire fundo.
Marchuschi então nos revela algo importante: “o tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.”
Resumindo: a tipologia textual fundamenta o gênero.
Em linhas gerais cada tipo de texto tem que seguir por um caminho gramatical correto, dentro de parâmetros mínimos da norma culta para que seja compreendido.
Por último teremos o domínio discursivo, que é em sua natureza mais voltado para as ações humanas do que uma classificação de gênero ou tipologia textual. Podemos citar como exemplo os discursos políticos, religiosos ou jurídicos, pois não abrangem um gênero ou tipologia específica e nessa instância discursiva é de onde se originam as categorias textuais.
Definiremos mais ou menos assim: o domínio discursivo tem mais a ver com as atividades sociais do Homem. Exemplifico, não obstante, o trabalho do jornalista que não é um gênero e nem uma tipologia textual, mas a prática que vai dar origem aos textos jornalísticos com seu tipo particular de redação, linhas de raciocínio, entonação, bem como sua linguagem gramatical.
Esses três pilares da construção redacional é que darão, finalmente, uma função social a escrita. Em outras palavras, ao escrevermos, a mágica deve acontecer e alguma coisa no mundo tem que mudar.
Pois bem, dito isso podemos voltar ao foco principal dessa conversa.
Como posso produzir ou reproduzir uma mensagem no meu ambiente de trabalho com todo o meu rigor intelectual e minha inteligência sem que isso se torne ou me torne uma ilha de pensamentos e reflexões desperdiçadas na solidão?
Para que você leitor entenda esse sentimento incontrolável de frustração vou lhes contar um caso.
Certa vez em um escritório onde eu trabalhava, meus chefes reclamavam dos meus e-mails. Não exatamente da mensagem, mas do aspecto verborrágico como eu escrevia. Embora, depois de muitos protestos, eu tivesse diminuído a prolixidade exagerada da minha escrita, ainda escapavam palavras de difícil entendimento para eles. O que pra mim era normal, pois eu sempre as usei cotidianamente como subterfúgio da língua e abusava dos jargões acadêmicos mais rebuscados.
Paguei o preço apanhando muito. Ganhei cicatrizes e inenarráveis experiências que viraram fotografias vivas no portfólio da vida.
E depois de tanto apanhar impiedosamente, aprendi uma triste, mas inexorável lição que me acompanhará até o fim dos meus dias: a arrogância catedrática corrobora para a cegueira intelectiva. Jogamos muita luz onde as sombras são extremamente escassas.
Durante o decurso da minha carreira profissional tenho esbarrado nesses dilemas morais: escrever bem e escrever difícil ou conjecturar com simplicidade e clareza? Eu devo diminuir meu nível epistêmico para falar com as pessoas ou elevar a intelectualidade e a reflexão de quem convive comigo?
Nunca cheguei a um consenso sobre essas dubiedades. Parece desatino, mas a literatura e a maneira sonhadora de produzir um texto em que as palavras tenham a cadência de uma dança se tornaram utopias longínquas.
A sociedade capitalista, por questões pragmáticas, exige um meio-termo. E deste modo, os pensadores pós-contemporâneos encontraram indubitavelmente o seu derradeiro inferno. Escrever.
Se você leitor também sofre dessa angústia, saiba que não está sozinho no mundo. Estamos juntos, navegando nesse barco sem bússola.
Mas eu tenho uma boa notícia. Talvez um álibi que nos ajude a resolver o mistério dessa equação infinitamente perscrutada por tantas variáveis.
Sem erros, posso afirmar que encontrei um ponto de equilíbrio nos textos que produzo. E é algo relativamente singular. Eu defino meu estilo textual de acordo com o público que pretendo atingir naquele momento.
Na ambiência corporativa pratico meu poder de síntese, em palavras simples e de forma objetiva. A erudição vai se encaixando aos poucos em doses homeopáticas durante as conversas com meus superiores, em reuniões de equipe e, acreditem, principalmente nos momentos de “happy hour” fora da empresa.
O que nos faz bons educadores é essa sutileza, que positivamente vai agregando na linguagem e nas abstrações reflexivas das pessoas o empoderamento da verdadeira sabedoria.
Certo. É aquele famoso trabalho de formiguinha? Sim meus amigos, precisamente isso. Educação é uma construção diária que lentamente nos guia pelas veredas do pensamento.
E se alguém conhecer outro caminho, mais rápido e com a mesma eficácia e destreza, por favor nos avise.
Mestra em História Social
6 aBem estruturado o seu texto Eliel, fui acompanhando sua ideia até que em um certo momento, me perdi, não consegui mais entender a proposta de seu texto, eu devo confessar que quando me achei acabei me identificando com seus antigos colegas do escritório rsrsrs. Entendo bem a sua fala, mas acredito que e-mail, mensagens, devem sim serem sucintas, bom pelo menos eu não consigo ler um e-mail longo e imagino o seu "sofrimento" tendo que diminuir o que escreve. Bom, eu particularmente, gosto de ser compreendida na minha fala, na elaboração dos meus argumentos, na forma de ser entendida - principalmente porque minha disciplina requer um certo grau de abstração - então, se para ser entendida eu tiver que usar gírias, falar de forma menos coloquial, soltar alguns palavrões, meu caro Eliel, farei isso sem pestanejar e assim vou construindo a relação. Afinal, somos seres sociais acima de tudo. Parabéns pela sua reflexão.