Os Intelectuais e a Sociedade
Livro: Os Intelectuais e a Sociedade
Autor: Thomas Sowell (1930-)
Professor de economia, atua em diversas instituições acadêmicas norte-americanas. Possui diversos artigos, ensaios, livros e uma coluna independente publicada em vários jornais dos Estados Unidos.
Resumo:
A sociedade é muito influenciada pelos intelectuais, que, segundo Thomas Sowell, se acreditam como ungidos, os únicos detentores do conhecimento que é capaz de resolver todos os problemas da humanidade. O autor irá nos demonstrar o modo como eles manipulam as mudanças no mundo e a total falta de capacidade que eles têm no seu campo de trabalho, com fatos reais e diversas citações entenderemos como muitas das desgraças que ocorreram e ainda ocorrem são resultado dos trabalhos dos intelectuais ungidos.
Nunca em outro período da história da humanidade os intelectuais estiveram tão presentes e com atuação tão impactante como nos dias atuais, eles estão cercados por vários auxiliares, a chamada intelligentsia é composta por jornalistas, escritores, professores, funcionários públicos, burocratas e outros, fazendo com que a influência dos intelectuais possam atingir proporções consideráveis ou cruciais, que dependerão das circunstâncias adjacentes, incluindo a liberdade que eles possuem para divulgar suas ideias, invés de se tornarem apenas meios de propaganda, como ocorre nos países totalitários.
O livro tem por objetivo apresentar a influência que os intelectuais exercem sobre as atitudes e crenças da sociedade em geral, moldando-as, mesmo sem a percepção imediata do público. Os Intelectuais e a Sociedade esforça-se para deixar claro alguns fenômenos intrigantes desse mundo dos intelectuais e o modo como eles afetam o funcionamento da sociedade. O livro se propõe a analisar os incentivos e restrições que balizam o comportamento dos membros da intelligentsia nas ações para mudança da sociedade. Para isso, Thomas Sowell dividiu o livro em 9 capítulos que nos apresentarão os seguintes temas:
O intelecto e os intelectuais
Para facilitar a leitura do livro, o autor começa realizando a distinção entre intelecto, inteligência e sabedoria, onde o intelecto é definido como a capacidade para apreensão e manipulação de ideias complexas, inteligência é a soma do intelecto com capacidade de julgamento, com a capacidade de considerar fatores explicativos relevantes e realizar testes empíricos, e a sabedoria, como a qualidade mais rara, e a qual envolve a habilidade de combinar intelecto, conhecimento, experiência e julgamento.
A definição de intelectual nos será fornecida, nesse nosso caso, como os profissionais, que possuem uma categoria ocupacional e operam fundamentalmente em função das ideias, são os escritores, acadêmicos e afins. Alguns desses intelectuais têm obras que não são conhecidas pelo grande público, mas apenas por outros intelectuais, e isso basta para seu propósito, atingir a sociedade e formar uma opinião.
Cercando os intelectuais, existe a chamada intelligentsia, um corpo de profissionais que se utilizam e disseminam as ideias, é composta em grande parte por professores, jornalistas, ativistas sociais, adidos políticos, funcionários do judiciário, dentre outros. Eles fundamentam suas ideias com base nas obras e pensamentos dos intelectuais que seguem.
A verificação empírica do resultado do trabalho dos intelectuais é muito menos sujeita a critérios objetivos do que o de outros trabalhos. Portanto, existe uma total falta de critério empírico. Algumas ideias podem ser consideradas “inovadoras”, “revolucionárias”, “complexas”, “excitantes”, justamente por serem admiradas, enquanto as outras ideias, que são rejeitadas, recebem os rótulos de “retrógrada”, “simplista” ou “reacionária”.
Por não ter como avaliar empiricamente seus trabalhos, os intelectuais tornam-se uma classe “intocável”, sendo fundamentalmente inconsequentes às exigências do mundo externo. O resultado disso será o modo como eles avaliam o mundo, os seus irmãos seres humanos e as sociedades. Os intelectuais ungidos, conforme denominado por Sowell, são deuses fora do universo em que vivemos.
Ainda no primeiro capítulo, temos a excelente citação de Eric Hoffer:
“Um dos privilégios surpreendentes dos intelectuais é o fato de se encontrarem livres para serem escandalosamente estúpidos sem, contudo, sofrerem qualquer abalo em suas reputações. Os intelectuais que idolatravam Stalin, enquanto este purgava milhões e sufocava o menor sinal de liberdade não foram, contudo, desacreditados. Eles ainda gozam de ampla voz pública e avaliam cada novo tópico que aparece, sendo ouvidos com grande deferência”.
Conhecimento e noções
Muitos dos intelectuais formadores de opinião são reconhecidos por seu campo de estudos e análises referentes justamente à esta sua especialidade, o problema são justamente os intelectuais que não se restringem ao seu campo de atuação, supondo que são detentores de uma capacidade intelectual ímpar, podendo opinar em outros segmentos de atuação, derivando de uma sabedoria e moralidade universalmente superiores.
A diferença entre conhecimento específico, onde o especialista é portador das informações de determinado ramo de atuação, como um engenheiro, ou um médico, é diferente da experiência mundana que os indivíduos possuem sobre fatos rotineiros, como carpintaria, futebol ou encanamento. Assim, o especialista é ignorante em relação a uma infinidade de assuntos, mas se esse especialista é o intelectual ungido, ele não se intimida em indicar as soluções corretas para todos os males que existem no mundo e no qual ele não possui experiência, nem conhecimento.
Entenderemos um pouco sobre experiência e lógica, conforme o trecho citado de Oliver Wendell Holmes:
“A vida da lei não tem sido calcada na lógica: tem se baseado na experiência. As necessidades sentidas de cada época, as teorias políticas e morais predominantes, as instituições de políticas públicas, reconhecidas ou inconscientes, até mesmo os preconceitos que os juízes compartilham com seus colegas, têm muito mais a ver com as leis do que o silogismo na determinação de regras por meio das quais os homens deveriam ser governados.”
Os intelectuais e a ciência econômica
Thomas Sowell já abre o capítulo afirmando que muitos intelectuais, que não atuam no campo de estudos relacionados à economia, tendo até mesmo uma repulsa em estudar o assunto, não tem o menor constrangimento em expor clara e abertamente seus pontos de vista sobre a situação econômica, bem como as questões envolvendo a distribuição de renda.
Eles se utilizam de uma retórica alarmista e em alguns casos, utilizando de dados de acordo com seu discurso, mostrando os números que apenas reforçam o seu ponto de vista, como a desigualdade na distribuição de renda, uma retórica que, conforme o autor nos mostra, é enganosa. Sowell mostra que a própria frase “distribuição de renda” é tendenciosa, pois dá-nos a ideia que a riqueza é única, e deve ser repartida, quando na verdade a riqueza pode ser gerada, como ocorre constantemente no mundo. (Ressalto aqui o grande conteúdo desse capítulo, pois o autor é professor de Economia em instituições conceituadas e conhece muito bem do assunto, dando exemplos, fornecendo citações e explicações que acabam com qualquer tipo de dúvida.)
As ajudas filantrópicas também são questionadas, o autor nos diz que os Estados Unidos é o país que mais ajuda entidades filantrópicas e que, os conservadores doam muito mais do que os liberais, mesmo tendo rendas menores que estes.
Os intelectuais e as visões de Sociedade
Os intelectuais não possuem apenas opiniões isolados sobre diversos fatos no mundo, eles costumam estar ligados a uma concepção articulada sobre o mundo, assim como as demais pessoas, eles possuem um senso intuitivo que diz o que está em relação com o quê. Essas visões têm características próprias e variam de acordo com a sociedade e o tempo. Os principais problemas de acordo com os intelectuais contemporâneos estão relacionados às instituições atuais. A visão contrária à dos intelectuais nos diz que os problemas existentes estão relacionados não às instituições, mas aos defeitos inerentes aos seres humanos.
Neste capítulo teremos acesso ao modo como os intelectuais ungidos se utilizam de sua retórica para diminuir seus adversários, tratando-os como simplistas, fomentadores de guerra e como pessoas sem mérito. A questão do direito também será levantada, mostrando-nos como o discurso na luta pelos direitos não passa de uma retórica com o intuito de trazer obrigações a outras pessoas e como um forte argumento para justificar o envolvimento do governo que passa a obrigar o empregador de cumprir com suas obrigações.
No que se refere a dicotomia esquerda-direita, Sowell irá nos mostrar as principais diferenças entre esses pensamentos e o modo como a esquerda se transforma com o passar do tempo, criando falsas narrativas para se manter como a defensora dos pobres, das minorias e promotora da “justiça social”. Um exemplo claro apresentado foi em relação ao nazismo e o fascismo, e o modo como os intelectuais de esquerda apoiavam o regime, mas que foram obrigados a abandonar à medida que perceberam o quanto arriscado seria, neste momento passam a acusar seus adversários, ou seja, os de direita, como defensores desses regimes. Sowell nos comenta a respeito do fascismo e do comunismo:
“Eram ambos os sistemas totalitários, embora os comunistas fossem oficialmente internacionalistas, ao passo que os fascistas se diziam nacionalistas. No entanto, a proclamada política de Stalin de ‘socialismo em uma nação’ não era muito diferente da proclamada política do nacional socialismo dos fascistas.”
Se aprofundando no pensamento da esquerda europeia, compreenderemos porque eles tanto odeiam os Estados Unidos: eles não seguiram a cartilha revolucionária, a prosperidade, o poder e a tendência a uniformidade das condições econômicas foram resultados alcançados pela iniciativa privada, pela competição, o contrário do que aqueles esquerdistas europeus desprezavam, em suma, os americanos obtiveram êxito com o capitalismo.
Realidade paralela na mídia e no mundo acadêmico
Por vontade própria ou não, muitos da intelligentsia vivem em um mundo paralelo, criado de um modo onde apenas as informações que lhes favorecem são as que existem, todo o resto é manipulado ou filtrado para que atinja o propósito almejado. Alguns dizem que eles mentem, mas em muitos casos não é necessário, pois a supressão de certas informações já é suficiente. O autor citará exemplos claros que aconteceram, como a fome que matou milhões na Ucrânia na década de 1930 e que foi omitida, fazendo com que o divulgador da notícia recebesse até mesmo o prêmio Pulitzer pela sua “erudição, profundidade, imparcialidade e acuidade de julgamento e divulgação de informações”. A criação de pessoas fictícias também é algo comum, com exemplos de até mesmo presidentes norte-americanos.
A eugenia verbal também posta em prática, onde as palavras têm seu sentido deturpado ou são evitadas de forma a manter o uso de palavras que estejam dentro do “politicamente correto”. Assim, “mendigo” é substituído por “sem-teto”, “prostitutas” por “profissionais do sexo”. (Podemos também perceber isso aqui no Brasil, onde não podemos falar mais “favelas”, elas viraram “comunidades”.)
A dramaticidade também é algo utilizado frequentemente pelos intelectuais ungidos, onde por exemplo, muitos jornalistas se utilizam de uma retórica manipulada para criar vilões, que terão em contrapartida heróis que resolvem os problemas, na visão do jornalista. Outro caso interessante é o modo como falam sobre o problema da pobreza e a eterna lástima que ela envolve, em vez de discutirem a forma de crescimento da quantidade geral de riqueza.
Os intelectuais e a justiça
Nenhuma pessoa, nos Estados Unidos, deve ser punida ou responsabilizada por uma ação que não era considerada ilegal no momento que foi realizada, mas, isso não impede que alguns juízes com base em suas próprias concepções de acordo com o que acreditam ser correto, eles estão criando leis após o fato. O erro aqui, se dá do mesmo modo que ocorre com os intelectuais ungidos, a crença que os juízes têm de possuírem habilidades e conhecimentos superiores que lhes permitem tomarem essas decisões, em vez de se ater simplesmente nos limites da lei.
Embora existam diversas controvérsias no ramo judiciário, uma das maiores é justamente a que se refere à liberdade de interpretação das leis pelos juízes, ela é defendida pelos intelectuais ungidos e faz com que, juízes que sigam esses pensamentos, possam agir de acordo com seus interesses. Mas, conforme afirma Thomas Sowell, esse ativismo judicial é um “cheque em branco”, podendo explorar qualquer direção ou qualquer questão, de acordo com as predisposições de cada juiz.
Os direitos de propriedade também serão abordados nesse capítulo, fundamentais para restringir os poderes dos agentes de governo, evitam que estes agentes possam apropriar-se dos bens da população e os usaram de acordo com sua vontade, são constantemente ameaçados por conta dessa “Constituição viva” que se adapta de acordo com a visão dos juízes, e é defendida pelos intelectuais ungidos na sua busca pela “justiça social”.
O capítulo abordará também outros temas, como o ônus da prova e a criminalidade.
Os intelectuais e a guerra
Como quase todas as pessoas, os intelectuais preferem a paz em relação à guerra, mas o modo como alcançar esse objetivo é que difere, esses buscam o desarmamento como solução, buscando negociações internacionais, enquanto as pessoas com pensamento inverso acreditam que somente com mais armas podemos evitar os conflitos. A ideia é a mesma para combater a criminalidade.
Aqui teremos diversos exemplos sobre fatos reais e a análise dos pontos de vista, como no caso da onda de pacifismo ocorrida no período entre a 1ª e a 2ª guerra mundial, esse pensamento, que pregava o desarmamento, foi muito influente e alcançou um alto número de apoiadores, fazendo com que alguns países reduzissem sua produção bélica. Ao mesmo tempo, a Alemanha, derrota na 1ª guerra, incrementou drasticamente sua produção de armamentos, desrespeitando acordos e tratados pré-estabelecidos, o resultado foi a 2ª guerra mundial.
Esse pensamento teve um efeito devastador sobre a cabeça da França, pois na 1ª guerra, seus militares heroicos conseguiram se defender durante quatro anos contra uma invasão alemã, enquanto na 2ª guerra, bastaram 6 semanas para que Hitler e seu exército conseguisse invadir a nação francesa. O impacto emocional construído pela narrativa pacifista já havia derrotado os franceses antes mesmo dessa guerra começar.
Os intelectuais e a guerra: repetindo a história
A facilidade com que esses intelectuais mudam de opinião é surpreendente, o que importa é resolver os problemas apresentando soluções “dramáticas” e “bombásticas”, esse processo faz com que eles sempre tenha confiança e não se intimidem em trocar suas ideias, afinal, eles são os ungidos que devem salvar a humanidade.
Após o término da 2ª guerra, um novo problema surge no horizonte, a ascensão dos soviéticos e seu comunismo, com a possibilidade de construção da bomba atômica. O presidente americano da época, Harry Truman, não hesitou em continuar as pesquisas para construção da bomba H. Inicia-se a guerra fria. Entenderemos como essa corrida armamentista gerada pela guerra fria manteve a paz no mundo. Neste capítulo também entenderemos um pouco sobre a guerra do Vietnã e o modo como os veteranos de guerra eram tratados e as mudanças que foram ocorrendo com esses tratamentos.
Os intelectuais e a sociedade
“Estudar a história é um poderoso antídoto contra nossa arrogância contemporânea. Traz-nos humildade constatar o quanto nossas suposições são irrefletidas, mas que, aos nossos olhos, nos parecem novas e plausíveis descobertas. Elas já foram testadas inúmeras vezes e sob os mais variados disfarces, mas revelaram ser, a um grande custo humano, inteiramente falsas.”
Paul Johnson
Para compreendermos o papel dos intelectuais na sociedade, devemos estudar suas ações e não o que eles dizem ou pensam estar fazendo, mas o fato do que representam suas atitudes e os respectivos impactos sociais. Qual o reflexo na sociedade como um todo e qual o histórico de ações passadas realizadas por eles.
Embora muitos intelectuais sejam formadores de opiniões, outros agem indiretamente, moldando a cabeça justamente de outros intelectuais, com seu conjunto geral de predisposições, crenças e de imperativos, ou seja, de uma visão de qual caminho deve ser seguido. Um grande exemplo é o próprio Karl Marx, muitas pessoas os seguem apenas por terem sido influenciados por outros intelectuais.
Sowell mostra que, embora as ideias que circulam nesse meio intelectual remontem ao século XVIII, o modo como ele é difundido e as ideias são aceitas na sociedade são fenômenos recentes, que ganharam relevância por meio do sistema educacional, da mídia, dos tribunais e da política. Um dos fatores que influenciou esse fato foi a diminuição dos governos autocráticos e aumento dos governos democráticos, onde os pontos de vista diferentes podiam ser discutidos.
Essa liberdade dada, no campo intelectual, é de extrema valia, pois eles não têm responsabilidade nenhuma de apresentar um resultado concreto e serem cobrados por isso, como acontece com diversos ramos de trabalho. Os intelectuais ungidos podem criar polêmicas e criar toda uma narrativa em torna disso, os incentivos são grandes para isso e as restrições são mínimas. O que é notável é pensar o quanto o trabalho desses intelectuais trouxe de benefício para a sociedade, o que as pessoas ganharam com base nesses trabalhos desde que não façam parte do seu círculo de interesses.
O autor termina o livro com uma lista de realizações da intelligentsia, e os respectivos impactos na sociedade, finalizamos a resenha com uma frase do próprio Thomas Sowell:
“Imperfeições ou ineficiências raramente destroem uma nação. Mas a desintegração de seus laços sociais e a desmoralização da confiança e da aliança de seu povo podem, no entanto, ocasionar sua destruição. Os intelectuais contribuem em grande parte para ambos os processos. Ao colocarem grupo contra grupo e ao verem arbitrariamente inumeráveis situações sob o prisma de ‘raça, classe e gênero’, estabelecendo padrões inalcançáveis de ‘justiça social’ e impondo objetivos de reparação histórica, os intelectuais garantem a criação de uma situação interminável de conflito interno, prefigurando o desmantelamento de qualquer sociedade, a qual é sequestrada por uma intelligentsia e sua cruzada, submetendo um público que aceita, passivo, a visão que os intelectuais têm da sociedade e de si mesmos. Enquanto pressuposições apressadas forem aceitas como conhecimento e a pura retórica for considerada idealismo, os intelectuais continuarão a triunfar em se projetarem como vanguardistas de uma ‘mudança’ genérica – de cujas consequências eles continuarão a não prestar contas.”
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