Os milhares de Bob Geldofs

Os milhares de Bob Geldofs

Quem tem mais de 35 anos lembra do Live Aid, do We are the World e dos artistas unidos para acabar com a fome da Africa. Devemos tudo isso a Bob Geldof. Agora trata-se de uma nova campanha mundial, descentralizada, revolucionária e definitiva. Uma campanha que rapidamente se esparramou pelo mundo e que deve se transformar, em breve, na primeira ação mundial de arrecadação para milhares de ONGs, envolvendo milhões de pessoas.

Nos anos 80 ocorreram alguns movimentos que foram referências muito fortes. Todos devem conhecer ou ter ouvido falar do “We are the World”, envolvendo dezenas de cantores famosos da época. Michael Jackson, Bruce Springstein, Lionel Ritchie e muitos outros. Meses antes, cantores da Inglaterra escreveram uma música que fez muito sucesso também: Do They Know It’s Christmas?

Bob Geldof, era até então um cantor mais conhecido por sua participação no filme The Wall, do Pink Floyd, do que por sua carreira musical. Foi quem iniciou todo esse movimento. Ele estava uma tarde assistindo uma reportagem na TV sobre a fome na Etiópia e decidiu fazer alguma coisa, mas sabia que não conseguiria nada sozinho. Mobilizou-se para que muitos músicos da Inglaterra como Bonovox do U2, Duran Duran, Sting e logo depois as estrelas dos EUA se engajassem em uma ação mundial de sensibilização pelos famintos da Etiopia. Eu tinha menos de 15 anos quando tudo isso aconteceu. Sabia as músicas de cor e tinha a convicção de que com os artistas, ao convencerem toda a população do mundo, conseguiríamos acabar com a fome e a miséria. Pois é. Eu era um jovem ingênuo.

Recuperado da frustração e entrando no mundo adulto, segui envolvido nas horas vagas em alguns ativismos, contra a Guerra do Iraque, a favor da Amazonia, pela defesa dos meninos e meninas em situação de rua, etc… Após a faculdade já começava a trabalhar engravatado em uma multinacional e substituí parte das minhas horas voluntárias pelas doações mensais ao Greenpeace. A vida adulta me parecia chata e não aguentei muito tempo de gravata. Foi quando decidi trabalhar profissionalmente pelo fortalecimento das causas. E faço isso já faz mais de 20 anos.

O dia de doar começou no Brasil no mesmo ano que criei, com amigos, o Instituto Doar. Após duas décadas  atuando pelo aumento da arrecadação das ONGs, profissionalizando e melhorando performance de seus departamentos; depois de 2 livros, de uma associação de captadores criada com outros parceiros, 2 gestões como presidente dessa associação, eu via que chegava a hora encerrar um ciclo e começar outro. Nos meus primeiros anos profissionais, eu lidei com as pessoas comuns, que trabalhavam em empresas, viviam suas vidas. Durante 20 anos estive num espaço simbólico bastante especial: os profissionais do ativismo social. Chegava a hora de voltar a me relacionar com as pessoas “comuns”, que tem uma relação tangencial com o ativismo, a doação e o social. Se o ciclo da captação se encerrava, era hora de ser ativista da causa da ampliação das doações.

Pessoas comuns doando pela primeira vez. Outras doando mais.

O dia de doar foi inspirado em dias similares em outros países, especialmente nos EUA. Já havíamos lido a respeito do GivingTuesday, nosso irmão mais velho em somente um ano. Mas optei por fortalecer primeiro a marca #diadedoar para só no ano seguinte nos aliarmos formalmente. E assim foi feito. Nossa marca #diadedoar é muito mais fácil de reconhecer pelo Brasil. Não haveria sentido que usássemos a marca GivingTuesday no Brasil, que tem uma forte conexão com o BlackFriday americano, e que também está ainda começando no Brasil.

Por enquanto não te contei ainda o que é o #diadedoar. É que queria que todos que lessem este artigo chegassem ao mesmo degrau. Pra você que não conhece o que é, sugiro que visite o site diadedoar.org.br . Trata-se de uma campanha distribuida. Não há uma central de doações nem mesmo de comando. Nosso objetivo é que organizações se organizem para que doadores … doem! É simples.

Porque citei Bob Geldof e as ações dos anos 80? Porque assim como o Teleton e o Criança Esperança, são ações excelentes, sem dúvida. Mas centralizadas. O bonito do que podemos fazer hoje em dia é criar estímulos para que uma ONG de uma região periférica consiga recursos com seus doadores ou pessoas próximas. Que uma ONG grande se mobilize para conseguir ainda mais recursos nesse dia especial. Que uma empresa resolva dobrar as doações feitas por seus funcionários a um conjunto gigantesco de ONGs que estes conhecem.

Essa diferença é fundamental. Eu acredito que assim que um número significativo de países passarem a divulgar e organizar campanhas para o dia de doar local, e que cidades façam o mesmo, e empresas, governos, ONGs, escolas, todos se organizem para fazer uma atividade especial no #diadedoar, nós conseguiremos um efeito muitas vezes superior ao que Bob Geldof tentou com aqueles artistas. Acredito nisso por uma simples questão matemática: Progressão Geométrica. Bob conseguiu milhares de pessoas que compraram ingressos para os shows ou compraram os discos. Nós conseguiremos (e já estamos conseguindo) milhões de Bob Geldofs, cada um com sua ideia para doar ou estimular pessoas para doar para causas.

Ainda que nosso olhar esteja para o efeito gigantesco do que representa algo “mundial”, eu queria aqui reforçar a importância do efeito local nisso tudo. Nós tendemos a valorizar o grande, o estrangeiro, o internacional, o que está na capital, noutro país, em outro idioma… Temos uma tendência a nos acharmos pequenos e inferiores. E com isso, as frases que mais circulam por nossas mentes são coisas do tipo: “Ah, mas eles conseguem porque são grandes”, “Só dá certo porque é outro país/cidade/planeta”, “Aqui é diferente, aqui ninguem ajuda”. Essas e outras frases são as que inviabilizam qualquer campanha que tentemos fazer. Mal começamos e já temos todas as desculpas de porque não dará certo.

Olhar o que fez Bob Geldof é, com certeza, bastante paralisante. Ele realmente merece nosso aplauso e reconhecimento. Mas o que aprendi com o tempo é que essas ações tem uma força gigante porque ocorrem em um tempo definido: um show, um Natal. Ou mesmo os domingos do Teleton ou do Criança Esperança. Esse esforço concentrado gera uma mobilização das pessoas em contribuirem. Hoje em dia nos EUA consultorias tem recomendado estratégias de arrecadação para Hospitais e Universidades que sejam um Day Giving. Portanto o elemento de se trabalhar o #diadedoar focando em um dia especial é valioso e deve ser aproveitado.

A diferença em relação a essas campanhas de universidades, hospitais ou o próprio Teleton é que estamos desenvolvendo mundialmente uma campanha que sirva para todos. Ou seja, milhares de ONGs fazem suas campanhas para esse dia. Estou eu andando na rua e me deparo com a divulgação em um outdoor para doar para a creche local. Isso pode me mobilizar a doar pra ela ou me lembrar de doar para a ONG que doo sempre. Tanto uma coisa quanto outra gerarão um dia em homenagem ao ato de doar. É isso que queremos e é assim que está acontecendo. No ano passado perdemos a conta de tantas imagens e mensagens que sairam nas redes sociais (no site você pode averiguar também). Este ano imaginamos que tudo se expandirá exponencialmente, tendo em vista a quantidade de organizações engajadas, a imprensa, as empresas…

Pensar global e agir local. Vamos doar na nossa cidade ou bairro. E como milhões estarão fazendo o mesmo no mundo inteiro, isso será gigante.

Meu convite a você é que se prepare. 1 de dezembro é uma data histórica. Aqui e no mundo inteiro ocorrerá uma revolução, que promete ocorrer a cada ano. A revolução do ato de doar. Ao fazermos isso de forma concentrada em um único dia, nos inspiramos e inspiramos outros a fazerem o mesmo no resto do ano.

O que você fará no dia 1/12, Bob?

Marcia Brincas

Responsabilidade Socioambiental/Ecologia Urbana. Ações sustentáveis para transição ecológica, Aprendizagem continua sobre Ecossistemas Urbanos/Biodiversidade/Agroecologia

9 a

E isso ai! Estamos juntos!!

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