Os paradoxos da cultura de alta perfomance
Fui acometido por um certo conflito nas últimas 2 ou 3 semanas: alguns amigos têm reclamado que eu não escrevo mais. Como se algum dia eu tivesse tido esse costume...
Outros reclamam que eu não mantenho meu portfolio (nem o da minha empresa) atualizado. Como se alguma vez eu tivesse feito isso no decorrer da vida…
Meu sócio, sob a influência de um de nossos colegas de trabalho, chegou a colocar isso como uma tarefa no nosso gestor de projetos. "Matéria Raul", era o título da dita cuja. Vai vendo...
Minha mulher incentiva, mas no fundo, eu não entendo direito de onde vem essa idéia. Bando de malucos...
Acabei cedendo. Mas não gratuitamente.
Quando se trata dos meus textos, a pressão maior é pra que eu escreva artigos técnicos, cheios de dicas práticas e tal, mas acho que nesse quesito tem muita gente que já faz isso, e muito melhor que eu.
Prefiro um caminho que, acredito, possa contribuir mais como um estímulo à reflexão do que à performance operacional de quem vai ler. Mesmo que menos pessoas se interessem em fazê-lo. E ao escolher esse caminho, já começo questionando a preferência esmagadora da leitura técnica.
A meu ver, a maioria das pessoas, e me incluo nisso em muitos períodos, passa grande parte das suas vida no que Eduardo Briceño chama de "zona de desempenho". Isso porque, desde a mais tenra idade, na escola, somos estimulados à prática exaustiva e repetitiva de todas as matérias, visando as notas mais altas, o "sucesso", "o vestibular" e mais uma porção de coisas. Depois, adultos, nos deparamos com a mesma lógica. Empresas constróem suas equipes e formam suas diretorias focadas na cultura da impecabilidade operacional. Trocando em miúdos, passamos a vida, consciente ou inconscientemente, focados principalmente na execução das nossas atribuições com o mínimo de erros e o maior rendimento possível. Isso mesmo: focados na execução das nossas tarefas, naquilo que já dominamos e que somos supostamente magistrais.
Entendo e acho muito justo. Ninguém quer errar, nem perder tempo ou dinheiro. Mas, Einstein tem uma frase que eu gosto muito e que diz assim: “nem tudo que pode ser contado, conta. E nem tudo que conta, pode ser contado". Pra comprovar, paradoxalmente, vários estudos mostram que depois de 2 anos executando a mesma função, a maioria absoluta dos profissionais cai de rendimento.
“Ma... oi?!”
Pois é...
Sabe qual é o problema? É que essa galera não se sente encorajada a sair de suas zonas de conforto. Não fazem nada diferente do que estão acostumados e a esmagadora maioria acaba lutando pra conseguir inovar e, logicamente, crescer.
São essas pessoas que, com pouca massa crítica, repetem as mesmas fórmulas durante anos, se enquadram em caixinhas e tornam padrões de mercado algumas práticas burras como os manipulinks e a moda de usar o Instagram com aplicativos do tipo do Nowlink. São elas que, como diz a Lei de Dilbert (invenção do cartunista Scott Adams), quando alçam cargos executivos, contribuem mais saindo do processo produtivo e permitindo que os profissionais realmente capacitados tomem as decisões práticas.
Tem quem consiga quebrar esse padrão? Tem. Claro que tem. Mas quem consegue, nos ensina que não podemos passar a vida na zona de desempenho, mas sim, alternar entre ela e a "zona de aprendizagem", que foca no aperfeiçoamento, no aprendizado (dãrh!) daquilo que ainda não dominamos, nos permite cometer erros durante o processo e experimentarmos, deliberadamente, práticas que não costumamos adotar em nossa zona de desempenho. Sempre com a preocupação de medir, identificar, refletir, ler e debater.
Essa alternância, nos permite criar uma dinâmica de crescimento e, primeiro descobrir o que precisamos aperfeiçoar e como. Depois, quando precisamos obter os melhores resultados e minimizar erros. Isso nos dá mais clareza de nossos objetivos e de quando e como podemos atingi-los. Oferece um repertório de soluções que não são gerados através da prática repetitiva e inequívoca.
Eu sei que o equilíbrio não é tranquilo. Demanda uma visão de mundo muito mais humana e holística mas, acredite, aumenta consideravelmente a nossa realização pessoal. Conhecem a pirâmide de Maslow? Pois é. Não é muito mais legal passar a vida explorando, perguntando, escutando, experimentando, refletindo e, em última instância, crescendo, ao invés de desperdiçá-la fazendo, fazendo, fazendo, “performando”, “performando”, “performando”? :)
Essa visão de mundo e abordagem mais humana do trabalho, que fundamenta a cultura da minha empresa, virou moda e que todo mundo fala hoje em dia, não é coisa nova. Nem uma utopia, ou “coisa de hippie”, como já escutei em reuniões de negócios e mesas de bar. Fazendo uma referência rápida à nossa indústria, David Kelley já falava disso em 2002 e tá aí a IDEO que não me deixa mentir. E se parar pra pensar com calma, tem muito mais exemplos.
Resumindo, alterne: quando estiver fazendo seu trabalho primorosamente como esperado, reflita e tente perceber se não há nada que possa ser melhorado. Observe e imite o experts (não tem problema nenhum). Depois, faça cursos, mentorias, workshops, veja vídeos no Youtube, artigos do Medium e baixe aplicativos, por exemplo, mas o faça com o objetivo de melhorar aquilo que a prática mostrou ser ineficiente ou que pode ser ainda mais produtivo. Num esquema de retroalimentação. Mas, pelo amor de Deus, sem tomar nada que ler/ouvir/assistir como verdade absoluta. Encontre a sua verdade. Outra coisa: de vez em quando, esqueça um pouco tudo isso, saia da frente do computador e se esquive de passar o final de semana na agência. Vá tomar uma cerveja, jogar conversa fora, assistir a um filme, nadar ou que quer que seja..
Trabalhe pra viver. Não viva pra trabalhar.
Se você é workaholic assim como eu, sei que não é fácil.
Mas vale a pena. Pra mim, é um esforço diário pra lá de gratificante. :)