Os Peculiares de Ransom Riggs: esses nossos alunos
Não demorou muito, depois do lançamento do primeiro livro da famosa "série de livros da Srta. Peregrine", para que eu a conhecesse, comprasse o primeiro título (O Lar da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares) e a amasse incondicionalmente. Creio que foi já em 2016 que li a obra pela primeira vez e, desde lá, encontrei um novo nome para meu projeto educacional, focado em educação lúdica. Deixando "REescola" um pouco de lado, até por conta de questões de direitos autorais, adotei "Por uma educação peculiar", que, posteriormente, em 2023, se tornou título de meu livro sobre uma educação lúdica focada no repertório e nos horizontes culturais das novas gerações, no socioemocional e no fomento à metacognição (Editora Blucher).
Esse "lar da Srta. Peregrine" me encantou profundamente, por sua configuração contextual e pelos significados (profundos) que a obra dispara. Além disso, o autor, Ransom Riggs, escreve muito bem, sabendo dar leveza quando ela é necessária ou desejável, e peso quando é requerido, para acionar as engrenagens mais criativas, ousadas e periclitantes da narrativa. Posteriormente, quando do lançamento das sequências (hoje a série tem 6 tomos, mais um livro de contos associado), o encanto permaneceu, por conta dos personagens cativantes e suas aventuras que, se são "deslocadas da realidade" (a arte não prescinde de verossimilhança), falam muito sobre nossos tempos - e - sobre nossos alunos.
Nas obras de Riggs, os Peculiares (sempre escrevo sua designação com inicial maiúscula) são uma espécie de derivação/melhoria do Homo Sapiens, pessoas dotadas de habilidades especiais variadas, desde a "simples" característica de ter uma boca extra atrás da cabeça até a manipulação do fogo, passando por controlar abelhas, fazer as plantas crescer ou enxergar monstros a princípio invisíveis.
Só que, como infelizmente é típico na história humana, o diferente ou o tachado como diferente - e indesejável - é perseguido e, muitas vezes, exterminado. Há uma quase infinidade de obras artísticas de todas as linguagens que tratam sobre isso e muitos exemplos históricos, do qual o Holocausto e a Nakba são amostras doloridas e sempre trazidas à memória. Nos livros de Riggs, esse condenar do diferente toma formas distintas e, a meu ver, muito simbólicas, contundentes e relevantes.
Os Peculiares da série de Srta. Peregrine são, em sua maioria (pelo menos, considerando o núcleo de personagens que se acompanha), crianças ou adolescentes. Esses personagens, por conta das perseguições que sofrem, têm que viver isolados em esconderijos que, nas obras, são chamados de "fendas". Essas fendas têm uma característica muito singular: são uma espécie de refúgios construídos em um recorte do tempo-espaço, um local apenas acessível por entradas específicas (e escondidas), no qual um dia específico se repete indefinidamente.
Então, as fendas podem ser entendidas como algo semelhante ao que ocorre no filme Feitiço do tempo, (Harold Ramis, 1993), em que o "Dia da Marmota", execrado pelo protagonista vivido por Bill Murray, se repete indefinidamente. Por conta disso, as crianças e adolescentes Peculiares que vivem nessas fendas não envelhecem. Sendo assim, uma criança de 9 anos na aparência pode ter, na contagem extensiva dos anos, mais de 70.
Essa é uma primeira metáfora interessante e pungente: o diferente tem que viver escondido, por não ser compreendido ou aceito. Outra, imediatamente derivada disto no contexto da obra, é que "vivendo escondido, o diferente pode ter que recrudescer e não se aprimorar". Estas foram as vias que tomei para renomear meu projeto educacional, pois entendi que os jovens que eu educava eram, em larga medida e cada vez mais, pessoas absolutamente singulares, que, justamente por conta disto, sofriam algum tipo de isolamento e, mesmo, condenação (inclusive por suas próprias famílias).
Essa percepção me trouxe, ao mesmo tempo, dor e alívio, pois as metáforas dos Peculiares de Riggs, definindo e apontando um determinado problema, também me ajudaram a configurar algo que poderia ser, senão a solução definitiva, ao menos uma solução implementável em todos os casos em que eu pudesse agir. Foi por conta da série da Srta. Peregrine que, de forma ainda mais forte do que já era, meu projeto educacional, que tem por objetivo levar a educação lúdica às escolas, se tornou também um projeto de forte fomento às singularidades, tendo na percepção das características únicas de cada aluno e em sua valorização e potencialização, um de seus eixos mais fortes.
Ainda mais porque, nos livros, existem as ymbrynes, que são as guardiãs das crianças e adolescentes. Naturalmente, as ymbrynes são também Peculiares, sempre mulheres que podem se transformar em aves (a Srta. Peregrine se transforma em um falcão peregrino) e são uma mistura de mãe, cuidadora, professora, mentora, protetora e "general" (quando em conflitos). Para mim, essas ymbrines se tornaram uma espécie de emblema de minha atuação docente, em seus vários espectros e guardados os devidos contextos.
Dentro de todas essas abordagens, considero um personagem especialmente importante: Jacob [SPOILER ALERT], um garoto que, no início do primeiro livro, se acha "comum", vivendo em uma cidade meio entediante e em uma família idem. Todavia, em muito por conta de seu avô, (Abe, um Peculiar), acaba se descobrindo como pertencente à trupe dos Peculiares. E ele tem uma habilidade, digamos, bastante "peculiar" (no nosso contexto e no dos Peculiares): é capaz de enxergar monstros.
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Nas narrativas de Riggs, os Peculiares, não bastasse a perseguição pelos humanos, são também perseguidos pelos Etéreos, algo como uma raça de "Peculiares do mal", que são invisíveis a todos, exceto a alguns peculiares, como Jacob e seu avô. Outra metáfora linda e contundente: "VER OS MONSTROS". Lendo a história de Jacob e de seu avô, entendi que uma parte muito importante de minha missão como educador era "dar a ver os monstros", sejam as normoses da vida social, o sistema de avaliação do terrorista ENEM (escrevi um livro de redação com um método autoral e baseado em uma estrutura visual, no aumento de repertório e na metacognição), ou o discurso e as práticas de isolamento que as pessoas consideradas diferentes, por esta ou aquela razão, sofrem.
Acredito firmemente que as obras de Riggs fornecem um rico contexto para entender e aceitar de uma maneira mais inclusiva, cordial e receptiva as crianças e os jovens das novas gerações, pois estes são cada dia mais singulares, mais eivados, repletos de elementos de singularidade; mas, ao mesmo tempo, muitas vezes não sabem lidar com isso, não têm apoio para isso em suas famílias e nas escolas e, então, muitas vezes se perdem e ficam sem direção, tristes, decepcionados consigo e com o mundo.
É por isso que, no meu supracitado livro de educação, instigo professores e pais a valorizarem as crianças e os jovens como seres dotados de notável singularidade, que merece ser cultivada, com liberdade e orientação. E uso operadores simples, como, apontar porque estudantes que são aficionados pelos universos do mangá e do anime não devem ser tomados como alienados e como pessoas que "só gostam daqueles desenhinhos japoneses", mostrando o quanto essas duas linguagens são, em grande parte, uma biblioteca de educação emocional e ferramentas educacionais e culturais maravilhosas por, dentre outras coisas, tratar temas profundos de maneira leve e simbólica.
E há mais, muito mais, que se pode dizer sobre as fundações e diretrizes do que pode ser uma "educação peculiar". Em futuros artigos, com certeza, explorarei isto.
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Sou Luiz Carneiro 🚀🤓🤓🤓🤓🤓🕵️🌟🌟, professor, semioticista, pesquisador e autor de livros, e posso ajudar você no uso criativo e estruturado da inteligência artificial, em projetos escolares, em oficinas culturais, formações de professores e gamificação. 🤓🚀🌟🥇
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