Os saberes nossos de cada dia
Houve um tempo em que realizar um mestrado ou, até mesmo um doutorado, era tarefa que exigia tempo e maturidade.
Cursar a graduação, para muitos, era um trabalho hercúleo! Gerar renda para a manutenção da vida sempre se fez necessário para grande parte das pessoas e muitos dos trabalhadores iniciavam no mercado de trabalho bem cedo. A medida para avaliar um bom empregado era o tempo de dedicação dispensada ao trabalho. Quanto mais tempo a pessoa se mantivesse dentro da empresa, focado em realizar suas atividades laborais, mais avaliações positivas recebia. Dessa maneira, havia pouco espaço para o lazer, família e estudos. Além disso, o investimento para a realização de formação acadêmica era alto e muitos acabavam seguindo com seus trabalhos sem que houvesse necessidade de formalizar, com um diploma, esse conhecimento de notório saber.
Hoje o saber ganhou destaque. Quanto mais sabemos, mais queremos e precisamos saber. Os cursos de graduação estão mais acessíveis, resultado de políticas públicas que permitiram uma maior democratização do ensino superior, bem como dos cursos de pós-graduação. Os empregadores já não buscam empregados baseados apenas em sua vasta experiência, exigem a comprovação desse conhecimento.
A tecnologia e o excesso de informação, resultado da liberdade de acessos a inúmeros conteúdos e conhecimentos, para além de possibilitar mais saberes, passou a organizar o mundo de trabalho e a sociedade em caixinhas ainda mais amplas do que em períodos anteriores. Temos uma quantidade muito maior de pessoas buscando e realizando formações acadêmicas, especializando-se profissionalmente – deixando para trás o profissional generalista e emendando, sem o atingimento da maturidade, a realização de cursos de titularidade.
Socialmente sente-se pressão cada vez maior do coletivo para que, individualmente, as pessoas saibam cada vez mais um número cada vez maior de assuntos que vão desde literatura, política, sociedade, meditação, cinema e afins.
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A vida ficou mais complicada! Já não se trata de “somente” - o que já não era tarefa fácil -, trabalhar e cuidar da família. O saber é a bola da vez e essa cobrança atinge cada vez mais jovens que, sem o atingimento da maturidade e vivências, acabam desenvolvendo doenças psíquicas e vivem o eterno dilema de não terem tempo suficiente e, tampouco, espaço para exercerem tanto acúmulo de saberes. Essa bagagem de conhecimentos acaba caindo num limbo sem propósito, trazendo mais angústia e sofrimento, além de dar a falsa impressão de uma sabedoria que, necessariamente, requer maturidade e o aprendizado que somente a prática é capaz de fornecer.
O saber acaba sendo consumido como produto e vendido em prateleiras - com um belo invólucro, em um mercado cada vez mais voraz pelo tempo e dedicação das pessoas e transformado em dinheiro e lucratividade para o interesse de poucos, sem que haja, por parte desse público consumidor, qualquer reflexão ou amadurecimento da real necessidade de continuar se adquirindo mais saberes.
Qual será o fim disso? Possivelmente uma sociedade esgotada mentalmente e sem tempo e condições para gozar do prazer de aprender.
Por Gabriela Savóia