Os trinta anos da morte de Thierry Sabine

Os trinta anos da morte de Thierry Sabine

O Rally Dakar, atualmente a correr em paragens sul-americanas, teve o seu inicio noutro continente, graças ao sonho de um corredor de automóveis que um dia se perdeu no deserto do Sahara. O seu resgate “in extremis” fez com que fizesse uma promessa de que iria fazer um rally-raid onde todos pudessem participar e que o desafio fosse tal que todos tivessem vontade de voltar. Esse homem foi Thierry Sabine e há 30 anos, a 14 de janeiro de 1986, acabasse por morrer num acidente de helicóptero no Mali. Este mês falo sobre a sua vida e das circunstâncias da sua morte.

A HISTÓRIA DE UM AVENTUREIRO

Nascido a 13 de junho de 1949 em Neully sur-Seine, nos arredores de Paris, Sabine começou a sua carreira como piloto de ralis, seguindo as pisadas do seu pai Gilbert, também um piloto de ralis, em carros como o Alpine A130 e o Porsche 911S. Em 1975, participa pela primeira vez nas 24 Horas de Le Mans, com um 911 Carrera, e repete no ano seguinte, terminando na 13ª posição da geral.

No meio disto tudo, ele é chamado a ajudar um amigo, que trabalhava na prefeitura da pequena cidade de Le Touquet, na zona do Canal da Mancha. Ele procurava uma maneira de chamar mais turistas à cidade fora dos meses de verão. A solução foi fazer uma prova de motociclismo nas dunas da praia que banhava o mar, do qual batizou de “Enduro du Touquet”. Apesar de no primeiro ano, ter atraído 286 concorrentes, rendeu um sucesso enorme, e nos anos seguintes, atraiu mais de 330 mil pessoas, só para ver os motociclistas passarem. Hoje em dia, é uma das provas mais conhecidas do mundo.

Em janeiro de 1977, Sabine decide participar no Rally Abidjan-Nice numa moto Yamaha XT500, na companhia de três amigos, Dominique Sauvêtre, Patrick Schaal e Uwe Ommer. As coisas correm sem problemas até que o rali entre no deserto do Sahara, numa zona no sudoeste da Libia. Sabine fica sem gasolina na sua moto e decide caminhar em busca de assistência durante três dias, debaixo de um calor intenso, com mais de 45 graus de temperatura. Quando estava prestes a desistir, um avião aparece e acaba por salvá-lo. O avião tinha aparecido por acaso, pois a organização já o tinha dado como perdido. Após ter encontrado, o piloto lhe disse: “Meu amigo, depois disto, tudo o que você viver será lucro”. Depois de ser assistido, regressa à França, onde a imprensa lhe dá destaque por causa da aventura que tinha vivido.

Depois de descansar, o espírito organizador de Sabine veio ao de cima. A experiência no deserto marcou-o e decide que queria criar um rali que atravessasse o norte de África, partindo de Paris, e chegando a uma cidade africana, durante duas semanas, de onde apenas os mais resistentes chegariam ao fim. Mas até aparecer o primeiro Paris-Dakar, iriam passar dois anos.

UMA AVENTURA PARA OS QUE PARTEM, UM SONHO PARA OS QUE FICAM

Enquanto não se envolvia no Dakar, Sabine decidiu fazer em junho de 1978 uma Croisiére Verte, um percurso de enduro entre Le Touquet e Sête, na Cote D’Azur francesa, percorrida em caminhos de terra, que se tornou num sucesso.

Durante esse tempo todo, pensa na ideia do rali. Uma partida espetacular por baixo da Torre Eifel, na noite de Ano Novo, iam até ao outro lado de França, embarcariam num ferry-boat até ao Norte de África e entrariam deserto adentro até que os sobreviventes chegarem duas semanas depois a Dakar, na capital do Senegal. Era essencialmente uma prova para aventureiros, onde poderiam entrar com qualquer máquina construída por eles, fossem carros, motos ou camiões. Tanto poderiam entrar amadores como profissionais, e haveria uma enorme máquina logística, com a ajuda dos exércitos e das Forças aéreas dos países onde passaria a caravana, para evitar que eles se perdessem no deserto.

Tudo ficou pronto para a partida da primeira edição, na véspera de ano Novo de 1979. O rali começava em Paris, e a caravana ia até sête, onde embarcariam um ferry-boat rumo a Argel, a capital da Argélia, e atravessavam o deserto do Sahara até atravessarem a fronteira do Nigel, o Mali (com um dia de repouso em Gao) para por fim, chegarem ao seu destino, o Senegal. 140 concorrentes aparecem no rali, e o vencedor é Alain Genestier, em carros, e Cyril Neveu, em motos.

O rali se torna num sucesso, e Sabine, questionado sobre o que deveria ser este rali, responde “Um desafio para os que partem, um sonho para os que ficam”. Tornou-se no lema do rali para os anos seguintes, que cedo começa a mostrar a sua periculosidade, com a primeira morte a ocorrer na primeira edição, um motard francês, de seu nome Patrick Dodin, que é projetado quando tentava ajeitar o seu capacete.

O DEFINIDOR DOS RALLY-RAID

O rali cresce imenso nos anos seguintes, atraindo gente de todo o mundo. Jacky Ickx torna-se no primeiro piloto famoso a ganhar, em 1983, num Mercedes 280E modificado, enquanto que René Metge é o primeiro vencedor múltiplo, conseguindo em 1981, 84 e 86, este último num Porsche 959 oficial, mostrando que as marcas cedo se interessaram nesta prova para demonstrar a resistência das suas máquinas. Nas motos, Cyril Neveu ganha por cinco vezes, em 1979, 80, 82, 86 e 87, antes de se dedicar à organização de provas como o Rali da Tunisia e o Rali de Marrocos.

Pelo meio, houve histórias rocambolescas, a mais famosa delas todas foi a que aconteceu em janeiro de 1982 com Mark Thatcher, filho da então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher. Correndo ao lado de Anny-Charlotte Verney num Peugeot 504 modificado, Abandonam ao quinto dia do rali no meio do deserto argelino, a mais de 50 quilómetros da rota definida. Quando se soube que tinham desistido, foi lançado imediatamente um alerta, acionando os mecanismos de socorro, mas cedo se descobriu o mediatismo de um dos seus integrantes, fazendo com que o caso tivesse mais impacto.

A busca durou seis dias, com o seu pai, Dennis, a chegar a ir para Argel no sentido de assistir às buscas feitas por aviões franceses, argelinos e ingleses, para além de tropas do exército local. No final, eles foram encontrados, sãos e salvos. Mark Thatcher contou anos depois que “1982 teve dois grandes eventos: a Guerra das Malvinas e eu perdido no deserto”.

A TRAGÉDIA FINAL

Quando o Dakar entra na sua sétima edição em 1986, já era uma prova incontornável no automobilismo. Entre carros, motos e camiões, nesse ano, estavam inscritos 486 veículos, e marcas oficiais como Porsche e Mercedes fazem parte do rali, entre as dezenas de pilotos amadores e entusiastas, vindos um pouco por todo o mundo.

E também se sabia que era um rali perigoso, pois todos os anos morria sempre alguém normalmente motards, que caíam a alta velocidade nas classificativas do deserto, mas também havia espectadores atropelados pelos carros em alta velocidade. E o rali, que começara em Paris no 1º de janeiro, começava mal quando na madrugada do dia 2, nos arredores de Sête, o motard japonês Yazko Kaneko é mortalmente atropelado por um condutor em sentido contrário. Veio-se a saber depois que esse condutor estava alcoolizado.

O rali passa o Mediterrâneo, desembarcando na Argélia, e percorrendo o país rumo ao sul, até que a 11 de janeiro, em Zinder, no Mali, outro “motard”, Jean-Michel Baron, cai a 150 km/hora após perder o controlo da sua moto e embater num galinheiro, sofrendo um forte traumatismo craniano e cervical, ficando em estado vegetativo até morrer, 24 anos mais tarde, em 2010.

Para Sabine, agora com 36 anos, os acidentes fazem parte do espetáculo, e o que interessa é fazer que tudo corra sobre rodas. Numa roda-viva entre as diversas autoridades, e verificar o estado dos pilotos, entre outros, Sabine desloca-se num helicóptero Ecreuil, sempre disponível para as suas deslocações.
A 14 de janeiro, a caravana do Dakar está em Niamey, a capital do Nigel e prepara-se para sair do país, rumo ao Mali e o Senegal. Baron já tinha sido evacuado para Paris e Sabine preparava-se para seguir o rali e fazer algumas ações de relações públicas, como assistir a um jogo de futebol na zona de Gourma-Rharous. Consigo, no seu helicóptero, pilotado por Francois-Xavier Bagnoud, iam o cantor Daniel Balavoine, então um dos mais famosos de França, e os fotógrafos Yann Arthous-Bertrand (que ficou famoso pelo seu trabalho “A Terra vista do Ceu”), Jean-Luc Roy (que anos depois funda o canal de televisão Motors TV), Patrick Chêne, bem como Patrick Poivre D’Arvor, apresentador do telejornal francês, em serviço pela Radio Monte-Carlo.

A ideia inicial era de fazer trabalho humanitário na zona de Gao, que incluía um jogo de futebol entre duas equipas locais, do qual Sabine daria o pontapé de saída. Contudo, alguns contratempos burocráticos relacionados com os camiões que traziam algum desse material (que incluíam bombas de água) fazem com que tudo se atrase para as quatro da tarde. Por essa altura, um ligeiro vento começava a levantar-se, dificultando a visão numa zona semi-desertica, o Sahel.

Por essa altura, chegam uma série de aviões que vão para Bamako, a capital do Mali, e Arthus-Bertrand, Roy e Port D’Arvor decidem apanhá-los, para chegar mais rapidamente e fazer os seus trabalhos para a noite. Nos seus lugares aparecerão outra jornalista, Nathalie Odent, e um técnico da rádio RTL, Jean-Paul Le Fur. Para ela, era uma chance de ouro para o entrevistar, de preferência dentro do helicóptero.

Quando este parte, são 17 horas e o sol já se põe, com o tempo a agravar-se progressivamente. Por causa disso, Bagnoud decide seguir o curso do rio Niger até Gourma-Rharous, que seria o final da etapa, a 250 quilómetros de Gao. Pelas 18:10, o helicóptero chega a Gossi, onde Sabine desce e conversa com alguns concorrentes. Mas por essa altura, a noite caiu e o piloto não tem licença para voar à noite. E estão a pouco mais de cem quilómetros da meta, e o tempo piora.

Mesmo assim, pelas 19 horas, o helicópetro volta a descolar, para assistir a um carro parado: era o Lada Niva de Pierre Lartigue e Barnard Giroux, e Sabine está ali para os assistir da melhor maneira possível. Pouco depois, voltam a descolar, pois estavam a meros 20 quilómetros da meta, Um voo de pouco mais de cinco minutos… mas que acabaria com o helicópetro a embater numa duna e a desfazer-se, matando todos os seus ocupantes. Sabine tinha 36 anos.

Como seria de esperar, o acidente choca a França, mas o rali continua. No inquérito que se segue, fala-se que Sabine poderia ter pegado ele mesmo o helicóptero, mesmo indo contra todas as recomendações (não tem licença para pilotar à noite), porque Bagnoud, o seu piloto, estaria magoado ou fatigado, e Sabine tinha pressa para chegar à meta, apesar da organização ter mandado um carro para os ir buscar. Contudo, apesar das especulações e da controvérsia, aceita-se a ideia de que Sabine não pilotava o helicóptero e que o mau tempo e a fraca visibilidade os fez acidentar.

Semanas depois, as cinzas de Sabine foram depositadas numa acácia ali perto, que foi chamada de “A árvore de Thierry Sabine”

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