Ouro é questão de soberania nacional
Por Raul Jungmann, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM)
Histórico produtor de ouro, o Brasil convivia até o ano passado com um cenário de dados muito conflitantes. A frieza dos números nos revelava que o país exportava mais ouro do que produzia, o que não parecia despertar maior interesse tanto internamente quanto nos países que compram esse nosso metal. “Frieza” é aqui mencionada porque tais números são gerados à custa de crimes contra as pessoas, a economia e o meio ambiente. Aí estão os graves prejuízos de se manter à margem em relação à produção de minérios.
Ouro é uma questão de soberania nacional, dada sua importância econômica, sobretudo. Embora as forças públicas, em especial, de defesa e segurança pública, tenham agido com determinação, ao longo dos anos, para reprimir o garimpo ilegal de ouro e outros crimes associados, o fato é que têm sido ações insuficientes. Faltava uma maior participação do setor privado e de outras organizações, em apoio aos agentes públicos, para reanimar os esforços contra o garimpo ilegal, fomentador de uma avalanche criminal em várias partes do país, em especial, na Amazônia.
Não bastassem as consequências trágicas para os povos tradicionais dessa região, a ação do garimpo ilegal e dos crimes associados implicam na devastação ambiental amazônica e comprometem a reação brasileira e mundial contra os efeitos da mudança climática. Tanto assim que progredimos, infelizmente, para uma situação de emergência climática. Ou todos agimos juntos para superá-la ou não teremos sequer condições de sobrevivência.
Foi com esta visão de presente e futuro que o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), seus associados, responsáveis por mais de 85% da produção mineral do país, se uniram a outras organizações, caso do Instituto Escolhas, para planejar ações junto a agentes públicos e privados, de modo a promover a aceleração de medidas mitigadoras dos problemas relacionados à produção e à comercialização do ouro.
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Os primeiros resultados surpreendem, são extremamente positivos, em comparação ao quadro existente. Há irregularidades que persistem, mas o balanço inicial demonstra que estamos no caminho certo. Duas iniciativas se mostraram importantes para coibir a ilegalidade no garimpo e na venda de ouro: a implantação da nota fiscal eletrônica para essas transações e o fim da presunção de boa-fé no comércio de ouro do garimpo, que de boa-fé não tinha, verdadeiramente, nada, sendo um instrumento para facilitar lavagem de dinheiro e para esquentar ouro ilegal.
Também agimos junto ao Banco Central e à Comissão de Valores Mobiliários para arrochar a fiscalização contra distribuidoras de valores mobiliários suspeitas de agir para esquentar ouro ilegal. Também mobilizamos outras nações e a comunidade europeia para sensibilizar países interessados no ouro brasileiro para que exigissem certificação de origem do produto, entre outras ações.
Após tais iniciativas, o Instituto Escolhas detectou que a produção de ouro registrada do garimpo caiu, nos primeiros sete meses de 2024, nada menos do que 84%, em comparação ao mesmo período em 2022. Naquele ano, a produção garimpeira foi de 31 toneladas de ouro e caiu para 17 toneladas após as medidas de controle. As exportações do metal com suspeitas de irregularidades entraram em igual estado de choque: em 2023, caíram 29% e, nos sete primeiros meses deste ano a exportação de ouro foi 35% menor do que no mesmo período em 2022.
Este resultado descortinou um dado importante. Que Índia, Emirados Árabes Unidos e Bélgica deixaram de comprar 18 toneladas de ouro, em especial de São Paulo, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Distrito Federal, caminhos utilizados também pelos que lidam com o ouro ilegal, o que facilitará maiores fiscalizações pelos agentes públicos.
Mas há outro dado preocupante, que faz referência à questão que abordei anteriormente relacionada à Amazônia. Mais de 70% da queda na produção de ouro do garimpo em 2023 ocorreu no Pará: expressivos 98%. Isso nos dá uma ideia abrangente da ocupação criminosa da Amazônia. Lá, não é só o ouro o alvo do crime. Outros minérios, como o manganês estão relacionados à atividade de exploração ilegal, lavagem de dinheiro e de contrabando, entre outras. A presença maciça de criminosos se passando por garimpeiros – uma atividade legalizada – e cometendo outras atrocidades contra pessoas e o meio ambiente está a inibir e A impedir o desenvolvimento de iniciativas empresariais e, mais ainda, de termos condições de traçarmos um tão sonhado e relevante projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. A mineração do Brasil está seriamente comprometida em superar este desafio, que é de estrito interesse de todos nós.