No país do improviso
O ano novo parece ter trazido mais do mesmo: improvisações e medidas de última hora voltadas à acomodação de interesses políticos menores, tudo sem muita conexão com os problemas e projetos que deveriam estar sendo enfrentados com toda energia e talento de que dispomos. Eventos como o da indicação-nomeação-desnomeação da ex-quase-Ministra do Trabalho ilustram na perfeição o modo como o país vem sendo administrado nos últimos anos – um ex-deputado e ex-presidiário vendeu seu apoio a uma indispensável reforma da previdência em troca de um cargo de primeiro escalão para sua filha predileta, uma deputada enrolada com a polícia e condenada pela justiça trabalhista. Como nada deu certo – a deputada foi barrada no baile pelo STF e a reforma, já devidamente esquartejada pelas seculares corporações brasileiras ao longo de 2017, naufragou definitivamente por obra daqueles que nada querem mudar. Para tentar mudar de assunto e evitar que o vexame previdenciário permanecesse nos noticiários, o Presidente da República combinou com o Governador do Rio de Janeiro que, em troca dos louros de uma eventual vitória do estado sobre as quadrilhas de traficantes e assaltantes que mandam na cidade, tiraria de suas costas o peso de tentar manter um mínimo de ordem nas ruas cariocas. Para tanto criou, na última hora, mais um Ministério e impôs aos Generais a missão de por ordem na casa sem, contudo, lhes conceder os instrumentos que possibilitassem concretizar o trabalho: os soldados não podem checar documentos de quem passa pelas favelas (isso agride os direitos humanos), estão proibidos de abrir fogo contra os bandidos (mesmo em caso de autodefesa), não há nem dinheiro nem estratégia definida e o circo permanece.
Na economia os fatos estão em contradição com os indicadores. O Brasil está caminhando muito rapidamente para a insolvência seja por conta do gigantesco e crescente déficit previdenciário, seja pela incapacidade da sociedade de continuar sustentando um estado enorme, improdutivo e corrupto; ao mesmo tempo a Bolsa não cansa de subir, os juros nunca foram tão baixos, o Real permanece valorizado, o PIB voltou a crescer e a inflação estacionou nos limites estabelecidos pelo sistema de metas. O único alerta vem sendo dado pelas desacreditadas agências de classificação de risco, que rebaixaram nossa nota e indicaram que continuarão a rebaixá-la no futuro próximo. O que explica essa esquizofrenia?
‒ A Bolsa sobe porque as empresas voltaram a lucrar após dois ou três anos de ajustes duríssimos na folha de pagamento e nos investimentos e, também, porque o valor de mercado das empresas estava estagnado há um bom tempo.
‒ Em segundo lugar, a inflação foi derrubada pela maior recessão por que passamos nos últimos 40 anos e por um longo período de juros muito elevados; o índice deve permanecer baixo por algum tempo (e junto com ele o juro básico) pois o desemprego ainda é elevadíssimo e a renda real e a poupança muito baixas inibem o consumo. No entanto, uma deterioração acentuada e contínua das contas públicas é um risco muito grande para a manutenção do IPC em nível civilizado.
‒ O PIB cresce porque caiu demais e a reutilização da capacidade ociosa da economia aplicada a uma base deprimida cria o efeito estatístico que observamos. Entretanto, há que se notar que este crescimento está muito atrelado à agricultura e que a indústria ainda anda devagar e o setor de serviços permanece parado. Assim, o desemprego vai custar muito a ceder e as vagas criadas tendem a ser de baixa remuneração.
Para os próximos anos (2019 em diante) a situação tende a piorar, pois as contas públicas sofrerão deterioração contínua em virtude dos déficits da previdência e das máquinas estatais federal, estaduais e municipais. O cenário brasileiro se parece muito com o que aconteceu na Grécia há alguns anos, onde o populismo e a irresponsabilidade dos governos abriram um rombo colossal na contabilidade do país. Quando este ponto for atingido, de nada adiantarão passeatas e greves em defesa de “direitos adquiridos” – simplesmente não haverá dinheiro para pagar aposentadorias, servidores públicos e ineficiências de empresas estatais. Nesse momento o governo perde a capacidade e a credibilidade para financiar suas contas, os juros e os impostos sobem, a moeda tem que ser desvalorizada, a inflação é ascendente e o PIB tende a cair. Para que esta nova desgraça não caia sobre nossas cabeças, as reformas têm que ocorrer muito rapidamente e com profundidade maior a cada dia. Como o atual governo não tem força nem apoio, a tarefa tem que se iniciar no próximo dia 1º de janeiro, conduzida por um governo (Executivo e Legislativo) eleito sob nossa única e total responsabilidade.
Até lá e com tudo isto posto na mesa, os empresários, responsáveis por manter viva a economia, pensam dez vezes antes de retomar os investimentos que são vitais, fazendo com que a situação permaneça como que congelada – todos torcendo pelo melhor e se preparando para o pior.
Em tempo: para quem deseja se aprofundar no estudo das causas que nos trouxeram até esta situação recomendo a leitura do excepcional livro “História da riqueza no Brasil”, de Jorge Caldeira.