Pais e filhos: amigos?
“Nossa, como vocês são amigas!” ou “Vocês são como irmãs” são comentários que às vezes escuto de pessoas que me conhecem de perto. Curiosamente, são observações que provocam em mim uma certa rejeição defensiva: ora, são minhas filhas, não minhas amigas! Nesses momentos, a pergunta que surge e fica ecoando na minha cabeça é: será possível alguém ser “amigo” de seus filhos? Sempre soube que a resposta psicologicamente correta é um sonoro “não”. Mas penso: não seria mais uma questão de nuances? É claro que dar uma de amiguinha dos filhos, enquanto crianças ou adolescentes, com tudo o que isso comporta de confusão generalizada e intrusão afetiva, certamente não é desejável. Mas, e quando eles se tornam jovens adultos? Minha impressão é que almejar ter com eles uma relação de cumplicidade, rica em trocas, como as que podemos ter com nossos amigos, é um desejo legítimo e largamente compartilhado.
Entendo que o desejo da amizade em família é característico da nossa época e da nossa cultura. Confesso ou inconsciente, esse desejo, presente em muitos de nós, está ligado a uma série de coisas: a modificação da noção de autoridade, o desejo de permanecer jovem o maior tempo possível, o sentimento de insegurança diante da fragilidade atual dos laços familiares e também a necessidade de nos reassegurarmos quanto às nossas competências parentais. Pois quem ainda não se deu conta que um dos certificados de boa parentalidade é ser “amigo” de seu filho?
Os filhos são hoje um superinvestimento, em todos os níveis; é natural que os pais esperem o retorno desse investimento. O desejo de amizade pode ser visto como uma das modalidades desse retorno. Por outro lado, o não querer envelhecer nem sempre tem de ser algo negativo. Afinal, ficar a par do pensamento dos mais jovens é o que nos viabiliza continuar a acompanhá-los e aos netos. A sabedoria dos mais velhos, como temos comentado aqui algumas vezes, não é mais suficiente para que os laços familiares sejam mantidos. Em vez de os mais jovens se identificarem automaticamente conosco, é mais provável que venhamos a ter algum espaço na vida deles se formos capazes de entender seu mundo, seus valores, sua linguagem. O relacionamento evoluirá, mas ainda assim a contribuição da nossa experiência deve esperar convite para se manifestar.
O psicoterapeuta americano Fred Peipman (em seu livro “Parenting Across the Gap”) afirma que “seu filho não é seu melhor amigo”. Ele anuncia uma fronteira sutil entre ser amigo de um filho e ter uma relação amistosa com ele. Esta nuance fez toda a diferença para mim e me faz afastar hoje, com segurança, a expressão amiga dos filhos. Aprendi que é possível compartilharmos cumplicidade, interesses, críticas e bons conselhos, mas com certeza não a intimidade emocional que reservamos, tanto filhos como pais, a nossos amigos mais próximos. Acredito que uma relação amistosa nestes moldes seja a que pais e mães sonham vir a ter. Ela será possível quando as turbulências da adolescência se apaziguarem e cada um viver sua vida, fazendo suas escolhas como deseja. Tanto uma parte como a outra precisa ser respeitada, e deve-se guardar uma certa distância no campo da intimidade.
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Uma relação amistosa como a descrita aqui não cai do céu, nem acontece por decreto. Ela é construída (ou não) ao longo de toda a história da relação pais-filhos. É feita de estima, cordialidade e respeito mútuos, e também da aceitação das diferenças de um e de outro. Em resumo, pais e mães precisam renunciar ao filho ideal e vice-versa. A partir daí é que vai ser possível, passo a passo, construir uma relação amistosa.
Um detalhe interessante é que nenhum filho terá o mesmo pai ou a mesma mãe que outro, pois a influência das afinidades é inevitável. Isto não quer dizer, entretanto, que alguém não possa ter uma relação amistosa com todos os seus filhos. Simplesmente, a cumplicidade será diferente e se expressará em função das afinidades e da personalidade de cada um.
Que delícia e que alívio, não é? Ou você não é como a maioria dos pais, que se sentem culpados por terem mais afinidade com algum filho?