Paladar de nomes
Dicionário - Moraes

Paladar de nomes

Nasci na rua Bambina, no bairro carioca de Botafogo. Bambina, todos sabem, é menina em italiano. Aprecio a sonoridade dessa palavra e sua proximidade com bandolim, bambolê, bamba. Mamãe quase me teve dentro do elevador do hospital, segundo relato de papai – que excelente contador de histórias era um exagerador. Ainda segundo ele, uma enfermeira afirmou: "Em noites de lua cheia, as crianças têm pressa em nascer."

O hospital da rua Bambina existe até hoje, chama-se Samaritano. Palavra que designa aquele que é bom, caridoso, cuidador. Quarenta anos depois do meu apressado nascimento, precisei tirar um pólipo da bexiga. Por suposto, pólipo tem som e significado desagradáveis. Já o órgão bexiga remete a algo lúdico, infantil, festivo.

A graça, se há, é que a retirada da excrescência foi no Hospital Samaritano, dessa vez o paulistano, na Conselheiro Brotero, Higienópolis. Achei que morreria. Nasci no hospital Samaritano, nada mais coerente do que morrer no hospital com o mesmo nome. Qual a lógica do pensamento? Respondo: A emoção do medo da morte – a grande paúra.

Aliás paúra é outra palavra italiana. Bem mais concreta do que medo, uma vez que remete à dor de barriga e tremedeira. Ontem, ao comentar a piada de nascer e morrer no Samaritano, uma amiga observou: "Seria redondinho demais. A morte nunca vem ordenada." Ela tem razão, há bagunça na morte.

Todo o lero desta crônica é para ressaltar o saber e o sabor dos nomes. Anoto que saber e sabor têm a mesma origem etimológica. Todo saber tem sabor, todo sabor é um saber. Nomes podem soar salgados, doces, agridoces.

Atrás da minha casa de infância tijucana erguia-se o morro do Borel, onde moravam muitos dos meus coleguinhas de escola. Por anos saboreie a sonoridade da palavra Borel. Especulava: deve ser nome de pássaro ou de árvore.

Recente abri o "Dicionário da História Social do Samba", do Nei Lopes e Luiz Antonio Simas. Li que o Borel chama-se assim por ter sido o sobrenome dos donos da fábrica "Fumos de Rapé de Borel e Cia", cujos trabalhadores iniciaram a moradia no morro. Decepcionei-me. Compreendi que, às vezes, é bem melhor ficar com sabor do que com o saber.

. Publicado originalmente no Fernanda Pompeu Digital

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Fernanda Pompeu

  • Minha estreia no teatro

    Minha estreia no teatro

    Ernani era meu ídolo, porque vivia com livros debaixo do braço e sabia muito de dramaturgos. Ele com dezessete, eu com…

  • Pra que pisotear?

    Pra que pisotear?

    Ouvi a frase de uma taxista: “Para dizer que o meu filho é bonito, não preciso dizer que o filho do vizinho é feio”…

    3 comentários
  • Princesinha da República

    Princesinha da República

    Para muitos ela é uma cidade dentro de outra. Para os mais fanáticos, um planeta.

    1 comentário
  • Godot deu um cano

    Godot deu um cano

    Dois mendigos, Vladimir e Estragon, são as personagens centrais da peça teatral Esperando Godot. Ela foi escrita pelo…

  • MAS EU PRECISO DO TEXTO?

    MAS EU PRECISO DO TEXTO?

    Olha só: A nossa história é, no fundo, a ideia da realização. Nós temos a ideia, mas entre a ideia e a realização há um…

    2 comentários
  • Glossário do Golpe Militar

    Glossário do Golpe Militar

    Um primeiro de abril que não foi brincadeira Neste Glossário do Golpe temos alguns momentos-chave dos anos…

  • Usos do Pleonasmo, da redundância

    Usos do Pleonasmo, da redundância

    O que é? Pleonasmo é uma Figura de Linguagem. Mais particularmente é uma Figura de Sintaxe.

    1 comentário
  • Longas mudanças vida adentro

    Longas mudanças vida adentro

    Papai – que mora numa nuvem faz oito anos – foi meu mentor intelectual e fez minha cabeça para que eu cursasse a…

  • Dicas para destravar a escrita

    Dicas para destravar a escrita

    Muita gente me pergunta: "Como eu faço para destravar minha escrita? Sinto que demoro para iniciar o texto. Vacilo…

    4 comentários
  • Pagu, uma vida enorme

    Pagu, uma vida enorme

    Difícil escrever sobre Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), a Pagu, porque ela esteve em todas. Pagu deixou sua marca…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos