Parte III - Histórico de destinação dos recursos florestais das áreas inundadas para a formação dos reservatórios das usinas hidrelétricas na Amazônia
A UHE de Samuel está localizada no rio Jamari, mais precisamente na Cachoeira de Samuel, no Estado de Rondônia a 52 km da capital Porto Velho. A construção da usina iniciou no ano de 1982 e o começo de sua operação em 1989, sendo que em 1988 já havia sido formado o reservatório da usina, ocupando uma área de 54 mil hectares no total, sendo a maior parte desta área formada por floresta tropical primária (42 mil hectares). Além da usina, foram construídos diques que auxiliam no aumento da vasão do rio Jamari quando a água chega aos vertedouros. A usina tem 216 MW de capacidade instalada (Fearnside, 2004).
A ELETRONORTE é a companhia que opera a usina de Samuel. Segundo a empresa, Samuel é a principal usina que abastece Rondônia, sendo considerado um marco histórico para o estado. Sua construção possibilitou que uma antiga colônia de pescadores desse lugar ao município de Candeias do Jamari. A usina foi concebida inicialmente para suprir as cidades rondonienses de Guajará-Mirim, Ariquemes, Ji-Paraná, Pimenta Bueno, Vilhena, Abunã e a capital, Porto Velho. Atualmente, 90% dos 52 municípios do Estado são beneficiados com o fornecimento de energia elétrica, sendo que no final do ano de 2002, a capital do Acre, Rio Branco, passou a ser abastecida pela usina de Samuel, anteriormente Rio Branco se abastecia de energia produzida por usinas termoelétricas.
No entanto, a construção da usina resultou em severos custos ambientais e sociais. A inundação da floresta e o estímulo à exploração ilegal de madeira em toda a Amazônia ocidental devido a uma exceção aberta na proibição de exportação de madeira em tora, para permitir a exportação de toras das áreas correspondente à usina de Samuel (ver sub-tópico 2.3.2), além disso, a usina liberou para a atmosfera 11,6 vezes mais gases de efeito estufa do que teria emitido gerando a mesma energia a partir do uso de derivados do petróleo. Apesar dos últimos cinco anos a emissão ter diminuído, o nível de gases do efeito-estufa, ainda são 2,6 vezes maior que a emissão pelo uso de combustível fóssil. A contaminação de peixe no reservatório resultou da metilização do mercúrio (Hg) presente no solo. Além destes custos ambientais, a formação do reservatório fez com que mais de 230 famílias de agricultores fossem remanejados para outras áreas, ainda hoje esse número é polêmico, pois, segundo o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), mais de mil famílias prejudicadas, além dos impactos indiretos causados ao povo indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que habita as cabeceiras do rio Jamari, cortando a migração de peixes e contribuindo para a atração de população adicional os municípios impactados pelo empreendimento.
Quando se iniciou a construção da UHE de Samuel, em 1982, o Brasil ainda estava sendo governado por meio de presidentes militares eleitos de forma indireta, porém uma abertura política já estava em curso desde 1979 em preparação para uma transição democrática. Rondônia, que naquele momento ainda não era uma unidade da federação, mas um território federal, era governado pelo coronel do exército Jorge Teixeira que, junto com o ministro do interior Mário Andreazza, estava disposto a mudar a categoria política de Rondônia, para isso, era necessário angariar investimentos para o território pela construção de obras de infraestrutura e incentivar o povoamento da região por meio de terras baratas, junto com o financiamento agrícola para os futuros produtores. O projeto Polonoroeste, do Banco Mundial, teve um papel importante para essas estratégias, sendo este projeto o maior responsável por financiar a construção da UHE de Samuel (mais de US$ 800 milhões). Importante salientar os interesses dos dois atores envolvidos. O coronel Jorge Teixeira estava também motivado a ser o primeiro governador do estado de Rondônia, fato este que aconteceu, pois o acordo para a criação do Estado de Rondônia teria que fornecer a garantia de que Jorge Teixeira permanecesse mais quatro anos no poder sem enfrentar uma eleição, sob a filiação do PDS, formado por membros da ARENA. Sobre o então ministro Mário Andreazza, que desde os anos de 1960 quando era ministro dos transportes estava ligado a projetos de infraestrutura, como a construção da rodovia Transamazônica, esperava ser escolhido como Presidente da República de forma indireta nas eleições de 1984 (fato que não ocorreu), portanto a criação do Estado de Rondônia, aliada a instalação de obras de infraestrutura, como a UHE de Samuel, poderia ser fatores positivos a sua escolha.
Portanto, conclui-se que a decisão de construção da usina não obedeceu a critérios técnicos e estudos de viabilidade econômica, que sequer foram elaborados. Apesar da elaboração de estudos ambientais contratados pela ELETRONORTE, estes foram realizados posteriormente a construção do empreendimento.
Apesar de todos os problemas gerados pela construção da usina, o Governo do Estado de Rondônia, no mesmo ano de inauguração do empreendimento, criou a Estação Ecológica (ESEC) de Samuel, como forma de compensar ambientalmente os impactos causados pela construção da usina. Com cerca de 70 mil hectares, tem como objetivo a proteção da área representativa dos ecossistemas naturais da Bacia do Rio Jamari com o incentivo às atividades de pesquisa ecológica e educação ambiental voltada à conservação. A Unidade de Conservação (UC) é administrada pela Secretaria de Desenvolvimento Ambiental do Estado de Rondônia (SEDAM) em parceria com a ELETRONORTE. Além da ESEC de Samuel, há na bacia do rio Jamari a Floresta Nacional (FLONA) do Jamari, criada pelo governo federal em 1984 e administrada, atualmente, pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade), sendo a primeira UC a sofrer o processo de concessão de lotes para uso sustentável dos recursos florestais, por meio de práticas como o manejo florestal, à luz da Lei 11.284/2006 (Lei de Gestão de Florestas Públicas). Além da criação das UCs, houve um satisfatório resgate da fauna existente que habitavam as áreas que foram alagadas, com 16 mil animais salvos que foram distribuídos em outros habitas, enviados a instituições de pesquisa (a maior parte dos animais salvos foram para as instituições) ou sacrificados para atender as coleções de museus ou dos centros de pesquisa, porém foram poucos os animais sacrificados.
Sobre a exploração de recursos florestais nas áreas inundadas pela formação do reservatório, conforme foi dito anteriormente, dos 54 mil hectares inundados, 42 mil hectares eram ocupados por florestas primárias e 29 mil hectares já estavam desmatados, em grande parte, para a instalação de projetos de assentamento. O autor relatou que desde 1965 o Brasil proibiu a exportação de madeira em tora, forçando as companhias madeireiras a, pelo menos, beneficiar no país uma quantidade mínima e contribuir para a criação de empregos e a agregação de valor aos produtos. No entanto, uma exceção especial foi aberta nesta proibição para permitir troncos de vindos de Samuel de serem exportados. De 1987 a 1989 uma cadeia contínua de balsas chegava ao porto de Itacoatiara com toras para carregar em navios, e um navio carregado com toras partia a cada 15 dias, principalmente para a China. Este país, diferente de países da Europa e América do Norte, estava disposto a comprar madeiras tropicais de quaisquer espécies. A permissão concedida para exportação de madeira em tora advinda da construção da usina, fez com que houvesse um aumento das taxas de desmatamento ilegal em Rondônia nos dois anos de transporte entre Samuel e o porto de Itacoatiara, já que os documentos fraudados diziam que a madeira era do reservatório de Samuel.
Entretanto, não há documentos disponíveis em meios eletrônicos que expliquem em maiores detalhes como se deu o processo que autorização da exploração e exportação de madeireira em toras oriundas da formação do reservatório de Samuel, assim como não estão disponíveis os documentos que poderiam explicar a ocupação da área alagada pelo reservatório, com o intuito de se conhecer o uso dos recursos florestais pelos ocupantes.
Segundo Simonian (1996) e (Fearnside, 2004, APUD. ELETRONORTE, 1990), 238 famílias que habitavam loteamentos do INCRA tiveram que ser reassentadas no projeto de assentamento Rio Preto de Candeias, já que parte da rodovia BR-364 foi inundada. A maior parte das famílias trabalhava com a agricultura, sendo que 10% dos chefes de família se declararam como seringueiros, portanto, pode se supor que usufruíam da coleta do látex e de outros produtos nas áreas que foram alagadas pelo reservatório da usina.
A comunidade de Cachoeira Samuel a foi a mais atingida pela formação da barragem. Simonian (1996) destacou a grande diversidade sociocultural dos residentes da comunidade, com presença de indígenas, seringueiros e outros grupos. Formada por 20 famílias, a comunidade de Cachoeira Samuel, talvez seja a que melhor possua relação com a floresta e com o rio Jamari, já que havia a prática da pesca e caça para subsistência.
Sobre o uso da madeira, não há relatos da exploração comercial de produtos madeireiros dentro das áreas que em seguida foram inundadas, porém sabe-se que as famílias que moravam nessas áreas faziam a extração de madeira apenas para atender demandas da própria unidade familiar, por exemplo, a construção de canoas, casas, pontes, etc. (Simonian, 1996). Posteriormente o início da construção da usina, houve a exploração da madeira pela ELETRONORTE e a exportação para o mercado internacional, porém, conforme foi dito anteriormente, não há informações disponíveis sobre como se deu este processo e o quanto foi extraído dos 420 mil hectares e dos 29 mil hectares que já estavam desmatados. Este informação possivelmente pode estar disponível nos estudos ambientais feitos pela ELETRONORTE, porém não há acesso disponível em meios eletrônicos.
Apesar da escassez de informações precisas sobre a quantidade de madeira que existia nas áreas atingidas pelo reservatório da usina, há formas de se saber por estimativa o quanto de madeira poderia ter sido extraído naquele momento. Isto pode ser feito conhecendo o inventário florestal de alguma localidade relativamente próxima às áreas atingidas e com condições climáticas, topográficas e de solos iguais ou semelhantes.
Para as áreas alagadas pelo reservatório, podem ser verificadas as informações contidas nos planos de manejo dos UCs próximas: ESEC de Samuel e FLONA do Jamari. A ESEC de Samuel é a UC que está mais próxima das áreas atingidas pela barragem, porém, desde sua criação, o seu plano de manejo não foi elaborado, já a FLONA do Jamari, possui informações disponíveis e de fácil acesso.
O inventário florestal da FLONA do Jamari foi realizado no ano de 1983 pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e teve como objetivos subsidiar o processo de criação da FLONA e avaliar o potencial produtivo da floresta, por meio das estimativas para o volume e número de árvores de espécies comerciais. Os resultados deste inventário está disponível no endereço eletrônico do SFB (Serviço Florestal Brasileiro), órgão responsável, entre outras funções, por promover as concessões florestais no país.
Os resultados do inventário mostraram a ocorrência de 106 espécies de valor comercial, nos intervalos de DAP entre 25 cm e 45 cm. A análise estatística do inventário revelou um volume médio de 138 m³/ha para DAP maior ou igual a 45 cm (intervalo de confiança: ± 11,95 m³/ha). Considerando o intervalo diamétrico de árvores com DAP maior ou igual a 25 cm, a análise estatística do inventário florestal revelou que o volume médio das árvores era de 206,88 m³/ha (Intervalo de Confiança: ±15,01 m³/ha).
Portanto, com base no inventário florestal da FLONA Jamari, pode-se ter uma noção do volume de madeira que existia nas áreas que foram inundadas para a formação da usina. No entanto, esta informação não substitui os dados que podem ter sidos inventariados para a construção da usina.