Pejotização e os Limites da Flexibilização das Relações de Trabalho no Brasil

Pejotização e os Limites da Flexibilização das Relações de Trabalho no Brasil

INTRODUÇÃO

A pejotização, definida como a contratação de pessoas físicas sob o manto de pessoas jurídicas (PJ) para prestação de serviços, tornou-se uma prática comum em muitos setores da economia brasileira. Essa prática busca, em muitos casos, reduzir custos trabalhistas e previdenciários, flexibilizando as relações de trabalho. No entanto, ela também levanta questões legais delicadas, especialmente quando se trata de distinguir entre um verdadeiro prestador de serviços autônomo e um empregado sob vínculo de emprego disfarçado.

Este artigo tem como objetivo discutir os riscos e as possibilidades jurídicas da pejotização, com base no entendimento atual da jurisprudência brasileira, sobretudo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Além disso, serão abordadas as boas práticas recomendadas para que a pejotização seja feita de forma lícita, evitando fraudes e possíveis reclassificações de vínculo empregatício.

 

CONTEXTO JURÍDICO DA PEJOTIZAÇÃO NO BRASIL

A pejotização ganhou relevância no cenário jurídico brasileiro devido às transformações nas relações de trabalho, impulsionadas por mudanças econômicas e a necessidade de maior flexibilidade nas relações empresariais. O STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 958.252 (Tema 725) e a ADPF 324, estabeleceu a legalidade da terceirização, inclusive para a atividade-fim, e, por extensão, legitimou a contratação de profissionais liberais por meio de pessoas jurídicas.

O STF afirmou que, desde que respeitados os princípios constitucionais e não haja desvirtuamento da relação de trabalho, a contratação de serviços via pessoa jurídica é lícita. A decisão afastou a antiga distinção entre atividade-meio e atividade-fim, permitindo a contratação de PJs para qualquer função, mas manteve a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelo cumprimento das obrigações trabalhistas.

Precedentes importantes incluem a decisão do STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 958.252 (Tema 725), que consolidou a tese de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas”. Em complemento, a ADPF 324 foi outro marco que reafirmou a constitucionalidade dessas formas de contratação, declarando a inconstitucionalidade da interpretação que proibia a terceirização de atividades-fim.

 

RISCOS ENVOLVIDOS NA PEJOTIZAÇÃO

Apesar do reconhecimento jurídico da pejotização, a prática não está isenta de riscos. A Justiça do Trabalho, por meio do TST, tem reclassificado contratos PJ como vínculos empregatícios quando verifica a presença de elementos que caracterizam a relação de emprego, como subordinação, habitualidade e pessoalidade.

Em decisões como o Recurso de Revista 0000114-06.2022.5.17.0151 (TST), o Tribunal Superior do Trabalho aplicou o entendimento do STF sobre a licitude da terceirização, afastando o reconhecimento de vínculo empregatício ao constatar que não havia subordinação direta nem irregularidades na contratação de prestadores de serviço como PJ. No entanto, em casos em que há fraude ou desvirtuamento da relação de trabalho, o TST tem adotado um entendimento contrário.

Um exemplo de decisão contrária é o acórdão do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 0010671-65.2020.5.03.0069 (TST), no qual o Tribunal entendeu que a pejotização havia sido utilizada para mascarar uma relação de emprego real, reconhecendo o vínculo empregatício entre o prestador de serviços e a empresa contratante. O TST destacou que, apesar do contrato de PJ, os elementos clássicos de uma relação de emprego estavam presentes, como a subordinação direta e a continuidade no trabalho.

 

JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL E CONTRÁRIA

I. Jurisprudência Favorável e Desfavorável no TST

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem analisado casos de pejotização com frequência, decidindo de maneira favorável quando as características de autonomia e independência do prestador de serviços são respeitadas. No entanto, quando os elementos da relação de emprego (subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade) são identificados, o TST tem reclassificado essas contratações como vínculo empregatício.


Decisão Favorável: Recurso de Revista 0000114-06.2022.5.17.0151 (TST)

Nesta decisão, o TST aplicou a tese fixada pelo STF no Tema 725 e na ADPF 324, reconhecendo a licitude da pejotização. O tribunal concluiu que não havia subordinação direta e que o prestador de serviços atuava com autonomia suficiente para descaracterizar o vínculo de emprego. A decisão enfatizou que:

“Ao definir a tese do Tema 725 de sua tabela de repercussão geral conjuntamente com a decisão proferida na ADPF 324, a Suprema Corte reconheceu a licitude da terceirização e da divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas. (...) O Supremo Tribunal Federal decidiu pela licitude da terceirização por 'pejotização', ante a inexistência de irregularidade na contratação de pessoas jurídicas formada por profissionais liberais.”

Neste caso, a decisão foi favorável à empresa porque o contrato de prestação de serviços estabelecia claramente a independência do prestador, que, além de atuar de forma autônoma, não possuía qualquer subordinação direta ou controle de horários.


Decisão Desfavorável: Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 0010671-65.2020.5.03.0069 (TST)

Em contraste, nesta decisão, o TST reclassificou a relação como vínculo empregatício, determinando a nulidade do contrato de prestação de serviços como PJ. O tribunal observou que:

“A jurisprudência desta Corte reconhece a fraude na contratação ante a existência de subordinação direta do empregado à empresa tomadora dos serviços, não havendo que se falar em licitude da terceirização. (...) Diante dos elementos fáticos apresentados, concluiu-se pela configuração de vínculo empregatício.”

A decisão foi desfavorável à empresa porque, apesar de haver um contrato de PJ, a prova testemunhal e documental demonstrou que o trabalhador recebia ordens diretas, tinha horário controlado e atuava de forma contínua e pessoal, evidenciando os elementos típicos de uma relação de emprego.


Conclusão do TST: O Que Distingue as Decisões Favoráveis e Desfavoráveis

O fator decisivo para o TST é a presença ou ausência de autonomia e subordinação. Quando o prestador de serviços mantém sua independência, não possui controle de horários e não está subordinado hierarquicamente, o tribunal tende a considerar a pejotização lícita. No entanto, se o prestador de serviços está vinculado a ordens diretas, horários controlados e possui pessoalidade na prestação de serviços, o TST entende que a relação de emprego está configurada.

 

II. Jurisprudência Favorável e Desfavorável no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem sido chamado a decidir sobre a licitude da pejotização, especialmente à luz de precedentes como o Tema 725 e a ADPF 324, que estabeleceram diretrizes claras sobre a terceirização e a contratação de PJs. As decisões do STF refletem uma tendência de aceitação da pejotização desde que os contratos sejam genuínos e não configurem fraude.


Decisão Favorável: Recurso Extraordinário nº 958.252 (Tema 725) e ADPF 324

Nessas decisões, o STF consolidou o entendimento de que é lícita a terceirização, inclusive para atividades-fim, e a contratação de profissionais por meio de PJs, desde que respeitados os princípios constitucionais. A Corte enfatizou que:

“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, desde que mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

O STF considerou que, na ausência de fraude e quando observados os requisitos formais corretos, a pejotização é uma prática permitida, oferecendo às empresas a flexibilidade necessária para organizar suas operações.


Decisão Desfavorável: Reclamação Constitucional 55806 SC (STF)

Por outro lado, em casos como a Reclamação Constitucional 55806 SC, o STF manteve o reconhecimento de vínculo empregatício quando a pejotização foi utilizada como meio de fraude. A Corte determinou que:

“Depreende-se dos autos que a ‘pejotização’ da obreira se deu com o intento de fraudar a legislação trabalhista e que a nulidade do contrato de parceria foi declarada nos termos do art. 9º da CLT.”

Neste caso, o STF destacou que, quando os elementos de subordinação e pessoalidade estão presentes, a relação de emprego deve ser reconhecida, independentemente do contrato formal apresentado. A decisão reforçou a vedação ao uso de contratos PJ para mascarar relações de emprego genuínas.


Conclusão do STF: O Que Distingue as Decisões Favoráveis e Desfavoráveis

O STF segue o princípio de que, enquanto a forma contratual respeitar os princípios constitucionais e não houver fraude, a pejotização é permitida. No entanto, quando se verifica que o contrato foi utilizado para disfarçar uma relação de emprego com subordinação, pessoalidade e continuidade, a Corte intervém para reconhecer o vínculo empregatício, aplicando os direitos trabalhistas previstos na CLT.

 

BOAS PRÁTICAS NA PEJOTIZAÇÃO

Para evitar que a pejotização seja interpretada como fraude, algumas boas práticas são essenciais:

·        Autonomia do Prestador de Serviços: É crucial garantir que o prestador de serviços tenha total autonomia na execução de suas atividades, sem subordinação hierárquica ou controle de horários.

·        Contrato Bem Estruturado: O contrato de prestação de serviços deve ser claro e detalhado, prevendo a natureza autônoma da relação, o escopo do trabalho e a forma de remuneração, evitando termos que sugiram um vínculo de emprego. 

·        Ausência de Exclusividade: O prestador de serviços PJ deve ter a liberdade de prestar serviços a outras empresas, reforçando a independência da relação.

·        CNAE e Tipos Empresariais Adequados: O Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE) da empresa prestadora de serviços deve refletir a atividade efetivamente exercida, garantindo a coerência entre o objeto social e a função desempenhada.

 

CONCLUSÃO GERAL 

A pejotização, quando realizada de forma adequada e respeitando os limites legais, pode ser uma estratégia válida para flexibilizar as relações de trabalho no Brasil. No entanto, tanto o TST quanto o STF têm reiterado que o abuso dessa prática e a tentativa de fraude na contratação por PJ podem acarretar graves passivos trabalhistas e sanções.

As empresas que optam pela pejotização devem adotar contratos bem estruturados, assegurar a autonomia dos prestadores de serviços e garantir que não haja elementos que configurem uma relação de emprego, como controle de horários ou subordinação direta, para evitar a reclassificação do vínculo e os riscos jurídicos associados.

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