Pensando sobre o processo de formação acadêmica

Pensando sobre o processo de formação acadêmica

Esse texto eu fiz na faculdade para uma trabalho em uma disciplina, estava limpando meus materiais de estudo e achei o texto. Apesar de antigo de 2011 alguns fatos permanece, para escrever convidei um grupo de pessoas que estudavam na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) de cursos variados a experiencia foi excelente para mim e ainda reler foi bem especial. Por isso estou compartilhando com vocês:

Ao longo da leitura do texto da Benevides e do Passos chamado “A instituição e sua borda” me surpreendia principalmente na parte em que ela se chama de Alice (por causa da Alice no País da Maravilhas). Identifique-me. Pois por muito tempo me sentia na universidade como o menino do pequeno príncipe, especificamente nesta parte do livro:

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry

Assim como o príncipe escalei uma grande montanha - de sentimentos, de estudos diários, do vestibular, da renúncia, do tédio, do cansaço... - e as únicas montanhas que poderia ir seriam as faculdades federais; e esta serviria para mim com tamborete para conseguir um emprego e uma vida com mais “qualidade”. Ao conseguir subir essa montanha pensava que iria ver as coisas com outra perspectiva, que a universidade me proporcionaria um conhecimento e com ele iria desbravar como bandeirante as matas da vida. Mas, quando entrei na universidade via pedras pontudas como agulhas, me percebia em meio de gente estranha, com aulas endurecidas tanto quanto no pré-vestibular – só que sem piadas -, burocracias que não entendia e com poucos lugares para poder ir desbravar ou conhecer – o CA era habitado por pessoas que não eram da psicologia e o CEMUNE VI nem sabia onde era porque não nos foi apresentado -, mas tinha a cantina e lá estavam às pessoas conversando e nos explicando onde eram as coisas na UFES. Percebi que a universidade era muito mais que o curso de psicologia, mas o que era o curso de psicologia?     

Nas aulas dizíamos: “Bom Dia!” e os professores respondiam “Bom dia... bom dia... bom dia...”. Perguntamos: “Quem és tu?” e eles respondiam: “Quem és tu... quem és tu? O que significa ser? O que é A Verdade? Personalidade, o que é isso? A criança desenvolve-se nestes estágios! O corpo e a alma são um só? Você está tendo um comportamento de esquiva! Ainda não fechou sua gestal?”. Pensei várias vezes como o pequeno príncipe: "Que planeta engraçado! é completamente seco, pontudo e salgado; e os homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz"

Assim, este trabalho é impulsionado por esses afetos e por um incômodo que surgiram ao longo do meu curso de psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Desde que entrei na universidade pude experimentar um movimento do qual até hoje não sei explicar.

Eu termino o curso e vejo tanta coisa, tanta matéria que eu tive aqui, tanta coisa que foi dita discutida e lida sem necessidade. Eu não sei como é deveria ser, mas alguma coisa eu acho que deve ser mudada aí (Baptista, p. 103, 2000).

Essa última parte da fala que coloquei acima diz muito para mim porque é assim que penso: “não sei o que deveria, mas sei que alguma coisa tem que mudar”. Percebo que há nas relações da gestão dos cursos um campo de forças que tende a ser estados de dominação e outros de resistência e essas posturas não são ocupadas por um, mas por todos; gostaria de pontuar que não estou querendo achar o vilão e o herói. 

Tanta gente se esconde do sonho com o medo de sofrer. Tanta gente se esquece que é preciso viver combater moinhos, caminhar entre o medo e o prazer somos todos na vida qualquer um de nós Vilões e heróis, vilões e heróis. César Camargo Mariano & Lula Barbosa

Fiquei por muitas vezes me perguntando nós psicólogos que ficamos em algumas matérias falando sobre processo de trabalho, sobre não desqualificar o saber não cientifico, da importância de cuidar do que é público, de que não existe A Verdade, estudamos a cognição, formas de aprendizagem. Percebi que, no curso de psicologia (professores e alunos) nós perdemos em meio de tantos discursos e esquecemos efetivamente de atualizar tudo aquilo que estudamos, falamos e lemos. Em PEPA I fiz um trabalho sobre o mapeamento da vida acadêmica dos alunos de psicologia da UFES e no final do trabalho fiquei com uma sensação de ter que ampliar a conversa de forma que toque a universidade.

Agora no primeiro semestre de 2011 refletindo sobre o eco da fala da professora Maria Elizabeth Barros de Barros na disciplina obrigatória Psicologia Escolar e Problema de Aprendizagem III: “proposta de trabalho... proposta de trabalho” para o período. Percebi que seria uma boa oportunidade de poder ampliar essa conversa, propus a professora e ela aceitou. Então, decidir pesquisar/experiênciar sobre o processo de formação acadêmica da UFES.

“A universidade é uma universidade pública, não é uma universidade estatal. Eu distingo entre estatal e público. As universidades são autarquias, elas são entidades autônomas e elas são públicas, elas fazem parte da República, da coisa pública, do bem público, do serviço público e do fundo público”. (Chauí, 1989)

A universidade hoje passa longe de uma democratização do saber e se torna um espaço elitizado, de modo que já não é possível considerá-la pública. No Brasil, o ensino superior federal é “ocupado” por pessoas de classe média e alta; fato que ocorre devido a vários fatores e um deles é a prova do vestibular. Apesar de o dinheiro de toda a população (a verba pública) manter a universidade federal, nem todos têm acesso à mesma e esta passa a servir o setor privado de modo indireto. 

Se submeter a uma prova para selecionar a entrada na universidade, será a melhor saída? Estamos selecionando o que com essa prova? Porque vivemos como se o vestibular fosse naturalizado? Porque não lutamos por alternativas? Por que ninguém reparou? Qual é o papel da universidade em relação às políticas públicas de educação?

Estabeleceu-se um paradigma cientificista no qual predomina a existência de um “Saber Verdadeiro”, sendo somente este reconhecido e os outros modos de saberes são desqualificados. Localiza-se o desenvolvimento e (re)produção deste “Saber” nas instituições educacionais, como por exemplo a universidade, que ocorre de uma certa forma e todo aquele que não tiver acesso ou não conseguir se adequar ao seu formato é excluído. Com esta valorização gera-se conseqüentemente um mercado de trabalho em que se ganha melhor e é bem visto aquele tem um ensino superior, ou seja, aquele que estudou e adquiriu o “Saber”.

Portanto, cria-se uma subjetividade volta para um padrão de saber e forma de ser profissional. Padrão e forma que cristaliza o sujeito ao ponto dele não poder (re)inventar outro modo de ser profissional e nem de adquirir conhecimento e este enrijecimento causa sofrimento a muitos jovens, como no caso do Lucas. Assim como ele há milhares de outros por ai nesse Brasil que fica cinco ou sete anos de sua vida estudando para passar na prova do vestibular e entrar numa universidade federal. Essa reflexão nós leva a mais uma pergunta: o que queremos construir com as atuais políticas públicas de educação?

Em relação à Universidade Federal do Espírito Santo, um fato curioso a se observar é que o ensino superior começou pela iniciativa privada, e somente no governo do presidente Juscelino Kubitschek houve a transformação para uma universidade federal[1]. Percebe-se então uma especificidade do Espírito Santo, no qual a história se construiu ao avesso das universidades do renascimento. No entanto, podemos dizer que hoje a UFES se encontra capturada pelo formato de universidade mais presente no Brasil, em que a defesa da gratuidade como bem público se encontra dissociada de sua forma de ser e estar com o público. É pública para quem tem dinheiro para pagar um bom colégio particular e passar no vestibular.

Estar numa universidade pública nós faz pisar num campo heterogêneo e marcado por modos de gestão pública; e por esta ser autarquia possui uma “autonomia” em relação ao governo que se expande e pulsa em todas as suas esferas podendo ser vivenciado por nós cotidianamente na nossa formação. Segundo Chauí (1999) a configuração atual do capitalismo gera a fragmentação, a competição e o sentimento de falta (falta ler livros, falta tempo, falta mais professores, falta alunos mais aplicados...) fazendo emergir uma dispersão nos espaços e como conseqüência nos faz sentir que há uma ausência/falta destes lugares, mas quando esses espaços são estabelecidos não conseguimos ouvir o outro ou não comparecemos porque temos outras coisas mais importantes e urgentes para fazer. Estes movimentos surgem diante dos nossos olhos que (in)conscientemente não percebemos, mas nos afeta tanto que nos incomoda no nosso processo de formação.

Nosso entendimento sobre formação difere da formação marcada pelo modo de produção capitalista que tem como objetivo fazer os professores serem eficazes na sua transmissão de saber ao aluno e que este possa aprender um conteúdo num determinado espaço de tempo e que seja capaz de reproduzi-lo com segurança e rapidez; as crianças que não se adéquam a essa forma de ser são desqualificadas e são rotuladas como alunos problemas de aprendizagem. É importante lembrar que quando discutimos os processos educacionais das escolas também colocamos em questão nossa formação e nossas práticas enquanto profissionais psi. Portanto, desconfiamos das formas “naturalizadas” de ser aluno, de ser professor, de ensino e de aprendizagem; acreditamos na forma singular de construção de saber e que este está intimamente relacionado com o fazer (ação).

Quando Freire (1999) afirma que não há docência sem discência, percebemos que o inverso também é valido e o interessante perceber é que nossa aposta é de que os professores possam caminhar ao lado dos alunos na construção de um saber que se corporifica. Assim, afirmamos que a produção do saber não se dá através da transmissão do conhecimento, mas vai além, se dá na invenção, na problematizarão e na criação contínua de si e do outro. Quem ensina aprende e re-aprende e a pessoa que aprende ensina enquanto aprende, os dois juntos ensinam, aprendem, constroem e inovam.

       Ainda neste sentido, segundo Foucault (apud HECKERT, 2007, p8) “Existem momentos na vida onde a questão de saber se pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar e refletir”. Deste modo, em se tratando da teoria e da prática, é de extrema importância o pensar sobre o que estamos fazendo, e colocarmos em analise constantemente nossas ações, pois somos os sujeitos da construção do saber. Deste modo, pode-se evitar um enorme distanciamento das praticas cotidianas da teoria colocada nos diversos espaços (pesquisa, sala de aula, palestra, grupo de estudos).

Afirmamos que é necessário (re)pensar as práticas educacionais - a Universidade – e as políticas educacionais, pois atualmente algumas práticas reforçam e atualizam o paradigma cientificista no qual predomina a existência de um “Saber Verdadeiro”, sendo somente este reconhecido e gerando um processo de desqualificação de outros tipo de saber; localiza-se o desenvolvimento e (re)produção deste “Saber” nas instituições educacionais. 

Aquelas vozes que não aprecem nos processos foram mortificadas em vida pelos especialistas e deixaram, no entanto, suas marcas sutis na apropriação a que foram submetidas para a constituição de um domínio de saber ou um saber de domínio. (...) Questionar os modos de circulação dos saberes, as suas relações com o poder e as mortificações que as identidades incutem nos chamados especialistas e em todos nós (Lobo, 2002, p. 4).

Pensando nessas vozes mortificadas por um saber de domínio que desqualifica certos modos de falar, tentei cria um espaço de escuta em que não se julga o que é certo ou errado, o que é bonito ou feio, o que é inteligente ou burro; mas produzir uma fala, que não some sem deixar vestígio, que instrumentaliza o sujeito de estratégias cotidianas para lidar com a adversidade de um ensino público. Segundo Kastrup (1998) o presente é campo movente e nos coloca em contato com movimentos de transformação das formas construídas, dando a possibilidade para a imprevisibilidade.

 Entrei em contato com alunos estudantes da UFES em cursos diferentes e conseguir um grupo com oito estudantes dos cursos: Direito, Administração, Enfermagem, Medicina, Economia, Ciências Sociais, Biologia e Pedagogia. Combinamos dois encontros[2] de 2h que tiveram espaços de 15 dias, pois foi necessário o retorno deles para suas atividades acadêmicas depois do primeiro grupo de discussão a fim de criar um olhar mais atento ao que estão construindo em seu cotidiano.

O primeiro encontro teve como temática: “O mapeando o cotidiano da vida acadêmica”. Foi realizada uma apresentação dos participantes e depois uma técnica de aquecimento, para descontrair; logo em seguida apresentei a proposta de trabalho e de discussão. Por fim, para disparar a conversa utilizei trechos de alguns textos e assim conseguimos fazer o mapeamento do cotidiano acadêmico. Neste encontro pensei que iria dura menos de 2h, mas na verdade durou quase 3h e tive que terminar a conversa, pois essa fluía muito bem.

Nos embates do dia-dia os corpos apagavam-se e diluíam-se gradativamente e a cidade (a universidade, a sala de aula) endurecia fronteiras, delimitando desejos e memórias incompatíveis; convertido em especial, falava, falava, falava e falava sumia sem deixar vestígios, virando fumaça. (Baptista, 2001).

As falas dos universitários deixaram vários vestígios do que seria um ensino público, uma universidade federal no Brasil, uma UFES, um curso de graduação, um estudante e um universitário federal. Fui juntando como se fizesse um mosaico das observações, dos desejos, dos sonhos, das memórias, das experiências, de tudo que se falava, falava e falava.

A coisa mais notável foi à diferença entre o campus de Goiabeiras e o do de Maruípe. Foram percebidos ao longo das conversas que a forma didática é bem divergente, no segundo campus as cadeiras são sempre enfileiradas e voltadas para o quadro, os professores passam slides e as aulas são geralmente de 4 horas, sendo diferentes quando são aulas práticas. Já em Goiabeiras temos uma diversidade: temos um caso que o modo de aula é bem parecido com o de Maruípe, temos outro caso em que as cadeiras são em forma de “u” com lugares marcados, outras as pessoas sentam ou por chegada ou por afinidade e o posicionamento da cadeira é aleatório.

Contamos os casos sobre o uso de droga, principalmente da maconha, e o modo de lidar com que é público; um participante falou que tem aula de manha e às vezes é muito ruim para assistir aulas porque a sala dele é do lado do CA (Centro Acadêmico) e as pessoas ficam “assistindo Bobe Esponja e fumando maconha”. Falou-se também sobre as fumaças de maconha que tomam conta dos corredores, sobre as festas de corredores que ocorrem a noite impossibilitando, por muitas vezes, o andamento da aula e faz com que algumas aulas de determinados cursos acabem mais cedo (lembrando que a noite a hora aula é menor). Já os alunos de Maruípe não citaram nem uma história desse tipo e enfatizaram a freqüência da presença dos professores e dos alunos nas aulas. Será o campus de Maruípe Pasárgada?:

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Manuel Bandeira

Um dos participas deste campus acha que o professor pode sim tirar ponto dos alunos se eles faltarem e acha que eles podem criar certos mecanismos punitivos (que tire nota e reprove) se o aluno falta as aulas. Uma pessoa do campus de Goiabeiras relatou que teve um professor que fazia isso e esta mesma pessoa relatou a dificuldade de seu curso (biologia) ter uma aula prática e que ficam a maior parte dentro da sala ou lendo, sem experimentar um pouco da teoria. Esta fala provocou grande aceitação e cada um foi falando de sua dificuldade com a teoria e prática. O aluno medicina disse: “a gente estuda inicialmente os pedaços: fígado, braço, perna...”

Assim, falamos sobre a teoria no início do curso e fizemos várias perguntas tais como: Serão necessárias tantas matérias de introdução? É necessário fica tanto tempo vendo teoria e teoria sem ter contato com o objeto estudo? Como os cursos noturnos podem ter espaços para experiência com o que é dito em sala? O que temos feito para essa articulação entre teoria e prática? Como temos buscado lidar com as “falhas” de ensino? O que temos feito? Ao pensar essas perguntas lembramos que a universidade federal nos proporciona assistir aulas em outros cursos, o que pode fazer a diferença na nossa formação. Por vezes exigimos muito dos cursos querendo que eles abordem tudo e esquecemos que tudo é muita coisa e que não dá para a universidade proporcionar esse tudo; e teremos de correr atrás do que achamos importante para nossa formação, “o que vocês têm feito pela gestão do curso de vocês?” Indaga um participante.

E agora, José?
Com a chave na mão
quer abrir a porta, não existe porta;
quer morrer no mar, mas o mar secou;
quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

A fala do participante mais o poema me fizeram lembrar um vídeo que fizemos para a disciplina de Ética sobre a universidade em que o aluno de psicologia disse: “o problema do ser humano é criar problema e fazer pouca arte” em seguida perguntamos: “você acha que o curso de psicologia faz pouca arte?” Ele respondeu pensativo: ”eu estou fazendo a minha e vocês estão fazendo a de vocês?”

Fomos lembrados pelos alunos do campus de Maruípe que suas cargas horárias são grandes de 90 horas, por exemplo, e que a possibilidade de assistir as matérias de outros cursos é impossível. O aluno de enfermagem relatou a dificuldade de seguir o curso direitinho fazendo período por período: “Se você reprovar fica um período atrasado (...) no meu curso eles ofertam disciplina de verão, que são matérias ofertadas durante as férias para ajudar os alunos desperiotizados (...) e a professora chefe do nosso departamento disse que iria parar de ofertas essas matérias porque os alunos estavam faltam (...)” em seguida foi levantado por ele à seguinte questão “fazemos matérias com cargas horárias gigantes”. Falamos, assim, sobre a dificuldade de lidar com as quantidades de matéria obrigatória e com a carga horária que em muitos cursos são gigantescas. Lembrei novamente do vídeo de Ética teve uma entrevista que perguntamos: “qual é a diferença entre fazer as matérias obrigatórias e as optativas?” As meninas do curso da psicologia disseram: “nas obrigatórias o sentimento é de obrigação por parte do professor e do aluno, mas às vezes somos surpreendidas”.

Foi apontado no encontro sobre a dificuldade de lidar com as aulas de professores de outros departamentos, ou seja, que não são o do curso. Devido a falta de aplicabilidade com o curso em si, por exemplo, alguns citaram sobre o como a psicologia tem aparecido nas salas de aulas; criticaram falando que o professor não está conseguindo associar a matéria com o curso.

       Abriu a discussão para falar sobre acessibilidade da universidade. Em que alguns eram a favor da prova do vestibular dizendo que é uma forma de selecionar quem iria para faculdade pública porque esta não tinha como comportar lugar para todos. É que o problema de reprovação dos que estudaram na escola pública no vestibular não é devido à maneira que o vestibular é formulado, mas sim devido à falta de estrutura dos ensinos fundamental e médio das escolas públicas. Posicionamento que foi rebatido, muito pouco, com exemplos que levam a conclusão de que as pessoas tinham que ter mais opção além de ir para universidade.

Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: « Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério! » e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo! O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry

No segundo encontro a proposta era fazer um desenho coletivo sobre os espaços de aprendizagem. Foi muito difícil marcar uma data para o encontro devido à impossibilidade de conciliar os horários. Pois éramos quase um cogumelo só nos preocupamos em estudar e em ser um homem sério. Conseguir, mas infelizmente duas pessoas não foram, entretanto me escreveram sobre um fato que marcou na sua vida acadêmica. Todos nós tínhamos que fazer prova final. Cheguei primeiro, não demorou muito chegou um amigo/participante com uma expressão facial tensa e nervoso, cumprimentamo-nos e ele desabafou estava de prova final e na última prova tinha tirado zero – mesmo assim ele estava ali – chegou mais um e ele entrou a conversa também estava de final, ansioso e nervoso perguntava se o encontro iria durar muito tempo. Tentando despreocupá-lo dizia que iria ser rapidinho, uma participante se juntou a nos e também estava de prova final, começamos a partilhar nossas experiências de prova final e de final de período. Falamos sobre reprovar, só um de nós já tinha reprovado e foi porque abandonou a matéria, pensei “como assim, abandonar matéria? Jamais faria isso”, o encontro já havia começado nem eles nem perceberam.

Fomos para sala mais duas pessoas se juntaram a nos, coloquei a cartolina na mesa e falei: “Gente é para fazer um desenho sobre onde vocês acham que ocorre a aprendizagem de vocês”. Com vergonha ninguém começou, mas um dos participantes tomou a frente e começou a perguntar o que cada queria desenhar e cada um queria desenhar uma coisa diferente então decidiram desenhar cada um o seu e num canto da cartolina. O primeiro desenho foi do churrasco de corredor, outro desenho a biblioteca, outro seu quarto, outro um barzinho, outro um projeto de extensão e por fim outro desenhou um laboratório[3].

       Ao longo do desenho íamos conversando sobre eles e sobre outras coisas também. O menino que desenhou o churrasco no corredor foi logo questionado: “não dá para aprender num churrasco, não se tem uma conversa linear”, questionei: “o que é uma conversa linear?”, o menino que desenha interrompe e diz: “na moral, lá no corredor a gente conversa de tudo: futebol e sobre teorias, sobre as aulas, sobre oportunidade de emprego, sobre o que fazemos, o queremos e a gente cria intimidade com os professores e com os alunos”. Ele diz sobre o aprender pelos afetos, pela intimidade, pelo compartilhamento de desejos e pela adesão; pois esse churrasco de corredor ocorre duas vezes por ano e vão todos os professores e os alunos, lembrei que tentamos produzir algo parecido com a semana da psicologia, mas não conseguimos a adesão de nem uma das partes. Talvez seja isso que estamos precisando um churrasco, uma intimidade, uma adesão (DPSI com DPSO). Lembrei-me do meu trabalho de PEPA I, pois nas entrevistas que fizemos percebemos nas falas que essa diferença de departamento afeta nos alunos criando um ambiente de insegurança e comparação. De forma alguma estou querendo propor algum modelo ideal de curso psicologia só estou simplesmente concordando com Heckert (2007, p.4):

Entendemos que não se trata de apontar modelos político-pedagógicos ideais, abstratos e dissociados do cotidiano dos processos de trabalho, mas, principalmente, indicar modos de fazer a formação (princípios e métodos) que se construam num ethos da integralidade e da indissociabilidade entre cuidar, gerir e formar.    

Questionei a menina que desenhou o bar sobre o que ela aprende me respondeu dizendo: “a gente vai para lá e fica discutindo a matéria ou quando o professor entrega à prova vamos para lá e discutimos sobre as questões”. Percebi que eles estavam com vergonha de falar por causa da câmera então desliguei. O menino que desenhou o quarto disse que gosta de estudar em casa porque é onde rende mais, perguntamos onde está ele no desenho porque ele desenhou o quarto vazio, ele respondeu: “to na aula”, alguém disse: “nossa ainda deixa a luz ligada, o livro e a caneta na mesa”. A menina que desenhou a biblioteca disse que gosta muito de estudar neste e se ela for para casa acaba dormindo ou desviando sua atenção para outra coisa.

A menina que desenho seu projeto de extensão PREMMA (Programa de Reabilitação para Mulheres Mastectomizadas) - é promovido pelo curso de enfermagem no hospital Santa Rita com mulheres que perderam sua mama devido ao câncer – contou a história de todo o projeto e contou algumas dificuldades que tem passado. Todos ouviram atentamente. Fizemos perguntas. Foi um tema bem delicado que se levantava nesse momento, porque tinha uma das pessoas do grupo que sua mãe morreu de câncer de mama. Alguém fez ma piada com outra coisa e assim todos acabaram rindo e mudando de assunto. 

Aqueles que estão tão preocupados com o horário esqueceram e estamos conversando há mais de uma hora e ninguém nem olhou para o relógio. Ficamos brincando com os desenhos, falavam que não sabiam desenhar, quando começamos a falar sobre esses conhecimentos que faz parte do que são, ou seja, é algo que eles não precisam se esforçar para lembrar, mas que está “vivo em nós”, falaram que se sentem confortável para trabalhar em sua determina profissão. Sem mais o que falar, perguntei se podia tirar foto e fizemos varias poses e saímos da sala mais o assunto continuava no corredor, na escada, no hal da entrada do prédio, na rua ...  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BAPTISTA, L. A. S. A fábrica de interiores: a formação psi em questão. Niterói, EDUFF, 2001

BAPTISTA, L. A. S. A fábula do garoto que quanto mais falava sumia sem deixar vestígios: cidade, cotidiano e poder. In: MACIEL, I. M. (Org.). Psicologia e educação: novos caminhos para a formação. Rio de Janeiro: Ciência moderna, 2001, v. 1, p. 195-212.

BUARQUE, Cristovam. A Aventura da Universidade. São Paulo. Editora da UNESP. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, 239p.

CHAUÍ, Marilena. A Universidade Operacional. Folha de São Paulo: Caderno Mais! 09 de maio de 1999.

CHAUÍ, Marilena. Entrevista no Roda Viva. (programa transmitido ao vivo pela Rádio Cultura AM e pelas TVs Educativas do Pará, Piauí, Ceará, Bahia, Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo e TV Curitiba) em 14/8/1989.

HECKERT, A. L. C. A produção dos latifundiários do saber: a formação do psicólogo em questão. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1992.

HECKERT, A. L. C. Escuta como cuidado: o que se passa nos processos de formação e de escuta? In: PINHEIRO, Roseny; MATTOS, Ruben Araújo de. (Org.). Razões públicas para a integralidade em saúde: o cuidado como valor. 1 ed. Rio de Janeiro: ABRASCO/CEPESC, 2007, v. 1, p. 199-212.

NASCIMENTO, Maria Lívia do Pivetes- a produção de infâncias desiguais. Rio de Janeiro, Oficina do Autor; Niterói, Intertexto. 2002. Por uma Vida Acadêmica não Fascista. Lobo, Lilia.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1999.

SOUZA, Marilene; ROCHA, Marisa. Ano da Psicologia na Educação: Textos Geradores. Conselho Federal de Psicologia (CRP). Agosto de 2008. Eixo Temático 02: Políticas educacionais: Legislação, formação profissional e participação democrática;

KASTRUP, Virgínia. A cognição contemporânea e a aprendizagem inventiva. Arquivos Brsileiros de Psicologia 49, p.108-122. 1998.

[1]Site da UFES: http://portal.ufes.br

[2] No final do trabalho coloquei o que utilizei e como elaborei os encontros

[3] Os desenhos se encontram nas folhas finais do trabalho


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