Perdida no futuro
Neste mês, a antropóloga e professora, Ruth Cardoso, se viva estivesse, completaria 90 anos, dedicados à intensa atividade intelectual, com relevante produção acadêmica e participação nos novos movimentos sociais que afloraram após a redemocratização.
Quis o destino que seu esposo chegasse à presidência em 1995. Com ele, Ruth seguiu para Brasília com a certeza de que poderia mudar o papel usual de esposa de presidente. Enfim, agora era a primeira “dama” da República (desculpem-me o trocadilho) com doutorado em Ciências Sociais. Ruth falava com suavidade, no entanto tinha convicções fortes, inabaláveis.
Os tempos já eram outros. As ideias, que Amartya Sen divulgaria em seu livro inspirador “Desenvolvimento como liberdade”, influenciavam as visões sobre as relações entre crescimento econômico e desigualdade. Segundo Sen, eficiência e equidade não deveriam ser dois polos antagônicos; ao contrário, a força do desenvolvimento viria do equilíbrio entre crescimento econômico e inclusão social. A chave desse equilíbrio estava na oportunidade de as pessoas conquistarem suas liberdades, de se emanciparem econômica, social e politicamente. Desenvolvimento deveria significar liberdade.
Duas diferenças marcantes para as novas e inovadoras estratégias de desenvolvimento - políticas sociais são uma coisa e políticas de assistência social para pobres, outra coisa; e políticas públicas não se restringem às políticas governamentais - foram os pilares principais do programa do Conselho da Comunidade Solidária, criado por Ruth Cardoso, para promover o diálogo entre Estado e Sociedade na busca da equidade, por meio de programas inovadores de promoção e fortalecimento do capital humano e do capital social.
Conforme apontou Augusto Franco, parceiro de Ruth Cardoso, em artigo publicado domingo passado no jornal “Folha de São Paulo”, o foco do programa era identificar e estimular sinergias entre Estado, mercado e sociedade civil para desenvolver as potencialidades das comunidades e localidades. Participação democrática e equidade nas relações entre desiguais dariam suporte a uma nova estratégia de políticas públicas. O papel de governo nos programas de transferência de renda deveria continuar indispensável, como sempre foi, mas libertadora seria a participação das organizações civis na formulação e implementação de políticas públicas.
Neste século, os tempos são outros, sombrios. Voltou-se ao passado. Os espaços para o diálogo foram fechados, as diversidades, negadas, e as novas formas de populismo ancoram-se nos programas de assistência social e combate à pobreza para garantir sua própria permanência no poder. O protagonismo voltou ao Estado.
Ao lado de seu filho, Ruth morreu serena em uma tarde fria de junho, em 2008, e está agora, como assinalou Augusto Franco, perdida no futuro. Ou perdidos estamos todos nós.
Gerente Operações | Gerente Industrial | Gerente Supply Chain | Gerente Suporte Técnico | Gerente de Produção | Gerente de Serviços | Engenheiro Senior | Gerente Senior | Gerente da Qualidade | Processos e Projetos
4 aMais uma vez, sua reflexão tem uma importância enorme, como contribuição sobre a análise crítica que temos fazer sobre este momento. O presente está perdido, foi destruído lá atrás por um misto de manipulação, ignorância e esperança irracional. Mas nossa responsabilidade presente é o que importa, nossa ação agora é que pode nos dar um norte e um novo destino no futuro. Confesso que não sou otimista, nossos candeeiros tem se apagado a cada vento que sopra, e nosso barco, navega cada vez mais perdido nesta escuridão.
Cofundadora da Shefa USA, Mestre em Educação e Inovações Sociais, Publicitária, Pós Psicanálise e Especialista em Empreendedorismo Consciente. Autora do Livro Empreenda em Si: o propósito de uma vida mais signficativa.
4 aEstimado Paulo, excelente artigo, como sempre. As contribuições da Sra. Ruth, amparadas por Sen, com certeza seria o sonho da nossa liberdade. Embora o IDH não anula o crescimento econômico, somente o foco no ‘desenvolvimento’ é capaz de libertar, emancipar e trazer a equidade que tanto necessitamos. Costumo dizer: uma empresa pode ganhar bilhões em um ano, com único contrato. Se houver o distrato do mesmo, o crescimento econômico vai a estaca zero. Quando o foco é para o desenvolvimento, (endógeno emancipatório), não há queda, mas continuidade no seu des-envolver. É uma espiral, não retoma pro lugar de início (curiosamente, como tudo na natureza. Assim apresenta a teoria dos fractais. O desenvolvimento é espiralado). As nossas ‘assistências sociais’ - como bem disse, diferente das ‘políticas sociais’, criam mais dependências e pouca distância da fome, da pobreza, da miséria!