Permuta no Local e responsabilidade do proprietário em caso de atraso ou não entrega das unidades imobiliárias
Muito frequentes no mercado de incorporações imobiliárias, os denominados contratos de “Permuta no Local” continuam gerando controvérsias no Judiciário. Não são raros os casos em que o comprador da unidade futura inclui o proprietário do imóvel como réu nas ações de indenização decorrentes de atraso na entrega, ou até mesmo não entrega, da unidade autônoma adquirida. Mas é mesmo possível responsabilizar o proprietário de forma indiscriminada em caso de inadimplemento do incorporador?
A “Permuta no Local” é um contrato tipicamente previsto no artigo 39 da Lei nº 4.591/64, celebrado entre o proprietário de um terreno e um incorporador. Em suma, o proprietário (também chamado de “permutante” no contrato) transfere ao incorporador parte ideal do terreno e reserva para si a outra parte. Por sua vez, o incorporador se obriga a edificar determinadas unidades imobiliárias, vinculando algumas delas ao quinhão reservado pelo proprietário[1]. Ou seja, o proprietário troca parte do seu lote por apartamentos, lojas etc. que a incorporadora tem a obrigação de edificar e lhe entregar de volta.
Regra geral nesse tipo de negócio imobiliário, o proprietário não assume nenhuma obrigação de construção ou entrega das unidades imobiliárias futuras, não vende quaisquer unidades e tampouco participa dos contratos de promessa de compra e venda que o incorporador celebra com os futuros adquirentes. Quando a participação do proprietário se resume às obrigações constantes da “Permuta no Local”, ele não pratica atos de incorporação propriamente ditos.
Em tais hipóteses, a posição contratual do proprietário é considerada idêntica à dos compradores: credor da obrigação de entrega das unidades futuras e, como tal, igualmente prejudicado pela mora ou inadimplemento do incorporador. No julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do recurso que se acredita ser o leading case da matéria[2], essa identidade de posições do proprietário e do comprador foi inclusive reconhecida pela Min. Nancy Andrighi.
A nosso ver, a posição do proprietário é ainda mais grave e prejudicial em relação ao comprador. Primeiro, porque o incremento do risco do proprietário no negócio gera um desequilíbrio econômico enorme, por não ter sido considerado para fins de definição do número de unidades imobiliárias que receberia do incorporador (e se isso for feito, a permuta no local pode simplesmente deixar de ser economicamente viável, o que, em última análise, significaria uma perda relevante para o mercado). Segundo, porque geralmente a fração ideal inadimplida ao proprietário é bem superior à dos compradores individualmente considerados. Terceiro, porque o proprietário, enquanto condômino, ainda permanece responsável por uma série de obrigações que acompanham o imóvel (juridicamente ditas propter rem, como, por exemplo, o pagamento de IPTU).
Logo, nessas situações, o proprietário não pode responder pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento do incorporador, ou até mesmo do construtor, sendo totalmente incorreta a intenção de equipará-los, para fins de responsabilização. Recentemente, tivemos a oportunidade de ver a tese – obviamente, bem mais complexa do que esses singelos apontamentos – confirmada pelo Juízo da 30ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte num dos casos que patrocinamos, decorrente do fracasso de um grande empreendimento hoteleiro na capital mineira. Em acertada e atenta sentença, o Magistrado concluiu que não foram praticadas atividades típicas de incorporação pelo proprietário permutante e o isentou da responsabilidade pelos pedidos de indenização formulados pelo comprador.
O estoque de ações judiciais existentes e o potencial de que inúmeras outras sejam ajuizadas são enormes, dado o número de envolvidos quando uma incorporação imobiliária fracassa. O certo é que a tentativa de responsabilização do proprietário exige cautela, notadamente em razão dos prejuízos que uma ação judicial mal proposta pode acarretar ao autor no cenário do novo Código de Processo Civil, inquestionavelmente mais rigoroso e impositivo em termos de ônus da sucumbência.
Guilherme Capuruço – Sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados
André Ruiz – Advogado do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados
[1] CHALHUB, Melhim Namem. Da incorporação imobiliária. 3a edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 225.
[2] STJ. REsp 686.198/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 01/02/2008.