Petroleiras em apuros
As maiores petroleiras do mundo nunca lucraram tão pouco. Nesse cenário, que tende a continuar, o futuro do mercado é colocado à prova. A única certeza é de que nada será como antes
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Na primeira semana de fevereiro, algumas das maiores petroleiras do mundo divulgaram seus resultados referentes ao ano passado. Os números, dificilmente, poderiam estar piores. A britânica BP, por exemplo, anunciou um prejuízo de US$ 5,2 bilhões. Trata-se da mesma perda obtida em 2010, quando um dos poços da empresa no Golfo do México se rompeu, causando um dos maiores tragédias ambientais da história. Dessa vez, no entanto, não foi preciso um desastre sem precedentes para pintar de vermelho o seu balanço.
A sangria é consequência da queda de 70% no preço do chamado “ouro negro”. Na quinta-feira 11, a cotação do barril do tipo WTI, negociado em Nova York, chegou a cair para algo em torno de US$ 26, o menor valor em quase duas décadas. “Este ano será terrível”, afirmou Bob Dudley, CEO da BP, em conferência para divulgação dos resultados. A companhia do Reino Unido não está sofrendo sozinha. O lucro da americana Exxon, ainda que tenha atingido impressionantes US$ 16,2 bilhões, caiu pela metade.
O CEO da companhia, Rex Tillerson, já sinalizou um corte de 25% nos investimentos este ano. A compatriota Chevron, por sua vez, pretende cortar quatro mil funcionários, como parte de um plano para economizar US$ 9 bilhões, em consequência de uma perda de US$ 500 milhões, em 2015. A Petrobras, que sofre uma grave crise de imagem graças aos escândalos de corrupção apurados pela operação Lava Jato, também se encontra em situação delicada em virtude do cenário adverso. A empresa ainda não fechou o balanço de 2015.
A Petrobras colocou à venda, na semana passada, suas 21 usinas térmicas, além de alguns gasodutos que as abastecem. A meta é arrecadar US$ 57,7 bilhões com a venda destes e outros ativos e, dessa forma, equalizar sua dívida. Atualmente, a companhia brasileira é a mais endividada do mundo em seu setor. Suas dívidas brutas ultrapassam R$ 500 bilhões. Na semana anterior ao Carnaval, o investidor e guru dos mercados emergentes Mark Mobius, presidente da gestora de fundos Franklin Templeton, disse que está deixando de investir na Petrobras.
Para ele, no atual patamar de preços do petróleo, é praticamente impossível que a petroleira cumpra suas obrigações com os credores. “O governo vai ter de ajudar”, afirmou Mobius, em encontro com jornalistas brasileiros. Nas suas contas, para evitar uma recuperação judicial, a empresa tem de torcer para o preço do barril subir a US$ 80, o que parece improvável neste momento. O cenário é de “tempestade perfeita”. “Essa é uma indústria cíclica, e algumas das grandes companhias perderam isso de vista quando se empenharam em projetos multibilionários pelo mundo afora”, afirmou Amy Myers Jaffe, diretora-executiva da área de energia da Universidade da Califórnia, ao diário americano The Wall Street Journal. “Ninguém estava preparado.”
Os maiores bancos de investimento já perceberam que a crise será duradoura. Para o J.P. Morgan Chase, o preço do barril tipo brent, negociado na Europa, deve ficar em US$ 31,50 este ano. “Estamos com aquele frio na barriga de quando se está prestes a descer a ladeira em uma montanha russa”, disse o analista David Martin, em relatório publicado no início de janeiro. Anteriormente, a instituição financeira previa um valor de US$ 51,5. Para André Perfeito, analista-chefe da consultoria Gradual Investimentos, está claro que a demanda global não dá conta da oferta da principal commodity energética.
“Esse processo está ligado à demanda fraca chinesa”, diz Perfeito. Nos EUA, o estoque de petróleo chegou a 64,7 milhões de barris, bem próximo da capacidade limite de estocagem do país, de 73 milhões de barris. Ao mesmo tempo, a OPEP, organização que reúne os maiores produtores, aumentou a oferta em janeiro, na tentativa de inviabilizar o gás de xisto, hoje o grande concorrente do petróleo no setor energético. Já o Irã, que produz 4,2 milhões de barris por dia, está voltando ao mercado e promete reduzir ainda mais o preço do produto, em março.
O ambiente hostil está levando as petroleiras a advogarem por uma causa que, há alguns anos, representava um grande tabu: a redução do aquecimento global. Na quinta-feira 11, o CEO da BP, Bob Dudley, defendeu que os governos devem encorajar a mudança para combustíveis de baixo carbono, durante a Semana Internacional do Petróleo de Londres, primeiro grande evento do setor no ano. Em seu discurso, Dudley afirmou que o mundo está em vias de ver as temperaturas subirem para níveis alarmantes.
“O caminho para um aumento menor do que dois graus requer uma diminuição nas emissões de carbono, começando agora”, afirmou o executivo, fazendo referência à meta de aquecimento global estabelecida na COP21, conferência climática realizada em Paris, em dezembro do ano passado. O posicionamento da BP é estratégico. A verdade é que a maioria das grandes petroleiras possui diversos investimentos em energias renováveis. A Chevron, por exemplo, mantém uma área inteiramente voltada a projetos de energia alternativa, como eólica, solar e geotérmica. A empresa já gastou mais de US$ 2 bilhões em pesquisas nessa área.
A Exxon investe, há cinco anos, no desenvolvimento de um substituto do petróleo produzido a partir de algas e outras plantas. A Shell, por sua vez, se juntou à brasileira Cosan para criar, em uma joint venture, a Raízen, maior produtora individual de etanol e açúcar do País. Ao mesmo tempo, é provável que o setor passe por um processo de consolidação. Em 1998, quando o preço do petróleo teve sua última grande queda, chegando a US$ 11 o barril, em virtude da crise dos Tigres Asiáticos, houve uma avalanche de fusões e aquisições, que moldaram o mercado. Na época, a BP deu início aos negócios, comprando a Amoco.
A compra da Mobil pela Exxon, da PetroFina e da Elf pela francesa Total e a união entre Chevron e Texaco, deu início à era das “grandes líderes”. Agora, quem deu o pontapé inicial foi a Shell, que adquiriu a compatriota BG Group, por US$ 50 bilhões, em abril de 2015. “Esse negócio marca o início de um novo capítulo na história da companhia”, afirmou Ben van Beurden, CEO da empresa. O futuro, para as petroleiras, ainda é uma incógnita. O mercado, provavelmente, não vai acabar. Mas uma coisa é certa: nada será como antes. E ficar parado esperando o preço do petróleo aumentar é uma péssima estratégia.