POEMÁRIO


Ao longo do dia e da noite e das vésperas

Ao longo de travessias que se movem dóceis

Sinto que as tuas mãos estão frias e já não suplicam nem o meu rosto nem as poeiras nem o sabre das ausências bruscas

Tudo demorou o tempo das pandemias

Tudo demorou o tempo dos anjos guilhotinados

Tudo demorou o folhear de águas e de uma busca do infinito

Foi uma mudez que se foi adquirindo

Que foi apetecendo

Que foi rimando com distâncias e outras virtudes

Nem eu sabia de ti

Nem tu sabias de mim

Algures o caos de um persil de saudade e de êxtase

Nos finais das tardes lá eu te recordava naquela folha de papel

Onde me juravas o amor incondicional e a guarda dos corredores da morte

Onde perfilavas o desenho de um duende

E o desejo ainda se acendia em flores em cais em rumores em abraços leais

Mas as guerras e as campânulas do medo soterravam as gentes e os lugares

Onde antes havia paixão hidra rubis e infâncias

Agora eram espadas e dissimetrias

Eram golpadas

Eram as praias dos abatidos e dos infelizes

E tu hibernaste no teu casulo de sempre mas com outros epicentros

Eu ia sabendo de ti

Pelas poesias que recolhias e depois nelas acontecias

Eu ia cantando o do que neles via

Mas tu a cada momento cada vez mais longe adormecias

Até que fiquei sozinha a escrever poemas de antemão

Até que fiquei ressequida

Apreendida

Mordida

E aí sim

Desintegrei-me num longo poemário desviado e em transbordo

Devagar me desalentei

 Devagar caí

Devagar tombei num baldio coxo

 

 

 

#ceciliabarreira

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