Por que algumas palavras nos parecem desgastadas?
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Por que algumas palavras nos parecem desgastadas?

Empatia.

Propósito.

Empreendedorismo.

Engajamento.

De tempos em tempos, algumas palavras surgem no vocabulário corporativo e parece que se tornam um mantra, né? Viram moda e tudo se torna “sobre isso” (aliás, essa expressão também...)

Outro dia eu estava lendo um artigo sobre propósito e vendo como é um conceito relevante, faz sentido tanto para a estratégia de uma empresa como para a carreira de alguém, mas eu me sentia muito refratária sobre esse tema. Talvez outras pessoas também sintam isso, por causa do esgotamento que fazemos de algumas palavras, que abordadas tantas vezes e em tantos contextos e situações diferentes, faz a gente “pegar ranço” e acaba descredibilizando o próprio conceito.

E fiquei me perguntando por que isso acontece. Por que, de tempos em tempos, transformamos alguns conceitos numa espécie de mantra corporativo?


“Dorothy, siga pelo caminho das pedras douradas.”

A imagem que me veio à mente logo na sequência foi o caminho dos tijolos dourados do Mágico de Oz. Então é isso, somos apenas nós, humanos, buscando um caminho seguro e direto para o nosso objetivo, o tesouro no fim do arco-íris? É por isso que nos apegamos a novos conceitos como se fossem o caminho dourado para alcançar nossos objetivos?

Somos humanos e acho natural que busquemos o menor esforço para alcançar algo. Não vejo nada de mais em procurarmos por atalhos, talvez seja da própria natureza humana, algo ligado ao instinto de sobrevivência. Estamos sempre buscando a “bala de prata” que vai não apenas resolver todos os nossos problemas, mas também nos colocar na capa da Forbes – ou transformar nosso perfil no Instagram em algo >15M e agora pelas minhas referências vocês já têm uma ideia de quando eu nasci.

Mas, por outro lado, também tem um ditado que aprendi quando foi a minha vez de me apaixonar por um conceito. No início dos anos 2000, eu achava que tudo se resolveria em uma empresa com o CRM, era a solução do milênio – ele foi o meu “caminho dos tijolos dourados”. E foi ótimo vivenciar a implementação de um grande projeto nessa área porque me mostrou como aquilo estava bem longe de resolver tudo e como um projeto complexo como esse, que mexe em tantos aspectos internos de uma empresa, pode, ao invés de melhorar o relacionamento com clientes e ampliar vendas, acabar evidenciando e potencializando outros problemas, que aparentemente não têm nada a ver com o escopo, mas que vão ser os impeditivos para seu sucesso.


Um prego e um martelo.

Foi nessa época, no início da minha carreira como consultora, que eu aprendi que “para quem só tem um martelo, todo problema parece um prego”. Eu tinha no repertório um conceito e estava apaixonada por ele, era o meu martelo e o meu caminho dourado.

Por isso, hoje, quando eu vejo a exultação de alguns conceitos, eu dou um passo para trás. Não desconfio de nenhum conceito per se, mas da nossa tentação de transformá-lo em solução mágica para tudo.

O que eu sim, acredito, é que precisamos sempre ampliar nosso repertório para ter em perspectiva que diferentes problemas demandam soluções diferentes, e que, como consultores, precisamos ter o cuidado de fazer proposições considerando a cultura e o momento de cada empresa, de cada equipe envolvida.

Precisamos encarar os pregos, as lascas da madeira, as rachaduras das paredes e os desníveis do assoalho com muito mais que um martelo – precisamos do martelo, do serrote, da britadeira, do pincel e às vezes apenas de uma vassoura para arrumar aquilo que está errado à nossa volta.

Da mesma forma, não significa que porque algumas palavras foram desgastadas por nós – usando-as até a exaustão – devemos deixá-las de lado. Nós precisamos sim do propósito, da empatia, do empreendedorismo, do engajamento e de tantos outros conceitos que fazem do trabalho algo mais que trocar uma atividade por dinheiro para pagar os boletos. O que não precisamos, penso eu, é encará-los como a solução mágica e fácil que nos conduzirá rápida e diretamente aos nossos objetivos, não antes de muito empenho e, de outro conceito: consistência.



Elaine Moraes

Revisora de Textos Científicos e Livros. Revisão Gramatical, ABNT, APA, Vancouver. Metodologia e Redação Científica. Professora e Doutora em Comunicação.

3 a

Fernanda, como sempre, ótima reflexão. Compartilho da sua visão crítica sobre a paupérie semântica que alguns termos adquiriram em virtude do uso desgastante e inapropriado. Destaco o conceito de "empatia", que tanto defendo como uma atitude que pode nos ajudar a minimizar conflitos e produzir melhores resultados, mas tem se tornado útil para uso obrigatório naquelas "excelentes" frases motivacionais. Obrigada por compartilhar.

Celia Linsingen, MSc.

BRANDING | MARKETING SUSTENTÁVEL | ESG 🌎💚🇧🇷🇵🇹Consultora, Mentora, Branding as a Service, Professora, Palestrante, Podcaster, Conselheira Consultiva, Multiplicadora B

3 a

Nossa, Fernanda! Adorei sua análise: lúcida.

Valeska Petek

Mentora de Carreira & Comunicação | 🌎 Clientes em 18+ países | Plano de Carreira | Currículo | Entrevista | Networking | LinkedIn Creator | Gupy Expert

3 a

Perfeito, Fer! E você acha que entender que a única constante é a mudança, somado a termos olhar crítico para avaliar o que faz sentido (ou não), nos ajuda a evitar cair na armadilha desse apego (ou desapego)?

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