Ainda Marielle
Qualquer homicídio é revoltante. Com a pessoa, morrem sonhos, amizades, segredos, carinhos, amores... Não importa quem foi a pessoa morta, mesmo que ela seja um monstro, só conseguimos admitir esta brutalidade se despersonalizarmos a vítima e a trocarmos por rótulos. No cinema isto fica claro: Podemos admitir a morte de um assassino, mas apenas até o momento em que paramos para ouvir sua história, em que a tela nos mostra a dor do seu filho, o seu carinho pela mãe... Woody Alan falava que, de perto, ninguém é normal. É verdade. Mas de perto, ninguém merece a morte...
A morte de um representante do povo, qualquer um, consegue ser ainda pior. É um atentado à democracia, uma afronta ao Estado, ao sacrifício que todos fazemos para vivermos juntos. Ela ofende nossos sonhos de um país justo e plural. Quando se mata um síndico, um vereador, um deputado, além de se matar a pessoa, amordaçam-se seus eleitores. Pior: a sociedade toda é chantageada, é colocada na ponta da arma.
Seja lá quem foi que matou Marielle, deixou um recado claro: Ninguém está a salvo! Foram policias corruptos, traficantes, colegas de partido, militares russos, jogadores de video game nepaleses? Tanto faz...
Quem a matou, matou a mãe, matou a moça alegre, matou a militante radical, mas matou a liberdade de todos os vereadores cariocas. Matou mais um pouco a crença do carioca de que o Rio pode ter jeito....
Reduzir esta morte ao debate maniqueísta que tem povoado nossa sociedade é desprezar nossa democracia. Para o bem, ou para o mal, não importa se ela era negra e lésbica, se era mulher, se tinha esta, ou aquela posição política. Importa que era uma pessoa e importa que representava uma parcela do povo carioca, que representava um poder democrático. Nenhum de nós pode aceitar que qualquer político seja calado na base da bala, porque, se um pode ser morto, a liberdade de todos estará limitada. Nenhum de nós pode aceitar, que esta investigação pare, só porque deixou de ser conveniente....
A esquerda precisa parar de berrar que esta morte é consequência do pseudo golpe, ou da intervenção militar, evidente que não é. Ela é consequência da absoluta falência do Estado. A direita precisa parar de falar que foi um assassinato como todos os outros 50 milhões (sim, minha senhora, o número é um pouco maior que esse) por ano que acontecem no Brasil e que o fato de Marielle ser deste, ou daquele gênero é que está dando importância ao caso. O que é importante no caso é que ele é um atentado à única via pacífica que nos resta para sairmos deste buraco: a possibilidade (mesmo que remota) de termos representantes dignos e corajosos (e nem sei se ela era, ou nao um destes).
Noa precisamos e nao devemos escolher entre 8 e 80. Ser radical, quase sempre, é ser idiota. Neste caso, é ser suicida. Precisamos nos dar a chance de construir um país melhor.