Por que falar sobre finanças climáticas, e não apenas financiamento climático?
Clarissa Gandour
Cofundadora do FGV Clima, professora da FGV EESP e doutora em Economia pela PUC-Rio. Sua pesquisa apoia a ação climática baseada em evidência.
Ricardo Buscariolli
Professor de Economia na Universidade Federal do ABC e doutor em Economia pela FGV EESP. Sua pesquisa aborda asset pricing, prêmio de liquidez e finanças climáticas.
Semana passada ocorreu o primeiro Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, evento oficial do G20 que reuniu representantes da sociedade civil, dos setores público e privado e de órgãos multilaterais de financiamento. É imensa e urgente a necessidade de mobilizar recursos para apoiar a ação climática. Não foi surpresa, portanto, ser esse o tópico predominante no fórum.
No entanto, “financiamento” e “finanças” não são sinônimos. De forma simplificada, o primeiro diz respeito a quem paga a conta e o segundo trata de como colocar um preço hoje em eventos que só ocorrerão no futuro, ou precificar eventos futuros, no jargão da teoria de finanças.
Acontece que o futuro é incerto. Então, para precificá-lo, precisamos considerar o que cada um espera acontecer lá na frente. Pessoas diferentes têm expectativas diferentes quanto à probabilidade de ocorrência de cada cenário futuro possível. É por isso que tantas transações acontecem em bolsas de valores ao redor do mundo. Mercados financeiros fornecem instrumentos para que essas expectativas sejam negociadas.
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Dado que há também enorme incerteza associada à crise climática, cada agente econômico tem expectativas diferentes sobre seus efeitos. Isso pode parecer caótico, mas é terreno familiar para a teoria de finanças. Para ela, o risco climático é só mais uma fonte de risco sistêmico, ou seja, algo que não pode ser diversificado com a elaboração de carteiras de investimentos. A boa notícia é que não precisamos começar do zero, porque as técnicas para lidar com esse novo risco sistêmico são basicamente as mesmas já utilizadas há décadas.
Isso chamou a atenção de acadêmicos de finanças em todo o mundo e fomentou importantes avanços na compreensão das finanças climáticas em anos recentes. A discussão tem uma implicação crucial. Se quisermos canalizar recursos – principalmente os privados – para investimentos em projetos de ação climática, é imprescindível que os riscos dos projetos sejam gerenciáveis. Isso só acontecerá com o uso de teoria de finanças que precifique hoje os eventos futuros e de instrumentos do mercado financeiro para negociar esse futuro agora.
O montante para impulsionar o efetivo enfrentamento da crise climática é astronômico. Estimativas da ONU apontam que economias em desenvolvimentos precisarão de US$ 7 trilhões anualmente para atingir suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa até 2030. E essa é apenas a conta da mitigação, mas já sabemos que também precisamos investir em ações de adaptação.
Não é realista achar que haverá mobilização de recursos nessa magnitude sem expressiva participação de fontes privadas. Contudo, os investimentos privados só acontecerão com uma gestão de riscos adequada, o que requer, por sua vez, o uso sistemático de teoria de finanças e inovações no mercado financeiro.
Para que isso se torne uma realidade, devemos discutir as finanças climáticas com os mesmos vigor e urgência que hoje dedicamos ao financiamento climático.